PUB

Economia

Mais um avião retido na Islândia: Icelandair volta a puxar o tapete ao Governo

Um dos dois aviões da TACV/CVA que ainda estavam em Miami (EUA), e que devia ter chegado a Cabo Verde no passado dia 13 deste mês, mesmo em cima da data de perder o certificado de aeronavegabilidade, está retido na Islândia. A ameaça de Ulisses Correia e Silva de nacionalizar o que resta da companhia aérea de bandeira caiu mal junto do parceiro islandês. Amuos à parte, o Governo deverá injectar mais 30 milhões de euros na companhia até Julho.

O plano de voos previsto para Abril, e que contemplava essencialmente as rotas Sal/Lisboa e Praia/Lisboa, de modo a retomar os voos da TACV, foi cancelado esta semana.

Essa suspensão decorre do facto de o aparelho da Icelandair, que se encontrava em Miami (EUA), ter rumado para Islândia, em vez da ilha do Sal, como estava previsto. 

Este é o segundo aparelho boeing 757, dos três que a TACV/CVA detinha, a ficar na posse do parceiro islandês, gorando as expectativas do Governo para uma retomada das operações, de modo a salvar a face neste período eleitoral em que o dossiê vai estar na berlinda.

O primeiro avião, conforme havia noticiado o A NAÇÃO, foi devolvido a 18 de Dezembro. Agora, em Miami, só resta uma aeronave ainda afecta à TACV/CVA, um número bem inferior aos 11 aviões prometidos pelo Executivo de Ulisses Correia e Silva no início deste mandato, em vias de terminar.

Avião “desviado” para Islândia

Segundo fontes do A NAÇÃO, um mecânico e três pilotos, incluindo o director de voo, Nilton Lobo, tinham deixado Cabo Verde com indicações claras para irem buscar uma das duas aeronaves estacionadas em Miami, e trazê-la para Cabo Verde, ainda dentro do prazo da licença de aeronavegabilidade da AAC, que expirava às 24h do dia 13 de Março.

“O plano de voo era para o aparelho chegar a Cabo Verde às 18h do dia 13”, esclarece uma dessas fontes.

Em Miami, porém, os planos de voos foram trocados e a tripulação recebeu a indicação para levar a aeronave para Islândia, num voo “cargueiro” com peças para a Icelandair, voo esse que aconteceu a 12 de Março.

A tripulação chegou na segunda-feira passada, 22, a Cabo Verde, mas sem avião.

No entanto, segundo a mesma fonte, se houvesse “vontade”, o aparelho ainda tinha tempo de chegar a Cabo Verde dentro do prazo estabelecido da licença. “Mas os islandeses não deixaram a aeronave sair”.

Com isso, como avança o nosso interlocutor, a situação “complicou-se e os gastos também”. É que para renovar o certificado de navegabilidade da AAC, uma equipa de técnicos dessa agência terá de se deslocar à Islândia para “certificar” novamente a aeronave. “Isso traz mais custos. Quem irá pagar?”, questiona.

Trunfo, até quando?

Até agora, o trunfo da Icelandair junto do Governo tem sido as aeronaves, mas, segundo um dos interlocutores deste jornal, as últimas declarações públicas do Primeiro-ministro, de que, se necessário, o Governo poderá “nacionalizar” a TACV, de novo, podem não ter caído nas graças dos islandeses.

“Se tiverem aviões cá e o Governo nacionalizar a companhia, só podem levar os aviões com a autorização do Estado… Como fica a situação deles?”, questiona. “Ou seja, em vez de se resolver, a situação complicou-se ainda mais”.

Isto depois de em finais de Fevereiro o Governo der tido que tinha chegado “acordo” com a administração da TACV/CVA para “salvar” a companhia. Acordo esse que, perante o quadro acima descrito, pode não estar em vias de ser assinado tão em breve, como os governantes fizeram crer em Fevereiro. 

Mais 30 milhões de euros a caminho

Os sindicatos ligados à TACV/CVA e o ministro Carlos Santos, tutela dos transportes, estiveram reunidos há três dias para quebrar mais algumas pedras nesse longo e intrincado dossiê.

Questionado por este semanário, Paulo Lima, presidente do Sindicato Nacional de Pilotos da Aviação Civil (SNPAC), avançou que durante o encontro foram feitas as habituais “promessas de continuidade da companhia”.

E, uma vez mais, o ministro explicou que pode estar em curso uma possível mudança de frota, mas só para “Novembro”, uma negociação que está em curso com o maior accionista da empresa e actual dono das aeronaves que compunham a frota da companhia, a Icelandair.

Lima garante que o ministro reiterou o que foi dito por Ulisses, que “se houver necessidade vão nacionalizar a companhia”.

