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Economia

TACV/CVA ainda vai dar muitas dores de cabeça ao próximo governo (actualizado)

Quase no “dia D” aterrou na quarta-feira passada, dia 14, no Aeroporto da Praia, um dos três Boeings da TACV/CVA, depois de vários meses de ausência, e de incerteza, se iriam retornar ou não ao país. E depois das eleições de domingo, o que se segue? Muito provavelmente o folhetim que se conhece, de cor e salteado.

Praticamente a quatro dias do “dia D” das legislativas, 18, e depois de muitos “jogos de cintura” e de “bastidores”, entre o Governo e a Icelandair, um dos três aviões, há 10 meses retidos em Miami, Estados Unidos da América, chegou a Cabo Verde esta quarta-feira,14. O D4CCF aterrou depois das 16 horas no Aeroporto Internacional Nelson Mandela, na Praia.

Isto, depois deste boeing 757 ver a sua licença renovada pelos técnicos da Agência de Aviação Civil (AAC), que se deslocaram à Islândia para renovar o certificado de operador aéreo, que tinha caducado no passado dia 13 de Abril, conforme noticiou anteriormente o nosso semanário. Sabe o A NAÇÃO que a deslocação dos técnicos da AAC para a referida certificação foi desembolsada pela própria TACV/CVA. Aliás, ao que tudo indica, os técnicos vieram também no referido voo.

Recorde-se, contudo, que uma das três aeronaves que a companhia detinha, como já havíamos dado conta, em edições anteriores, foi devolvida à Icelandair (a D4CCH), em Dezembro passado, sendo que, ao que pudemos apurar, há uma (a D4CCG) que ainda permanece em Miami.

Jogada política?

Depois de ter sido avançada a retoma das operações algumas vezes, desde o início do ano, e, posteriormente cancelada, ouvidos pelo A NAÇÃO, alguns pilotos dizem-se apreensivos e desconfiam de uma “jogada política” devido às eleições de domingo próximo.

“É apenas uma jogada política, não temos condições de iniciar o voo no momento”, disse um dos pilotos, que prefere o anonimato com receio de represálias.

“Tiveram Janeiro, Fevereiro, Março e o avião vem a quatro dias das eleições?”, perguntou um outro piloto nas mesmas condições. “Repare, antes das autárquicas nem queriam saber, a Icelandair fazia o que queria (só dinheiro) e quando perderam a câmara (da Praia) acordaram. Estão a tentar ‘virar’ as eleições, mais nada. Porque se tinham a certeza que iam ganhar, acredita, o avião não vinha”.

Uma postura mais diplomática tem, neste momento, Paulo Lima, presidente do Sindicato Nacional de Pilotos da Aviação Civil (SNPAC). Contactado pelo nosso semanário, preferiu abster-se de comentários políticos, para já.

“Não vou comentar se é propósito eleitoralista. A nossa cor política é a companhia”, disse. Lima prefere reiterar o que há meses vem dizendo ao A NAÇÃO: “Acreditamos na retoma, se tudo correr bem. De resto, vamos esperar para ver”.

Porém, garantiu que o sindicato que lidera está “pronto para colaborar com quem quer que venha a governar, desde que seja para o bem da companhia”.

Nova retoma para Maio?

Porém, soube o A NAÇÃO que está, mais uma vez, em cima da mesa uma data para a retoma da companhia, agendada para 28 de Maio, com um voo na rota Sal/Lisboa. Além desta rota, estão mais duas previstas: Praia/Paris e Praia/Boston. Rotas que, como já escreveu várias vezes este semanário, foram colocadas de parte no início do Hub do Sal, por alegadamente não serem rentáveis. Agora, são retomadas.

Uma vez mais, segundo as nossas fontes, essa eventual retoma, a acontecer em Maio, estará dependente de vários factores. “No discurso dos administradores da Icelandair parece haver intenção de retoma no final de Maio. Contudo, a retoma não depende só da vontade da TACV/CVA. Tem que haver passageiros e abertura de fronteiras nos países de destino (PT,FR e USA)”.

