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Política

Legislativas: Desigualdade financeira faz a diferença na hora de conquistar eleitores

Sem dinheiro é impossível para os partidos investir em outdoors, especialistas de comunicação e marketing digital, bonés, t-shirts, máscaras faciais a condizer e até financiar viagens pelas ilhas. O poder financeiro entre os partidos acaba por fazer toda a diferença na hora de conquistar o eleitorado. Chega a mais eleitores quem tem mais dinheiro. Essa é a realidade que alguns contestam.

Contenção é palavra de ordem de todos os partidos políticos na corrida às legislativas do próximo dia 18, dada a conjuntura económica criada pela pandemia da covid-19.

Mesmo assim, um breve olhar ao movimento de uns e outros, e aos recursos à propaganda e publicidade nas ruas, nas redes sociais, e em vários sites, não passa despercebido o fenómeno da circulação de dinheiro.

Dinheiro esse tido como necessário, para fazer mover a máquina eleitoral, e que é facilmente percetível, especialmente nos dois partidos com maior representação parlamentar: o MpD, que busca  manter-se no governo, e o PAICV, que procura regressar ao poder depois de cinco anos de oposição.

Juntas, essas duas formações mobilizam orçamentos de campanha largamente superiores aos outros três partidos que estão na corrida aos 72 assentos da Assembleia Nacional – UCID, PP, PSD e PTS.

Enquanto o MpD tem um orçamento que ronda os 95 mil contos, o PAICV vai gastar “muito abaixo” dos 110 mil contos que investiu nas legislativas de 2016, enquanto a UCID tem um orçamento de 14,5 mil contos.

Na contramão, ou a jogar na liga dos mais pobres, os restantes concorrentes dizem que nem sequer têm um orçamento fixo previsto para a campanha em curso.

Isto, pese embora o Partido do Trabalho e Solidariedade (PTS) estime gastar, qualquer coisa, como 50 contos, enquanto o Partido Popular (PP) e o Partido Social Democrata (PSD) não avançam valores ou estimativas.

Essencial para alimentar “máquina”

Mas, o certo é que para olear e alimentar as “máquinas” de campanha, garantir o voto dos eleitores e “atrair” os indecisos, os partidos políticos são obrigados a recorrer a estratégias de marketing político, especialmente agora com a crise pandémica, onde os tempos de antena e outras acções nas redes sociais são cruciais para se chegar ao maior número de eleitores.

A esses “investimentos”, acrescem os valores gastos em t-shirts, bonés e outros brindes, a produção de tempos de antena e ainda de vídeos para passar nas redes sociais, tidas como as novas ferramentas para conquistar o eleitorado.

Isto sem contar com as deslocações pelas ilhas fora em comícios e contactos porta-a-porta, e carros de som, que movimentam grandes comitivas. Tudo isto custa dinheiro, e muito.

Dinheiro esse que é criticado por muitos, especialmente em tempo de crise pandémica mundial, mas também, sobretudo, porque parte desse recurso sai do bolso dos contribuintes, através da subvenção do Estado. Isto no caso dos partidos com assento parlamentar, PAICV, MpD e UCID, que recebem uma subvenção anual, em função da representação de cada um na “casa do povo”.

750 escudos por cada voto

Além dessa subvenção, do Estado, esses três partidos vão receber ainda 750 escudos por cada voto a favor depositado nas urnas a 18 de Abril.

Mais uma vez, esse dinheiro também irá sair dos cofres do Estado, e que, na maioria dos casos, como iremos perceber ao longo desta reportagem, servirá para cobrir parte da contração dos empréstimos bancários a que estes partidos recorrem para fazerem face às despesas de campanha.

Um ciclo “vicioso” em que os principais partidos entram, endividando-se, cada vez mais, após os embates eleitorais. Já os outros três partidos, o PSD, o PTS e PP apenas irão beneficiar dos 750 escudos, por cada voto que conseguirem arrecadar no dia das eleições.

Financiamento, o que diz a lei?

O artigo 124 do Código Eleitoral é claro quanto ao financiamento das campanhas eleitorais. Prevê a contração de empréstimo bancário junto das instituições nacionais, a contribuição de candidatos, donativos de eleitores domiciliados no estrangeiro e também de pessoas colectivas ou singulares nacionais, residentes no país. Isto além da subvenção do Estado e da própria contribuição dos partidos políticos.

Porém, não é de hoje que vem a público suspeitas de dinheiro não justificado ou não declarado, associado à lavagem de capitais, que é canalizado para as campanhas, inclusive para a compra de votos, como alguns partidos chegam mesmo a denunciar. 

De notar que, só depois de os partidos apresentarem as suas contas na CNE e passarem o crivo dessa instituição é que depois são ressarcidos conforme os votos obtidos. 

