PUB

Economia

Fundo Soberano: Ministério das Finanças confessa venda de títulos com “condições preferenciais” para o INPS

Numa tentativa de desvirtuar a notícia do A NAÇÃO sobre o Fundo Soberano, o Ministério das Finanças acabou, através de uma “nota de esclarecimento”, por entrar em várias contradições sobre o assunto. E o mais grave: confessa ter vendido títulos consolidados ao INPS em “condições preferenciais”. Em causa estão 11 milhões de contos cujo retorno pelo instituto que gere a reforma e os cuidados de saúde dos cabo-verdianos é neste momento mais do que duvidoso. 

Através de um “esclarecimento”, de 17 de Fevereiro, publicado no seu site, o Ministério das Finanças procura desmentir o artigo do A NAÇÃO, “Fundo Soberano: INPS ‘empurrado’ para negócio ‘lesivo’ ao interesse público”, saído na edição 702, de 11 de Fevereiro. 

Nesse artigo este semanário alertava que o capital desse fundo é do Estado. 

Diz o ministério de Olavo Correia que, ao contrário do que escreve o A NAÇÃO, “não são propriedade do BCA ou do BCV, ou de qualquer outro detentor de Títulos Consolidados de Mobilização Financeira (TCMF’s), pelo que com a determinação da extinção do Trust Fund, nos termos da Lei, o Estado de Cabo Verde procedeu à alocação dos ativos líquidos do mesmo…”

A verdade é que a lei prevê, de facto, que, em caso de extinção, os recursos do Trust Fund são afectos ao Fundo Especial de Estabilização e Desenvolvimento (FEED), que nunca funcionou, mas isso no pressuposto de que o Estado resgataria os Títulos Consolidados de Mobilização Financeira (TCMF). 

Conforme um conceituado economista consultado por este semanário, ao contrário do que afirma o Ministério das Finanças na sua nota, com a dissolução do Trust Fund (TF) o Estado não é obrigado a entregar o capital do fundo offshore, mas, com a dissolução do TF, adquire uma dívida perante os detentores dos TCMF’s, neste caso, inicialmente, o Banco Comercial do Atlântico (6,5 milhões de contos) e o Banco de Cabo Verde (4,5 milhões de contos). 

Sendo assim, o Estado é obrigado a pagar cerca de 11 milhões de contos aos detentores dos TCMF’s, ou seja, àquelas duas entidades (BCA e BCV) e, se não o fizer, fica com mais uma dívida, que engrossará, ainda mais, a já por si volumosa dívida pública que neste momento caminha para cerca de 150% em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). 

É intenção do Governo liquidar essa dívida mediante uma “transação de troca futura” dos TCMF’s por Títulos Rendimento de Mobilização de Capital (TRMC) que, de acordo com a lei, são títulos perpétuos que dão direito a dividendos pagos pelo Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado. 

Com essas características, e considerando o risco do projecto, esses títulos muito dificilmente seriam aceites por investidores privados.

Na sua nota, o MF diz também que se prevê um rendimento mínimo garantido dos TRMC’s e uma amortização anual do capital através da recompra desses títulos. 

“Mas isto não está na Lei”, esclarece o nosso interlocutor, explicando que o que está na Lei do Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado é que os TRMC são “títulos perpétuos”. E, por serem perpétuos, “ao contrário daquilo que diz o Ministério das Finanças, poderão não ser reembolsáveis e nem têm rendimento mínimo garantido”.  

Acrescenta ainda a nossa fonte que, de acordo com legislação em vigor, esses mesmos títulos são remunerados com dividendos do Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado. 

INPS a funcionar como “saco azul” do Governo 

Mas, o mais estranho, e o mais grave, é a passagem do esclarecimento onde o Ministério das Finanças admite (e revela) que “o INPS negociou, com o Governo, condições preferenciais para a troca dos TCMF’s por TRMC”, com “vantagens adicionais” para o Instituto, nomeadamente: 

“Indexação dos rendimentos dos TRMCs a emitir pelo Fundo Soberano a uma taxa mínima de 3% nos termos do Decreto Regulamentar n.º 8/2018, de 20 de dezembro, que estabelece as condições de aquisição dos TCMF’s” e “Acordo de recompra anual pelo Estado de TRMC’s detidos pelo INPS”. 

Com esta confissão se comprova, na prática, que o INPS está a funcionar como o “saco azul” do Governo. 

Para todos os efeitos recorreu a esse instituto para obter avultados recursos financeiros para as necessidades do Estado, ainda que em condições, alegadamente, “preferenciais” e “vantagens adicionais” para o Instituto que gere os recursos da segurança social. 

De referir que em causa estão 11 milhões de contos cujo retorno ao INPS é mais do que duvidoso tendo em conta o pouco valor dos referidos títulos no mercado financeiro, em termos de negócio. 

Tanto assim que nem o BCA nem o BCV se mostraram dispostos a adquirir papeis do género (TRMC). Até porque, no caso do BCV, os que possui estão para ser pagos pelo Estado desde Agosto de 2018. 

Aliás, a comprovar a situação é também o MF que faz saber que o “INPS, com aplicações financeiras de rendimento nulo juntos dos bancos locais, acompanhou, desde a primeira hora, com muito interesse, as negociações de recompra de TCMFs do BCA e do BCV, atendendo à oportunidade de rentabilização dos seus fundos disponíveis num ambiente de negócio de baixa taxa dos depósitos bancários”. 

Alto risco 

De acordo com a fonte deste jornal, além de ilegal, trata-se de uma operação financeira de alto risco para o INPS. 

“O INPS corre o risco de perder o dinheiro que vai investir na compra desses títulos, porque, neste momento, não há garantia directa do Estado. Por se tratar de divida pública, o Governo não tem autorização do Parlamento para se endividar mais do que já está”. 

O nosso interlocutor continua sublinhando que esse “negócio é ilegal porque o Orçamento de Estado de 2020, nem o de 2021, tem nada inscrito para efeitos de pagamento do serviço dos títulos vendidos ao INPS. Do ponto de vista legal e transparência, esta venda de títulos ao INPS é o cúmulo dos cúmulos!”  

De referir que, nos termos da lei de bases do OE, o Estado não se pode endividar num valor superior a 3% do PIB do ano anterior, sendo que apenas o resgate dos TCMF representaria neste momento mais do dobro dessa percentagem. 

Oposição a leste da realidade 

Ao que tudo indica, diante da complexidade do problema financeiro surgido da criação do Trust Fund e do Fundo Soberano, a oposição (PAICV e UCID) anda a leste desta realidade, deixando na prática o Governo a cometer as ilegalidades que bem entender, dando-se este, inclusive, ao despudor de confessá-lo publicamente na sua nota de 17 de Fevereiro. 

(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 706, de 11 de Março de 2021)

PUB

PUB

PUB

To Top