Para essa retoma coloca-se ainda, segundo outra fonte, a questão da renovação das licenças quer de pilotos, quer de assistentes de bordo. “Não temos voos porque a maioria dos pilotos não tem licença válida, e também nenhum assistente de bordo. Em 45 pilotos, apenas 8 estão com licença válida”.

Conforme apurado ainda pelo A NAÇÃO, há staff da TACV/CVA que já iniciou uma formação de “familiarização com o novo sistema de venda de bilhetes, todas as operações de voo, checkin, despacho de voo, etc.”. Contudo, permanece ainda a incógnita da venda de passagens, sendo certo que o site oficial da TACV/CVA continua em baixo. “Para haver retoma há que haver venda de bilhetes”.

Governo diz que “salva” os postos de trabalho

Recorde-se que, com as garantias do Governo de continuar a financiar a TACV/CVA, para a sua operacionalização, mesmo estando privatizada, só este ano, o Executivo autorizou dois avales. Um no valor de cerca de 110 mil contos e outro de 440 mil, havendo já promessas de novas injeções de capital, para “salvar” a companhia aérea cabo-verdiana, ou seja, mais 30 milhões de euros até final de Julho.

Entretanto, Ulisses Correia e Silva, primeiro-ministro incumbente, e candidato à sua sucessão pelo MpD, garantiu no primeiro debate público que não vai “deixar colapsar a companhia porque é importante demais”, para o país, porque, como disse, estão 330 postos de trabalho “em causa” e uma “história acumulada”.

Já mais recentemente, na mesma quarta-feira,14, dia em que aterrou a aeronave no aeroporto internacional Nelson Mandela, na Praia, o ministro da tutela Carlos Santos, garantia em conferência de imprensa, na ilha do Sal, que o retorno do avião da CVA “salva 300 postos de trabalho”. Citado pela Inforpress, o mesmo disse aos jornalistas que o Governo “nunca desistiu” da companhia aérea nacional, que, como se sabe, foi privatizada.

Além de querer salvar os postos de trabalho e, por inerência, as famílias que dependem da companhia, Carlos Santos afirmou ainda que o objectivo é dar continuidade à estratégia do “hub” aéreo do Sal, e, também, criar uma plataforma de redistribuição de passageiros e cargas, visando transformar Cabo Verde num “centro de prestação de serviços no atlântico médio”.

“A chegada desse avião veio demonstrar um aturado trabalho juntamente com o parceiro islandês no sentido de viabilizar o reinício das atividades desta companhia em Cabo Verde”, disse, citado pela mesma fonte. Ainda segundo Carlos Santos, depois de “intensas negociações”, houve “algumas cedências de ambas as partes” para ser possível viabilizar o reinício das operações da companhia.

O Conselho de Administração, como o Governo já havia avançado antes, terá a nomeação de um administrador executivo da companhia por parte do Estado, havendo ainda, segundo Carlos Santos, cedências relativamente às tarifas de ‘leasing’, assim como em relação à redução dos valores em dívida das empresas associadas a esses dois parceiros. A este processo, junta-se o apoio do Estado de garantias de empréstimos bancários que, como disse, “viabilizou” todo o processo.

Partidos reagem

Entretanto, o PAICV reagiu à chegada do avião da TACV/CVA, a quatro dias das eleições. Em comunicado chegado à nossa redacção, Fidel Pina, Membro de Comissão Política Nacional do PAICV, classificou que terminou em “Cena de teatro” o “fracasso” do Governo do MpD, em matéria de transportes aéreos.

“Tudo indica que o desvio para a Islândia era uma forma de pressionar o Governo de Cabo Verde a pagar mais dinheiro neste negócio que tem dado, ao nosso país, avultados prejuízos, sem qualquer resultado palpável. Esta vinda não surpreende a ninguém porque todos já estavam prevenidos que o Governo faria o possível e o impossível para não chegarmos ao dia 18 de abril sem o avião na placa para enganar os eleitores que afinal temos avião”.

E alerta que, “o grande problema é que ninguém sabe em que condições foi negociada a

vinda deste avião que estava num tipo de coima a aguardar o resgate do Governo, que mais uma vez assume encargos absurdos que vem prejudicando o tesouro público e põe em causa os recursos dos cabo-verdianos”.