MpD com orçamento de 95 mil contos

O MpD, partido que luta agora pela manutenção no governo, tem um orçamento de campanha para estas legislativas de 95 mil contos, um orçamento “mais conservador” em relação ao gasto em 2016, segundo avançou Paulo Veiga ao A NAÇÃO. 

Conforme essa fonte, dos 95 mil contos disponíveis para esta campanha, cerca de 85 mil foi contraído junto da banca e os restantes 10 mil contos mobilizados através dos “recursos do partido, obtidos através de cotização dos militantes e de  doações”.

Ainda a mesma fonte, 50% da verba está a ser canalizada para material de campanha, 25% para gastos de comunicação, 10% deslocações dos candidatos e 15% logística.

O MpD tem ainda uma equipa a trabalhar só nas redes sociais, mas que está integrada “dentro da nossa equipa de comunicação”. 

PAICV vai gastar “muito menos” que em 2016

A campanha do PAICV para as legislativas é financiada essencialmente com recurso ao crédito bancário, mas também pelos donativos de militantes e simpatizantes e contribuição de candidatos.

Segundo Fernando Moeda, Membro da Comissão Política Nacional e do Conselho Nacional do PAICV e Coordenador Nacional das Legislativas de 2021, o orçamentado foi feito e calculado com base  numa projecção de votos e tendo em conta o montante da subvenção do Estado por cada voto validamente expresso.

“No entanto, mesmo nesse cálculo foi tida em consideração a crise económica provocada pela Covid-19, razão pela qual, mesmo nesta fase de orçamentação, houve a preocupação de poupar nos custos e introduzir elementos de contenção”.

Nesse contexto, explica que o orçamento dos tambarinas para as legislativas “é menor que o das eleições precedentes de 2011 e 2016”, até porque, como diz, não haverá grandes comícios que são, normalmente, o maior “sorvedouro de verbas”.

As acções de campanha tradicionais, a comunicação, os suportes comunicacionais e as viagens, constituem as principais rúbricas do orçamento que foi feito, como reitera, tendo em conta a crise económica e a necessidade de contenção e poupança nos custos.

Fernando Moeda, à semelhança de outros partidos, contesta o preço “exorbitante” de cada passagem, “que vem sendo praticado na decorrência da má política de transportes do ainda actual Governo”. 

Orçamento da UCID gerido com “muito rigor”

O orçamento da UCID para custear as despesas de campanha para eleições legislativas de 18 de abril de 2021 é de 14,5 mil contos.

Segundo João Luís Santos, administrador eleitoral do partido, um “valor extremamente curto” para as despesas em todos os 13 círculos eleitorais a que concorrem.

“Mas o partido vem gerindo com muito rigor o referido montante”.

À semelhança do MpD e PAICV, também a UCID recorre “normalmente” ao financiamento bancário para garantir a sua participação nas eleições.

“O crédito bancário tem sido a única via com segurança, que nos resta, para efetivarmos e honrarmos os diversos compromissos junto dos vários fornecedores de produtos e serviços para realização das eleições legislativas de 2021”, garantiu essa fonte.

O orçamento da UCID, diz, está a ser canalizado para “aluguer de sedes, impressão de materiais de propaganda e publicidade, aluguer de transporte, aluguer de equipamentos de sonorização, alimentação, água, produtos de higiene e segurança, álcool gel e máscaras faciais, compra de serviços de marketing digital, imagem e designer, despesas com pessoal, despesas com deslocação e estadia, entre outras despesas”.

As despesas acima referenciadas, contemplam todos os 13 círculos eleitorais onde o partido concorre. Contudo, por não haver grandes comícios, João Luís Santos diz que isso não significa que haja menos custos, ou seja, poupanças, e explica porquê:

“O investimento nas redes sociais, marketing digital e imagem, bem como nos equipamentos de sonorização, aumentaram significativamente”.

“Naturalmente”, tendo em conta a crise que assola o país por causa da Covid-19, a UCID garante que o partido terá que se “pautar por alguma contenção e rigor na gestão dos parcos recursos que conseguimos com recurso ao crédito bancário”.

Amândio Barbosa Vicente, PP: “O voto tornou-se uma mercadoria em Cabo Verde”

Amândio Barbosa Vicente, líder do PP e cabeça de lista por Santiago Sul, não esconde a frustração de não ter verba disponível para a campanha.

Mas garante, mesmo assim, que o seu partido vai à luta com os meios que dispõe para conquistar a confiança do eleitorado nos seis círculos onde concorre: Santiago Sul, Santiago Norte, Boa Vista, Américas, África, Europa e Resto do Mundo.

