É bem provável que venhamos a ter um novo Governo com “velhas caras” e sem grandes novidades em relação à legislatura que ora finda. Como se sabe, Ulisses Correia e Silva é pouco dado a mudanças, prefere aumentar o elenco governamental, em vez de “despedir” ministros. Quando muito, prefere que os incomodados saiam pelos próprios pés.
Fernando Elísio Freire, por aquilo que fez na recta final da IX nona legislatura, quando acumulou as funções de ministro da Família e Inclusão Social, e pelo seu desempenho na campanha para as legislativas de domingo, deve almejar uma “promoção” no próximo Governo. Sendo já ministro de Estado, e o verdadeiro braço direito de Ulisses Correia e Silva, resta saber com que “patente” irá aparecer no próximo elenco governamental.
Mas o problema está em como resolver a situação de Olavo Correia que, logo no início da legislatura que ora finda, fez tudo e conseguiu “uma promoção” para o cargo de vice-primeiro-ministro, relegando o primeiro vice-presidente do MpD, Elisio Freire, para ministro de Estado.
Na altura, a nomeação de Olavo como VPM foi encarada com uma certa naturalidade, face a um excesso de protagonismo, ofuscando, de certa forma, o próprio chefe do Governo.
Inicialmente, como ministro da Finanças, Correia estava em todas e aparecia na comunicação social, mais que qualquer outro dos outros governantes. Contudo, depois dessa ascensão, como número dois do Governo, o seu discurso tornou-se redondo, repetitivo, com o uso sistemático de chavões e frases feitas.
Quem não se lembra da célebre tirada: “temos dinheiro que nunca mais acaba”; “vamos sobrevoar essa pandemia”… Prometeu uma bazuca financeira para apoiar as empresas a fazer face aos efeitos da pandemia da covid-19, mas, ao que parece, essa arma tinha pólvora seca.
Além disso, entre outros vários anúncios, que ficaram por concretizar, prometeu 11 boeings para a Cabo Verde Airlines para 2019, aviões estes que, infelizmente, nunca chegaram.
Aliás, Olavo Correia ofuscou-se nos últimos meses da governação e pouco ou quase nada se soube dele durante o período pré-eleitoral, repetindo-se o mesmo durante a campanha para as eleições de 18 de Abril. Com a vitória, ei-lo que volta a aparecer, de novo cheio de motivação, a visitar o NOSi, a postar frases feitas no Facebook, como que a dizer, “estou de volta”.
Contudo, conforme A NAÇÃO pôde apurar junto pessoas muito próximas do MpD, Olavo Correia deverá manter-se no cargo de VPM, mas sem nenhuma pasta específica. A ideia é pô-lo a coordenar todo o sector da economia. A pasta de Finanças, segundo as mesmas fontes, poderá ser assumida por Gilberto de Barros, que é, neste momento, Secretário de Estado das Finanças.
A gestão, em termos de posicionamento no Governo entre Olavo Correia e Fernando Elísio Freire, não aparenta ser tarefa fácil para UCS que, segundo os nossos interlocutores, terá que ter uma certa “justeza” no tratamento que deverá dar a um e outro.
Para alguns militantes do MpD, Freire merece um lugar de destaque no próximo Governo, não só pelo seu “excelente” desempenho como ministro na legislatura que ora finda, mas, também, pelo “grandioso” contributo que deu na campanha para as últimas eleições legislativas. “Ele foi o principal arquiteto da grande vitória do MpD em Santiago Sul e Norte”, resumiu uma fonte.
Tudo na mesma
Em relação às outras pastas, é expectável que continue tudo na mesma. Pois, como se sabe, UCS não é muito de mexer no seu executivo e isso ficou provado na legislatura que ora finda. Em 2016 arrancou com um Governo 12 ministros, como tinha prometido na campanha; contudo, na primeira oportunidade dilatou o elenco governamental. Uma das alterações registadas em Dezembro de 2017 foi, precisamente, a promoção de Olavo Correia para o cargo de vice-primeiro-ministro. Na altura o Governo passou a contar com mais três ministérios, dois ministros e seis novos secretários de Estado.
UCS justificou o alargamento pela “necessidade de melhorar a eficiência governativa, de reforçar a coordenação política e económica”.
Também na altura se registou uma certa despromoção do então super-ministro José Gonçalves que viu o seu Ministério de Economia e Emprego a ser desmantelado, originando a criação de três novos ministérios – Indústria, Comércio e Energia, Turismo e Transportes e Economia Marítima.