Fidel questionou ainda que “ninguém sabe quanto é que o Governo pagou para esta desastrosa

operação, em plena campanha eleitoral, a três dias das eleições, vinculando a próxima maioria a compromissos injustificáveis e quem sabe, insuportáveis pelos poucos recursos disponíveis nestas ilhas”. E lembrou ainda o “compromisso” do Governo, “nas palavras de Olavo Correia, de trazer para a companhia, até final de 2019, 11 boeings para operar nas linhas que alimentavam e viabilizavam o hub do Sal”. Hoje, diz, “sem nenhum avião e sem hub”, o Governo “contempla-nos com mais esta operação de alto risco só para tentar tirar proveito da sua presença, nestas campanhas eleitorais que não tem corrido de feição ao MpD”.

Também o líder e candidato do Partido Social Democrático (PSD), João Além, disse na quinta-feira,15, que a chegada do avião, em plena campanha, é mais uma “artimanha” em desfavor ao PAICV.

“Este avião veio para criar um duelo entre o MpD e o PAICV com objectivo de mostrar a população cabo-verdiana quem mentiu e quem trabalhou para desfalcar o país no sector dos transportes”, disse citado pela Inforpress.

Empresa sem futuro

Um economista, com conhecimento na área da aviação, ouvido pelo A NAÇÃO, mostra-se descrente quanto ao futuro da TACV/CVA, e não tem dúvidas de que, quem for eleito, continuará a herdar um “gigante” sorvedor do dinheiro dos contribuintes.

“Na actual conjuntura, a companhia, tal como está formatada, não tem futuro. Basta ver a dívida acumulada junto dos bancos que nunca terá hipóteses de pagar. Portanto, essas dívidas são, abinitio (desde o princípio), uma dívida pública, porque será paga pelo Estado de Cabo Verde”, explica sobre aquilo que considera ser o real cenário da empresa.

Segundo essa fonte, acrescentar ao contexto nada animador para a companhia, mesmo que volte a voar, pelo menos, sobe o formato habitual, está o facto de as “relações com a Lotleidir serem viciadas e desiguais”, porque, como diz, “se baseiam no quadro de negócio consigo próprio”, pelo que “não podem ter longa duração”, e explica porquê.

“Porque o Estado não vai poder continuar a pagar as elevadas facturas (fora de qualquer contexto do mercado) que isso implica. Ademais, os supostos mercados que a estratégia do hub previa no eixo África-EUA nunca funcionaram e no pós-covid-19, vai ser pior ainda”.

Questionado que desfecho defende para a empresa se a continuidade ou o encerramento, essa fonte é clara: “Nem uma coisa nem outra”, pese embora com a certeza que o peso dos recursos humanos, assim como está, “não pode continuar”.

“Defendo uma refundação completa da empresa, mas nunca monitorizada pelo Estado. Antevejo a ruptura com os islandeses, o despedimento colectivo de todo o pessoal, a venda, a outro grupo privado, dos activos intangíveis (marca TACV, Licença de Operador Aéreo) e recriação de uma nova TACV, sem interferência do Governo e, claro, sem os vícios de empresa suportada pelo Estado”, argumenta.

Como país arquipelágico e com fortes raízes e ligações com o exterior, e que aposta na sua inserção na economia mundial, o nosso interlocutor defende que “devemos ter uma companhia aérea para ligações estratégicas, visto que o grosso das ligações aéreas com o exterior, naturalmente, serão feitas por companhias estrangeiras”.

O certo é que quem for eleito no próximo dia 18 de Abril, não poderá continuar a comprometer a qualidade da dívida pública, em sucessivos avales à TACV/CVA.

TACV/CVA – avales do actual Estado

Ano     Montante

2016 –   3 milhões de contos

2017 –   4,6 milhões de contos

2018 – 550 mil contos

2019 – 2,6 milhões de contos

2020 – 1,2 milhões de contos

2021 –   440 mil contos + 110 mil contos (ambos Fevereiro)

Mais 30 milhões de euros previstos até Julho deste ano.

(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 711, de 15 de Abril de 2021, tendo sofrido actualização na versão do site)

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