Assim como acontece com a campanha eleitoral nos moldes tradicionais, também no digital a falta de dinheiro é um dos principais condicionantes para os partidos que querem chegar ao Parlamento. Mesmo entre os chamados “grandes” a discrepância financeira é visível.
Com um eleitorado jovem e conectado, já não é novidade que o corpo-a-corpo eleitoral, hoje em dia, é nas redes sociais, mais do que na televisão ou na rádio, por exemplo. Neste novo contexto, e sem surpresas, quem está mais activo nas plataformas digitais e com um plano de comunicação traçado especialmente para o meio são os três partidos com assento parlamentar: MpD, PAICV e UCID.
Entre as outras forças concorrentes, à procura de entrar pela primeira no Parlamento, o Partido Popular (PP) e o Partido do Trabalho e da Solidariedade (PTS) utilizam os “escassos recursos” para garantir uma presença mínima, enquanto que o Partido Social Democrático (PSD) mantém-se na campanha tradicional, quase “unipessoal” à volta do seu líder, João Além.
De acordo com o mandatário da candidatura do PP em Santiago Sul, Eugénio Varela, o partido apostou no seu site oficial para disponibilizar toda a sua plataforma eleitoral e propostas de governação para Cabo Verde.
Varela reconhece o peso que a presença digital tem na disputa eleitoral e no alcance do eleitorado, mas diz que os recursos financeiros não favorecem uma estratégia mais intensa, ou em pé de igualdade com o MpD e o PAICV.
A mesma posição é partilhada pelo PTS, que diz não ter dinheiro para investir em campanha, seja nos moldes tradicionais, seja no digital. “Estamos a aproveitar os poucos recursos que temos para pagar transporte e deslocações para contactos com o eleitorado”, alega o líder do partido e candidato no círculo de Santiago Norte, Cláudio Sousa.
Apesar da falta de meios para financiar uma estratégia “profissional” na internet, Sousa diz que o PTS está a conseguir chegar a um número maior de eleitores e ter um outro alcance através da internet, principalmente no contexto de uma pandemia.
Com uma plataforma eleitoral com foco nos jovens, o digital se torna um terreno fértil, onde vale a pena estar. Cláudio Sousa salvaguarda, entretanto, o lugar do “porta-a-porta”, tendo em conta a realidade do país no que toca ao alcance dos media digitais. “Até porque uma parte considerável da população não tem acesso a internet ou mesmo a rádio e televisão”, sublinha.
O pleito de domingo, segundo aquele candidato, está a servir para preparar o terreno e cultivar, para que daqui a cinco anos o PTS possa estar em condições de fazer uma campanha mais forte. “Não é igual ao que está sendo feito por alguns adversários, porque isso é esbanjamento desnecessário de dinheiro e serve para comprar a consciência do eleitorado, o que não é nada abonatório para a nossa democracia”, reforçou.
PSD fica pelo tradicional
O PSD é o único partido que, nestas eleições, mantém o formato inteiramente tradicional, com contactos porta-a-porta, ainda assim, “dentro do possível”, já que não há verbas para investir em campanha.
Em declarações ao A NAÇÃO na semana passada, o mandatário do PSD, José Rui Além, sublinhou que o partido não tem um orçamento delineado, e denunciava as desigualdades financeiras entre os adversários.
Mesmo assim, para falar com a diáspora, as redes sociais têm sido o meio de comunicação privilegiado.
UCID com alcance satisfatório
A UCID faz uma avaliação positiva daquilo que tem sido o seu desempenho nos media digitais. Segundo o responsável por essa campanha digital, Anilton Andrade, as pessoas precisam de mais e melhor informação para decidir a sua intenção de voto e as plataformas digitais fornecem as ferramentas necessárias para uma comunicação mais organizada.
“Foi neste sentido que o partido formou uma equipa multidisciplinar para trabalhar a comunicação digital, através da qual, garante, está a ter uma interação muito forte”, afirma. “Temos conseguido muito alcance e as métricas que vamos recebendo mostram que estamos no bom caminho e que a mensagem está a passar bem”.