Aliás, Gonçalves foi o primeiro sair do Governo, alegadamente por questões pessoais. O mesmo aconteceu com Maritza Rosabal que também deixou a Educação, alegadamente, por questões pessoais e, por último, saltou Luís Filipe Tavares dos Negócios Estrangeiros e Defesa, apanhado pela nomeação “escandalosa” de Caesar DePaço como cônsul honorário de Cabo Verde na Florida.
Fora esses contratempos, nos cincos anos de governação, UCS nunca fez uma remodelação de fundo na sua equipa. Na história dos governos que o país já teve, o anterior é seguramente o campeão da estabilidade.
Se se mantiver essa forma conservadora de gerir a estrutura governamental, é bem provável que, além de Fernando Elísio Freire e Olavo Correia, o país volte a ter Janine Lélis, outra vice-presidente do partido, na pasta da Justiça e do Trabalho.
Rui Figueiredo manterá os Negócios Estrangeiro e será extinta a pasta de Integração Regional que tinha sido criado à medida para o falecido Júlio Herbert.
Sem grandes novidades, Paulo Rocha, Abraão Vicente, Paulo Veiga, Gilberto Silva e Carlos Santos continuarão a merecer a confiança de UCS nos respectivos cargos ministeriais.
Resta saber se Eunice Silva, Alexandre Monteiro, Amadeu Cruz e, eventualmente, Arlindo do Rosário se manterão no Governo.
PR precipitado
O Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, que quis ouvir os partidos políticos com assento parlamentar com vista à indigitação do primeiro-ministro, após a vitória do MpD nas eleições de domingo, acabou por ouvir outra coisa. O MpD, o PAICV e a UCID consideram que, com manda a Constituição, esse procedimento não deve ser feito antes da publicação dos resultados definitivos.
De acordo com uma nota divulgada pelo próprio chefe de Estado, as reuniões com os três partidos com representação parlamentar após as eleições legislativas visavam a “indigitação, para posterior nomeação, de novo primeiro-ministro”, nos termos da Constituição da República.
Mas, no fim das reuniões, os três partidos se posicionaram contra essa intenção de JCF que, mais uma vez, agiu com uma certa “precipitação”, para não dizer outra coisa bem mais grave.
A secretária-geral do MpD, Filomena Delgado, afirmou que a “conversa” com o PR foi em torno dos resultados das eleições. Isto porque há a “necessidade” de se aguardar a publicação dos resultados definitivos e a instalação da Assembleia Nacional para que o processo faça o seu “curso normal”.
Rui Semedo disse, por seu lado, que é normal que na sequência das eleições legislativas o PR chame os partidos para ouvi-los, designadamente, sobre a constituição do executivo ou da indicação de quem deverá governar o país.
Contudo, o vice-presidente do PAICV disse ter dúvidas se os encontros do PR com os partidos não deveriam ser após a publicação definitiva dos resultados eleitorais.
“A CNE tem um prazo para o apuramento geral, para os resultados definitivos e depois esses resultados passam a valer para todos nós. O PR saberá, de acordo com a lei, com a Constituição, tomar as outras medidas, ter os novos procedimentos que a lei impõe”, frisou.
O líder da UCID pediu, igualmente, ao PR que espere até à publicação mapa geral das eleições para indigitar o primeiro-ministro. Segundo António Monteiro, “há rumores”, da parte do seu partido, “que precisam ser clarificados” sobre a contagem dos votos nas ilhas de Santo Antão e do Sal.
Ademais, observou, o apuramento geral dos resultados das eleições legislativas ainda não está concluído em todas as ilhas.
“Em Santo Antão, segundo informações que tivemos, os dados foram mal lançados e havia uma mesa em Lombo de Santa em que a acta tinha um dado desfasado da realidade, e por isso, face a estas situações, com estes rumores, queríamos ter um tempo para analisar primeiramente e só depois nos posicionarmos”, explicou o reeleito deputado, para quem, “na zona de Formiguinhas também há diferenças no número de votantes na UCID, pelo que é possível que haja outras situações”.
No círculo eleitoral do Sal, ajuntou a mesma fonte, há igualmente “algumas dúvidas” e o partido está a analisar a situação para poder se posicionar “de forma tranquila”.
Por isso, António Monteiro disse ter manifestado ao PR a necessidade de fazer “um compasso de espera” e “só depois de eliminar qualquer tipo de rumor” tomar as decisões para formação do governo.
(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 712, de 22 de Abril de 2021)