A tutela avançou ainda aos sindicatos a garantia de uma nova injecção de capital na companhia, de 30 milhões euros, até Julho, para viabilizar a operacionalidade e que as dívidas com os credores foram reduzidas em cerca de 90%, evitando assim os tribunais.

“Estamos à espera que as coisas aconteçam”, diz Paulo Lima, garantindo que todos os funcionários da companhia, “não só os pilotos”, estão expectantes com a retoma e que, “independentemente de quem ganhar as eleições”, que “tenha em conta a continuação da companhia e a situação dos trabalhadores”.

A TACV, salienta, “é importante para o país e dinamiza vários outros sectores, não pode cair”.

Tendo em conta o desconfinamento que está acontecer em várias paragens, devido à vacinação, esse sindicalista diz que é chegada a “hora” da companhia apresentar um plano de retoma.

Sabe o A Nação que a TACV/CVA vai ser auditada pela IATA em Agosto deste ano. 

SNPAC espera paz laboral

Paulo Lima, presidente do Sindicato Nacional de Pilotos da Aviação Civil (SNPAC), espera que as várias questões laborais relativas à TACV/CVA fiquem sanadas com a entrada de um novo Conselho de Administração  (CA) dessa transportadora aérea, proposto pelo Governo e que disso possa resultar a “paz laboral”, coisa que não houve até agora com o actual CA.

“Temos questões laborais em cima da mesa com a administração desde o início das operações no Sal. Desde então, a relação dos trabalhadores com a administração foi sempre abalada. Todos os meses, o sindicato tem de intervir em defesa dos seus membros, o que é desgastante. A administração fez coisas para beneficiar um grupo de pessoas, o que afectou o desenvolvimento da companhia”, acusa.

O sindicalista congratula-se com a decisão de um novo conselho de administração anunciado, e questionado sobre o nome de Sara Pires para integrar esse conselho, é realista quanto ao interesse daquilo que é o melhor para a companhia, respondeu:

“O sector da aviação civil é exigente e caro. O ideal é que sejam pessoas que conheçam realmente a aviação e com ‘know how’, que intendam no assunto”.

Contudo, acredita que essa indigitação possa ser uma decisão mais “política”, para “poderem contrabalançar as decisões administrativas”. 

Os avales da discórdia

Com as garantias do Governo de continuar a financiar a TACV/CVA, para a sua operacionalização, mesmo estando privatizada, só este ano, o Executivo autorizou dois avales. Um no valor de cerca de 110 mil contos e outro de 440 mil, havendo já promessas de novas injecções de capital, para “salvar” a companhia aérea cabo-verdiana.

Tanto assim é que a polémica dos avales à TACV/CVA aqueceu, inclusive, o primeiro debate das legislativas 2021, com Ulisses Correia e Silva e Janira Hopffer Almada a divergirem quanto aos valores concedidos.

Segundo disse JHA, desde que tomou posse, em 2016, o actual Governo já  concedeu 13 milhões de contos, contrariando as promessas da altura de UCS de que o seu governo não ia injectar mais dinheiro na companhia.

“A promessa de não se colocar mais um tostão na TACV/CVA foi em 2018, aquando da assinatura do acordo de privatização. Portanto, teve dois anos para conhecer a casa, fazer as contas e, mesmo assim, prometeu e não cumpriu”, disse. 

Já UCS, rebate dizendo que não foram atribuídos 13 milhões, mas sim 9 milhões, porque “está-se a somar avales do tempo do PAICV”.

O mesmo garantiu no debate que não vai “deixar colapsar a companhia porque é importante de mais”, para o país, porque são 330 postos de trabalho em causa e uma “história acumulada”.

Posição diferente tem o Partido Popular (PP). Amândio Barbosa Vicente diz que, se fosse eleito, salvaria a TACV/CVA a nível “interno”, mas que em termos de voos internacionais deixaria a empresa “cair”, porque é uma “drenagem de dinheiro público” e que a questão dos transportes aéreos tem sido um exemplo da “má gestão da coisa pública”.

Já o líder da UCID, António Monteiro, apontou o dedo aos governos do PAICV e do MPD.

“Ambos os governos pecaram e não tinham solução para esta questão. Estamos a falar de uma companhia com três aviões. O governo falhou redondamente. Primeiro com a privatização, depois com sucessivos avales para uma companhia com três aviões”, explicou. 

TACV/CVA – avales do actual Estado

Ano      Montante

2016 –   3 milhões de contos
2017 –   4,6 milhões de contos
2018  –  550 mil contos
2019  –  2,6 milhões de contos
2020 –  1,2 milhões de contos
2021 –    440 mil contos + 110 mil contos (ambos Fevereiro)

* Mais 30 milhões de euros previstos até Julho deste ano.

(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 708, de 25 de Março de 2021)

PUB

PUB

PUB

To Top