O braço de ferro entre a TICV e a AAC foi resolvido graças à intervenção do Governo, que mediou o conflito entre as partes, para evitar a paralisação das ligações áreas domésticas. Em causa estava a nomeação do director de operações de terra dessa companhia aérea, que a autoridade aeronáutica considera não reunir os requisitos para o desempenho do cargo.
Conforme o apurado pelo A NAÇÃO, o pomo da discórdia estava na nomeação de Edson Santos para o cargo de responsável pelas operações de terra dos Transportes Inter-ilhas de Cabo Verde (TICV).
A Agência de Aviação Civil (AAC) fazia finca-pé na necessidade da substituição, por considerar que o mesmo não reunia todos os requisitos legais para desempenhar essas funções.
AAC exige substituição do responsável pelas operações de terra
Leitura diferente tinha a TICV que fazia finca-pé no sentido da manutenção desse jovem quadro cabo-verdiano, que tem apenas três anos de experiência como responsável pelas operações de terra, enquanto a ACC exigia a indigitação de um quadro com pelo menos cinco anos de experiência no sector da aviação civil
Nesse braço de ferro, a TICV, numa espécie de chantagem, decidiu suspender a sua programação para o mês de Abril, tendo recuado na sua decisão após a intervenção do Governo e do impacto negativo dessa decisão junto dos cabo-verdianos.
A solução foi encontrar uma pessoa para assumir esse cargo, com Edson Santos a passar para o papel de adjunto.
Numa nota endereçada a Luís Quinta, administrador responsável da TICV, de 21 de Janeiro, que A NAÇÃO teve acesso, a AAC alertou à referida companhia aérea que “a manutenção da situação actual de continuidade do sr. Edson Santos na posição de substituto do responsável pelas operações de terra, significa continuar em incumprimento com o parágrafo 3.4.4 da Directiva Nº 01/OPS/18, tal como apontado na nossa nota anterior, o que requer regularização”.
A AAC considerou ainda que a proposta apresentada sobre a disponibilidade intermitente do actual responsável pelas operações de terra, David Baso, “não satisfaz, uma vez que incumpre com o parágrafo (c) da subsecção 9.B.210 do CV-CAR 9”.
Assim, para repor a legalidade, a instituição que regula a aviação civil em Cabo Verde solicitou à TICV, que, “no prazo anteriormente indicado” providenciasse a correção da posição do substituto do responsável pelas operações de terra, “sob pena de serem aplicadas medidas apontadas na nossa nota anterior. A NAÇÃO não conseguiu saber que medidas são essas.
Contudo, a AAC regozijava-se com a aprovação “recentemente” do responsável de treino da tripulação, bem como do responsável das operações de voo, “e por sinal sendo cabo-verdianos”. Ressalvou ainda que tal aprovação “aconteceu porque cumpriram integralmente os requisitos do CV/CAR 9 e da Directiva Nº 01/OPS/18”.
TICV consternado com reparo da AAC
Também numa nota que A NAÇÃO teve acesso, a TICV mostrou-se consternada com o reparo da AAC “do nosso erro conjunto”, sobre a nomeação e aceitação do Deputy DOT.
“Realmente a aprovação do Sr. Edson Santos como deputy DOT fez parte dos nossos planos de apostar em jovens cabo-verdianos promissores”, afirmou a administração dessa companhia aérea, realçando que Edson Santos “tem vindo a cumprir com distinção a sua função de deputy, especialmente desde a pandemia, onde fomos a única companhia em Cabo Verde a funcionar e a assegurar com sucesso os serviços essenciais”.
“Seria muito estranho e mesmo invulgar, agora mais de dois anos depois, especialmente depois dos últimos 10 difíceis meses, estar a dizer, que afinal o sr. Edson Santos não tem condições para ser deputy. Tão Pouco acredito que fique bem as nossas duas representadas este cenário”, enfatizou a administração da TICV.
Na mesma nota, a TICV recorda que a actual situação do sector da aviação em Cabo Verde “não é muito diferente do resto do mundo”, e recorda que “sofremos uma redução de mais de 70% das nossas receitas que, infelizmente, não foram acompanhadas por uma redução significativa de custos”.
A TICV considera ainda que, nesse quadro, “claramente não temos possibilidade de suportar contraordenações, qualquer que seja o valor, nem estar a contratar mais duas pessoas para vagas que já temos preenchidas, com bons e competentes profissionais”.
“Excesso de zelo” da AAC
Conforme um especialista contactado por este jornal, esta situação advém das exigências “infundadas” da reguladora que, “na verdade, só se preocupa em complicar as SARP (Práticas e Recomendações Stander) da ICAO (Organização da Aviação Civil Internacional)”.
O braço de ferro entre a AAC e a TICV, consoante a nossa fonte, só aconteceu por causa da “incoerência” da administração da AAC na interpretação dos regulamentos, “tirando proveito de uma certa subjectividade do CV-CAR (Regulamento da Aviação Civil de Cabo Verde).
“A própria reguladora muitas vezes fica refém do seu regulamento, quando convém. Mas quando há outros interesses em jogo, ela mesma ignora aquilo que está previsto nos regulamentos”.
A ICAO, segundo o nosso interlocutor, faz as recomendações com um grau de exigência suficiente para garantir uma actividade segura da aviação, mas “a AAC que vive numa galáxia isolada pega nessas recomendações e as transforma em exigências, mas de forma desajustada com as realidades de Cabo Verde, provocando o estrangulamento do sector em nome da ICAO”.
“Vejamos o seguinte: uma companhia aérea ou um profissional da aviação paga todos os custos de qualificação e certificação onde para além disso, são obrigados a pagar as despesas de viagens e ajudas de custos para os inspetores da AAC envolvidos nesses processos, custos esses implicados nas leis formuladas pela AAC.
Sem dizer que as operadoras são obrigadas a pagar os custos de formação dos Inspetores da AAC para que os mesmos possam trabalhar um dito processo de certificação”, esclarece.
A nossa fonte diz, por outro lado, que a AAC sabe que Cabo Verde não possui estruturas de formação aeronáutica e “mesmo assim cria leis que dificultam os interessados nessas áreas em criar uma escola da aviação, que não seja por ela certificada, quando ela muitas vezes não tem condições de garantir essas exigências, isso porque o mercado cabo-verdiano ainda não está a ser atrativo nessa área”.
“Isso demonstra que a AAC em vez de criar condições mínimas que garantam a operação dentro dos limites de segurança, modifica os mínimos exigidos ou recomendados pela e ICAO e sufoca o sector de forma propositada” afirma o nosso interlocutor, que considera que este cenário provocado pela administração da AAC que “só vê a aviação do lado jurídico documental”.
Tentamos ouvir a versão da AAC, através do presidente do Conselho de Administração, Abraão Lima, mas este foi logo dizendo que não tinha “nada a declarar”.
(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 708, de 25 de Março de 2021)