PUB

Política

Nomeações “ilegais” no sector financeiro

Se a lei for cumprida, várias nomeações no sector financeiro, ocorridas após a marcação da data das eleições legislativas, de 18 de Abril, podem ser declaradas nulas. O caso relacionado com Miguel Monteiro para presidir a Bolsa de Valores é o mais mediático, mas há outras situações, nomeadamente a designação dos membros para gerir o recém criado Fundo Soberano. 

A nomeação do deputado Miguel Monteiro para o cargo de presidente do Conselho Executivo da Bolsa de Valores de Cabo Verde (BVC) está eivada de ilegalidades. 

A recente nomeação dos membros dos corpos sociais dessa instituição financeira, a poucos dias da data das eleições legislativas de 18 de Abril, corre o risco de ser declarada nula, nomeadamente, pela Procuradoria Geral da República.

A indigitação do antigo primeiro secretário da mesa da Assembleia Nacional e deputado do MpD, Miguel Monteiro, para chefiar a BVC foi avançada em primeira mão pelo A NAÇÃO, na sua edição de 13 Janeiro, bem como a do deputado Carlos Monteiro, também do MpD, para presidir o Parque Tecnológico. 

Com a ajuda de um jurista, A NAÇÃO compulsou os vários normativos julgados aplicáveis ao caso de Miguel Monteiro, no que tange à nomeação dos membros do Conselho de Administração, e foi possível verificar que a Lei n° 14/VIII/2012, de 11 de Julho, dispõe no 4 do seu artigo 40.º o seguinte: 

«Não pode haver nomeação de membros do Conselho de Administração depois da demissão do Governo ou da marcação de eleições para a Assembleia Nacional ou antes da aprovação da moção de confiança apresentado pelo Governo recém-nomeado”.

Por seu turno, o Estatuto do Pessoal Dirigente da Administração Pública e equiparado, aprovado pelo Decreto-lei n.º 59/2014, de 4 de Novembro, também estabelece n º 4 do seu artigo 23.º: 

“Não pode haver provimento nos cargos de direcção superior depois da demissão do Governo ou da convocação de eleições para Assembleia Nacional, nem antes da confirmação parlamentar do Governo nomeado”.

O Capítulo I do Título III do Código Eleitoral, sob epígrafe “Organização do Processo Eleitoral” estabelece no artigo 339.º, que “a marcação da data das eleições faz-se com antecedência mínima de setenta dias e ouvidos os partidos políticos registados no Tribunal Constitucional”.

Se o Ministério Público levar em linha de conta todo os articulados atrás referidos, é bem provável que a nomeação Miguel Monteiro e seus pares para a BVC venha a ser considerada ilegal. 

Contudo, é de se estar atento a uma eventual manobra no sentido de fazer crer que a Bolsa de Valores não pertence ao Sector Empresarial do Estado. Mas neste caso, o artigo 4º dos Estatutos da BVC também é claro: 

“A Bolsa, para além das disposições constantes do presente estatuto e seus regulamentos internos, rege-se pelos seguintes instrumentos legais: Código de Valores Mobiliários; Código das Empresas Comerciais; Estatuto de Gestor Público”.  

AGMVM também com nomeação ilegal

Ainda no sector financeiro, no dia 10 de Fevereiro, praticamente um mês após o Presidente da República ter anunciado a data das eleições legislativas, era designado Aricson da Cruz para desempenhar as funções de vogal no Conselho Directivo da Auditoria Geral do Mercado de Valores Mobiliários (AGMVM). 

O Decreto Presidencial que marca a data das eleições legislativas é de 14 de Janeiro, mas o anúncio foi feito no dia 12 do mesmo mês e essa designação aconteceu um mês depois. 

Contudo, a AGMVM é uma entidade reguladora independente e, partindo desse pressuposto, a nomeação de Aricson da Cruz é também ilegal.

 Neste caso, nos termos do nº 4 do artigo 42º da Lei que regula as entidades reguladoras independentes, alterada pela Lei nº 103/VIII/2016, diz que a partir da data da marcação das eleições legislativas não se nomeia ninguém para exercer cargos de entidades reguladoras independentes. 

Fundo Soberano 

Como se não bastasse, há também o caso dos membros dos corpos sociais do Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado, recentemente criado por empenho particular do ministro Olavo Correia. Os referidos gestores foram nomeados a 12 de Janeiro, precisamente no dia em que o Chefe de Estado anunciou a data para as eleições legislativas, marcadas para 18 de Abril. 

Independentemente disso, há também a situação de clara ilegalidade de João Fidalgo e Soeli Santos, dois funcionários do Banco de Cabo Verde (BCV) serem designados para os cargos de administrador executivo e de administradora suplente do Fundo Soberano. 

Ora, sendo o Fundo supervisionado pelo BCV (artigo 21 da Lei n. 65/IX/2019, de 14 de Agosto, que cria o Fundo), como foi referido no anterior artigo do A NAÇÃO, nem Fidalgo nem Santos podem fazer parte desse Conselho de Administração, por serem ambos quadros do Banco Central. 

O nº 3 do artigo 54 da Lei nº 10/VI/2002, de 15 de Julho, que aprova a Lei Orgânica do BCV, é claro: “Aos trabalhadores do Banco é vedado fazer parte dos órgãos sociais de entidades sujeitas à supervisão do Banco ou nestas exercer quaisquer funções”. Quando muito, para serem designados para essas funções, os visados teriam primeiro que desvincular-se do BCV, o que não aconteceu. 

Ministério das Finanças recua 

Entretanto, na sequência do artigo do jornal A NAÇÃO a alertar para as referidas anomalia, o Ministério das Finanças, em nota publicada no seu site, faz saber que “enquanto pessoa de bem”, que sempre respeitou os parâmetros do interesse público, pretende clarificar essa questão, solicitando um parecer à Procuradoria Geral da República.   

Conforme uma portaria do ministro das Finanças, Olavo Correia, de 12 de Janeiro, foram nomeados para exercerem o cargo de membros do CA do Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado os seguintes cidadãos: Adalgisa Vaz, presidente; João Fidalgo, 1º vogal; Edney Cabral, 2º vogal; Soeli Santos, suplente. 

Sendo os normativos claros, é de se perguntar por que razão Olavo Correia, que afirmar ser “pessoa de bem”, tem dúvidas sobre o assunto que parece cristalino. 

Ainda por cima em se tratando de alguém que foi Governador do Banco de Cabo Verde por mais de cinco anos. 

(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 706, de 11 de Março de 2021)

PUB

PUB

PUB

To Top