O foco, segundo diz, tem sido na apresentação das propostas do partido, divulgação da plataforma eleitoral e de como tem decorrido a recepção no terreno.
No Facebook, a UCID alimenta várias páginas. Uma do presidente António Monteiro e outra do próprio partido, por exemplo. Nelas se faz a comunicação nacional. Cada círculo eleitoral tem ainda a sua própria página, onde se faz a comunicação a nível local. Monteiro e o partido também alimentam páginas no Instagram, para além do site oficial da UCID.
No que toca ao orçamento, Anilton Andrade não avança os valores, pois diz que “a comunicação digital é dinâmica e em função do feedback acaba por sofrer alterações”. Entretanto, garante, “trata-se de um valor irrisório em relação aos adversários”.
Janira tem a página mais seguida
O PAICV regozija-se por ter a página mais seguida em Cabo Verde entre as figuras políticas – mais de 52 mil seguidores – o que, segundo o responsável pela campanha digital, tem permitido levar a mensagem a um expressivo número de pessoas.
Luís Burgo vê a transição parcial para a campanha digital com sendo muito satisfatória, apesar de não negligenciar o peso da campanha tradicional. Como refere, a candidatura está no Facebook, no Youtube, em newsletter e no Linkedin. “Tudo isso nos aproxima, enquanto um país constituído por ilhas. No digital pode-se estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo, incluindo na diáspora”, aponta.
A campanha eleitoral do PAICV nas redes sociais começou desde Janeiro, com um programa semanal denominado “Fim di tardi ku Janira”, em que todas as semanas a candidata recebia entre dois a quatro convidados para falar sobre temas diversos.
“Para além disso temos uma “live” semanal onde a presidente do partido interage com os seguidores, apenas para desejar uma boa semana e que se tornou a rubrica com mais engajamento”, apontou Luís Burgo.
Com orçamento “confidencial”, Burgo avança apenas que hoje em dia investe-se muito menos na televisão, por exemplo, graças às ferramentas que o digital oferece.
Apesar dos esforços, até ao fecho desta edição não nos foi possível obter informações junto da direcção de campanha do MpD, que é uma das candidaturas que mais tem apostado na comunicação digital durante a campanha eleitoral, em várias plataformas. Fora isso, o partido no governo é o que apresenta mais outdoors, havendo lugares em que o predomínio da imagem do seu líder, Ulisses Correia e Silva, predomina
Mais interação e mais liberdade
Ambos especialistas em marketing digital, Anilton Andrade e Luís Burgo são o espelho da nova comunicação que os partidos políticos são, hoje em dia, obrigados a recorrer para captar a atenção e a empatia dos eleitores. Diante de um eleitorado jovem e conectado o tempo todo nas redes sociais, os dois especialistas não têm dúvida que este é um tempo que veio para ficar.
“O eleitor consegue exprimir, por vezes até atrás de um perfil falso, os seus pensamentos, emoções e frustrações. Tem maior liberdade de expressão”, explica Anilton Andrade, xxx, xxx anos.
Luís Burgo, 34, pós-graduado em marketing e publicidade entende que “uma coisa é ter alguém na sua frente pedir o seu foto, e outra e estar completamente à vontade no digital, onde por ser totalmente sincero sem nenhuma consequência”.
E é com base neste tipo de percepção que os partidos políticos procuram actuar, independentemente dos recursos que cada um possa ter ou não.
O que dizem os números?
Das páginas dos líderes dos partidos na rede social Facebook, a de “Janira Hopffer Almada – Presidente do PAICV”, é a que mais seguidores agrega, com 52.415 pessoas a acompanharem os seus conteúdos. A seguir está Ulisses Correia e Silva, do MpD, com 33.355 seguidores, e por último António Monteiro, da UCID, com 8.793.
No Instagram, PAICV e MpD estão mais próximos do equilíbrio, com 2740 e 2790 seguidores, respectivamente, enquanto que a UCID agrega 583.
(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 711, de 15 de Abril00 de 2021)