Nesta que é a segunda experiência do PP na corrida aos assentos do Parlamento, Amândio Vicente lamenta que o dinheiro que o partido ganhou com os quase cerca de quatro mil votos, nas autárquicas, não tenha sido disponibilizado a tempo da campanha para as legislativas.

“Temos a receber mais ou menos 500 contos dos votos das autárquicas, que dariam para ajudar nesta campanha. A lei estipula que os partidos devem receber o seu valor dentro do prazo de seis meses, mas até agora não pagaram nada”, lamenta o candidato popular.

Sem apoios, o PP conta com recursos próprios para fazer a campanha que pode, privilegiando o porta a porta e as redes sociais.

“Saímos à rua sem gastar nada. Os nossos militantes são pobres, não podem ajudar. Tínhamos previsto alugar um carro de som, mas o dinheiro não caiu como estávamos à espera…”

Questionado sobre a importância do dinheiro para se ter meios na hora de fazer campanha e poder chegar ao maior número de eleitorado, o líder do PP diz estar ciente disso mas lamenta que quem tem dinheiro o use para a compra de votos. “O voto tornou-se uma mercadoria em Cabo Verde”.

PTS conta gastar até 50 contos

Também o PTS está na rua, lutando para alcançar um assento no Parlamento, sem ter os meios financeiros desejáveis.

“O PTS não tem orçamento de campanha. Não temos financiamentos. A campanha é feita com os nossos próprios recursos e com recurso a alguns donativos de 10, 20 ou 30 contos que alguns emigrantes enviam”, disse Cláudio Sousa, presidente interino do partido ao A NAÇÃO. 

“É uma luta desigual. Os outros têm milhões de escudos e nós, sem recursos financeiros, não conseguimos ter o mesmo alcance”, lamenta.

Para  esse candidato, cabeça-de-lista por Santiago Norte, o resultado das eleições não traduz as propostas, nem a plataforma de um partido, mas sim o poder financeiro de cada um.

“Ganha o partido que tem mais dinheiro, para chegar a mais eleitores. O dinheiro é que mobiliza mais votos”, contesta.

Sousa fala ainda em dinheiro duvidoso no que toca a financiamento de campanha e prevê que, tal como aconteceu nas autárquicas do ano passado, também venha a existir “compra de votos nas legislativas”.

“A compra de votos é grave para a democracia”, lamentou.

Quanto ao merchandising, como não tem financiamento, o PTS não tem shirts para oferecer “a toda a gente”, mas aposta em “todos os meios disponíveis” ao seu alcance para fazer campanha, especialmente no porta-a-porta e redes sociais. Este último, diz, “tem um grande impacto”.

Sem dinheiro para carro de som “para fazer propaganda”, o contacto directo com o eleitorado e os lives no Facebook são alguns dos meios utilizados por  este partido, encabeçado por jovens, para convencer o eleitorado que é a altura de dar uma “oportunidade” a outros partidos.

O orçamento do PTS não deve fugir muito dos 50 contos, enquanto, como afirma Cláudio Sousa, há partidos que têm 50 mil contos para gastar, sendo por isso uma luta “desigual”. 

José Rui Além, PSD: “Só no fim saberemos quanto gastámos”

Sem orçamento delineado, o PSD mostra-se também revoltado quanto às desigualdades financeiras entre os partidos.

“Ainda não sabemos qual é o nosso orçamento de despesas de campanha, porque a campanha ainda não terminou. Só no fim saberemos o que gastámos”, diz José Rui Além.

À semelhança do que vem reiterando na imprensa, aquele candidato mostra-se revoltado, em termos das oportunidades de visibilidade do partido gerido pelo pai, João Além, com o que diz ser uma “derrota” devido “às acções CNE e TCV”, referindo-se em concreto, à não participação no primeiro debate televisivo, entre todos os partidos no dia 21 de Março. 

A não participação nesse primeiro debate, diz José Rui Além, levou à não efectivação de algumas “promessas concretas” de apoios “financeiros, humanos e materiais” que haviam sido feitos ao partido, para colocar a máquina de campanha a funcionar. “Isso prejudicou bastante o PTS, porque as pessoas deixaram de acreditar”.

José Rui Além fala em “perseguição” de ideias políticas e diz que vai apresentar queixa no Tribunal Penal Internacional.

Quanto à campanha, garante que a aposta tem sido no porta-a-porta, “dentro do possível”, porque “quem não tem cão, caça com gato”, referindo-se à falta de verbas.

José Rui Além explica ainda que o seu partido é contra a distribuição de t.shirts, porque isso é como “marcar alguém”, como “acontecia na escravatura”, porque o seu partido, PSD, é “pela liberdade”.

(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 710, de 08 de Abril de 2021)

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