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Economia

Dívida pública fora do controlo

A dívida pública de Cabo Verde não pára de aumentar, situando-se já fora dos limites prudenciais mais importantes. Dados apurados pelo A NAÇÃO apontam para um valor global de 281,5 milhões de contos, o que corresponde a 162% do PIB do ano passado. E é bem provável que neste momento o quadro seja ainda muito mais grave.

Os números falam porsi, a situação da dívida pública nacional encontra-se fora dos limites prudenciais tidos como aceitáveis.

De Setembro do ano passado a este mês de Março, a situação deteriorou-se ainda mais, reforçando a situação de Cabo Verde na lista dos países mais endividados do mundo, com tudo que isso tem de mau: exposto a um conjunto vasto de riscos, um dos quais o factor “risco soberano”.

Recurso à dívida interna  através do INPS

Aliás, reflexo ou sintoma do acima exposto, o Governo tem vindo a recorrer, cada vez mais, à dívida interna, em particular através dos recursos do INPS, como referido no número anterior do A NAÇÃO e que não mereceu qualquer reacção dos visados.   

De acordo com analistas consultados por este jornal, da análise dos indicadores de vulnerabilidade externa e a avaliação da sustentabilidade da dívida pública, tidos como cruciais para um exame consistente da política macroeconómica de qualquer país, a situação cabo-verdiana não é de todo nada recomendável.

Isto porque, de acordo com os dados oficiais disponíveis, a 31 de Dezembro de 2015, a dívida pública nacional ascendia a quase 200 milhões de contos, o que correspondia a cerca de 126% do Produto Interno Bruto (PIB).

Desse rácio, 97% era dívida externa obtida em condições alegadamente muito favoráveis, e 29% era dívida interna contraída em condições menos favoráveis então existentes no mercado financeiro nacional.

Pese embora o seu elevado grau de concessionalidade, a análise da sustentabilidade da dívida sugere, relativamente aos dados disponíveis e referentes a 2015, que a probabilidade de incumprimento pelo Estado tinha aumentado face aos anos anteriores.

Isto atendendo aos desafios impostos pela graduação de Cabo Verde a país de rendimento médio, aos limites ao aumento das receitas fiscais para fazer face ao serviço da dívida, bem como à magnitude das despesas de funcionamento obrigatórias.

No entanto, segundo essa mesma análise, a dívida, então existente, era sustentável no longo prazo, conforme chegou a ser dito reiteradas vezes, particularmente, pela ministra das Finanças, Cristina Duarte, sempre contestada pelo maior partido da oposição, em especial por duas figuras hoje do governo: Olavo Correia e Fernando Elísio Freire.

Dívida pública aumentou de 200 milhões de contos para 266,5 milhões

Ao contrário do prometido pelo MpD ao chegar ao governo, de 2016 a 2020, o aumento do nível de endividamento, juntamente com a mudança para fontes de financiamento mais baseadas no mercado interno (muito mais caras), aumentaram substancialmente as vulnerabilidades da dívida pública cabo-verdiana.

Segundo consta do Boletim de Indicadores Económicos e Financeiros do Banco de Cabo Verde (BCV), publicado em Novembro de 2020, com o aumento das necessidades de financiamento, o stock da dívida pública (incluindo os passivos contratados junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) no quadro do Rapid Credit Facility), aumentou cerca de 11.985 milhões de contos nos primeiros nove meses do ano passado.

Neste quadro, incluindo os títulos consolidados de mobilização financeira (TCMF’s) cujas contrapartidas foram transferidas para o Fundo Soberano, a dívida pública passou a totalizar 266,5 milhões de contos a 30 de Setembro de 2020.

Admitindo, entretanto (e tal qual o Governo já o fez), que, em 2020, houve uma contracção do PIB, que poderá atingir os 11%, no terceiro trimestre do ano passado o rácio entre a dívida pública (DP) e o PIB estimado de 2020 já ultrapassava 153%.

Alteração profunda da estrutura da  dívida

Desse rácio, 105% era dívida externa e 48% era dívida interna. Isto significa que houve uma alteração profunda na composição da estrutura da dívida pública, privilegiando a componente interna, que é, em média, cerca de quatro vezes mais cara e com condições menos favoráveis face à componente externa.

No entanto, para agravar ainda mais o quadro já por si preocupante, houve necessidade de mais endividamento no quarto trimestre de 2020, pelo que terá havido, muito provavelmente, um aumento do rácio DP/PIB a 31 de Dezembro de 2020.

Montantes não contabilizados

Note-se que nesta matemática o rácio de 153% adoptado pelo Governo não considera o valor do stock de garantias e avales do Estado às empresas (públicas e privadas) e às Câmaras Municipais, que no terceiro trimestre de 2020 já rondava os 15 milhões de contos, segundo dados oficiais constantes do Relatório de Execução de Dívida Pública com referência a 30 de Setembro, publicado pelo Ministério das Finanças.

Com o aproximar das eleições legislativas, o Governo tem vindo a lançar vários perdões de divida, nomeadamente dos consumidores à Electra e à AdS (electricidade e água), entre outras tantas medidas, alegadamente sociais, tendentes a agravar as contas do Estado. 

O certo é que as boas práticas internacionais recomendam que as responsabilidades contingentes sejam consideradas no perímetro da dívida pública. A razão para isso tem a ver com o facto de estarem associadas a passivos do sector empresarial do Estado e de empresas privadas com algum interesse público, bem como a passivos dos municípios enquanto entes públicos. Adicionalmente, a concessão de garantias e avales por parte do Estado a sociedades financeiras, para certos tipos de empréstimos concedidos, particularmente no contexto da actual crise pandémica, contribui também para um nível de responsabilidades contingentes em Cabo Verde muito mais elevado do que oficialmente apresentado.

No entanto, considerando apenas os passivos contingentes oficiais referentes ao terceiro trimestre de 2020, o stock total da dívida pública ascendia, nessa data (30 de Setembro), a 281,5 milhões de contos, o que corresponde a um rácio DP/PIB de mais de 162%.

Embora não tenham sido ainda publicados dados mais actualizados, tudo indica que, nesta data (Março de 2021), o rácio DP/PIB já tenha ultrapassado, de longe, os 162% acima referidos, considerando não só o aumento das necessidades de financiamento do Estado decorrentes da pandemia de Covid-19, mas também o montante total dos avales do Estado.

Neste caso, apenas aos TACV, os avales do Estado já passaram de cerca de 2,4 milhões de contos (terceiro trimestre de 2020), para cerca de 15 milhões de contos neste mês de Março de 2021, conforme referido na comunicação social. 

Dívida cada vez mais galopante

De 2015 a 2020, a dívida pública cabo-verdiana aumentou de forma considerável e preocupante, apesar dos discursos em sentido contrário do ministro das Finanças, Olavo Correia.

Tanto em termos absolutos como em termos relativos, esse indicador passou de pouco menos de 200 milhões de contos (em 2015) para mais de 281,5 milhões de contos, ou seja, de cerca de 126%, agora para um rácio que poderá já ter ultrapassado 162% do PIB, perigando o acordo de convertibilidade cambial (ver “Sobrecarga da dívida interna coloca em risco a paridade fixa com o euro”).

Com este nível de endividamento público, Cabo Verde passou a integrar o não recomendável clube de países cujo rácio entre a dívida pública e o PIB é igual ou superior a 150%.

Mais do que nunca, os títulos de dividida pública do país estão na categoria de “lixo”, conforme a linguagem das agências de rating internacional.

Como é dos manuais, uma dívida pública alta pode ter um efeito negativo sobre a actividade económica ao exigir elevados impostos para financiá-la, o que acaba por ditar uma subida nas taxas de juro e, consequentemente, prejudicando os investimentos privados e a vida das famílias.

Se o Governo não consegue financiar o seu défice, medidas como um corte de despesas públicas ou um aumento nos impostos devem ser realizadas para equilibrar novamente o orçamento fiscal.

Caso essas medidas não sejam colocadas em prática, o Governo provavelmente enfrentará uma crise da dívida, que o levará a inflacionar a economia ou aplicar um “default”.

Na prática, quando um país gasta a maior parte das suas receitas com o serviço da dívida, sobram menos recursos para a educação, saúde e serviços essenciais para a sua população, o que faz parar o progresso.

Diante dos factos – deixamos esta pergunta – não estará Cabo Verde a caminhar em direcção a um programa de ajustamento estrutural do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional?

Como se sabe, com esse tipo de programa de ajustamento não há “ganho sem dor”, portanto, situação bem diferente do “dinheiro que nunca mais acaba”, de Olavo Correia, coisa que não existe em país algum do mundo, na medida em que o dinheiro acaba sim quando mal empregue.

(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 707, de 18 de Março de 2021)

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