O presidente dos Estados Unidos (EUA), Joe Biden, oficializou, ontem, sexta-feira, o retorno do seu país ao Acordo de Paris que, conforme sublinhou, “é fundamental para evitar o aquecimento global catastrófico e mitigar os impactos das mudanças climáticas”.
“Não podemos mais atrasar ou fazer o mínimo para lidar com as mudanças climáticas. Esta é uma crise existencial global”, disse Joe Biden durante o seu discurso na conferência de Munique sobre segurançarealizada por videoconferência.
Enfrentar as ameaças reais das mudanças climáticas e ouvir os cientistas está agora no centro das prioridades da política interna e externa dos Estados Unidos, detalhou Joe Biden
No mesmo dia em que assumiu a presidência, a 20 de Janeiro, Biden assinou um decreto que lançou as bases para o retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris alcançado em Dezembro de 2015 e que entrou em vigor a 04 de Novembro de 2016.
Segundo analistas, após esses primeiros passos, agora terá que começar a especificar os planos de redução das emissões de gases de efeito estufa nesta década.
Actualmente, os Estados Unidos estão entre os principais emissores de gases poluentes, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
A maioria dessas emissões vem de combustíveis fósseis, mas também da fabricação de cimento e da combustão de gás.
Secretário de Estado, Antony Blinken, elogia Acordo de Paris
O secretário de Estado americano, Antony Blinken, também celebrou o retorno ao Acordo de Paris, afirmando que “as mudanças climáticas e a diplomacia científica nunca mais poderão ser ‘complementos’ em nossas discussões de política externa”.
“Responder às ameaças reais das mudanças climáticas e ouvir os nossos cientistas estão no centro de nossas prioridades de política interna e externa. É parte vital das nossas discussões sobre a segurança nacional, migração, esforços internacionais de saúde, e nas nossas negociações comerciais, económicas e diplomáticas”, disse o chefe da diplomacia americana em comunicado.
Elogiando o Acordo de Paris, negociado pelo ex-presidente Barack Obama, Blinken garantiu ainda que a diplomacia climática que se aproxima terá um papel crucial na estratégia dos EUA.
John Kerry, enviado especial dos EUA para o clima
Num evento virtual organizado, ontem, sexta-feira, pela Organização das Nações Unidas para comemorar o retorno de Washington, John Kerry, enviado especial dos EUA para o clima, garantiu que o seu país voltoucom “humildade e ambição”, e lamentou os anos perdidos com a decisão de Donald Trump de abandonar o acordo climático.
A maioria dos americanos sempre esteve comprometida com o Acordo de Paris e agora queremos aumentar as nossas ambições climáticas, disse o ex-secretário de Estado durante o governo Barack Obama.
John Kerry referiu-se aos enormes desafios que o mundo enfrenta devido à crise climática e ao aumento das emissões de gases de efeito estufa em nível global.
Guterres saúda regresso dos EUA
Por seu turno, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, disse que o regresso dos Estados Unidos ao Acordo de Paris é uma boa notícia e destacou como a sua ausência criou uma lacuna significativa.
“O Acordo de Paris é uma conquista histórica, que reúne o compromisso de diversos países com a redução da temperatura global, mas ainda não é suficiente,” destacou o Secretário-Geral da ONU.
“Os eventos climáticos extremos estão tornando-se mais frequentes e todo o planeta experimenta temperaturas recordes: se não mudarmos o curso actual, a situação vai piorar, é urgente agir agora”, alertou Guterres, lamentando que, até à data, os compromissos assumidos não foram suficientes e mesmos esses não estão a ser cumpridos.
“Os sinais de alerta estão em toda a parte. Os seis anos que passaram desde 2015 foram os seis anos mais quentes de que há registo. Os níveis de dióxido de carbono (CO2) estão em níveis recorde. Incêndios, inundações e outros eventos climáticos extremos estão a piorar em todas as regiões”, enumerou o secretário-geral da ONU, sem esquecer um possível “aumento catastrófico” da temperatura em mais de três graus no actual século.
Próxima Conferência da ONU sobre Alterações Climáticas
Segundo Guterres, que durante o seu mandato fez da questão das alterações climáticas uma das suas prioridades, o ano de 2021 é “crucial”, focando a importância da futura 26.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP26) em Glasgow (Escócia, Reino Unido), prevista para Novembro.
“A COP26 será um sucesso ou um fracasso. Os Governos irão tomar decisões que vão determinar o futuro das pessoas e do planeta”, frisou o representante, dirigindo palavras concretas aos EUA que, “juntamente com todos os membros do G20 [as 20 maiores economias do mundo]”, irão ter um papel decisivo na realização dos objectivos traçados.
Três objectivos centrais estão actualmente traçados: criar uma verdadeira coligação (de países) global para zero emissões líquidas de gases com efeito de estufa até 2050, alcançar um empenho internacional (com contribuições e medidas concretas) para que exista um progresso exponencial na redução de emissões na próxima década e aproveitar o período pós-pandemia covid-19 para uma reconstrução mais “forte e melhor” e para uma mudança verdadeiramente “transformadora”.
Investimento na “economia verde”
Em relação ao terceiro objectivo, Guterres reiterou a necessidade de o mundo investir numa “economia verde” que ajude “a curar o planeta e a população” e “a criar empregos estáveis e bem remunerados para assegurar uma prosperidade mais equitativa e sustentável”.
A eliminação gradual do carvão, a suspensão de investimentos em projectos de combustíveis fósseis prejudiciais para a saúde das pessoas e para a biodiversidade ou a aplicação de novas políticas tributárias (dos consumidores aos poluidores) serão algumas das medidas necessárias para alcançar “uma mudança transformadora”.
Guterres focou ainda a necessidade de diminuir a lacuna financeira verificada no mundo actual, defendendo o apoio aos países que estão a sofrer os impactos devastadores da crise climática.
“Estou a contar com os EUA, juntamente com todos os outros membros do G20, para apoiarem estes três objectivos principais e para se comprometerem nas negociações internacionais que serão necessárias para o sucesso da COP26”, referiu o secretário-geral, esperando, por exemplo, que a administração Biden apresente em breve os seus planos concretos para alcançar zero emissões líquidas até 2050.
Na fase final da intervenção, António Guterres recordou que o actual enviado especial dos EUA para o clima, John Kerry, quando assinou em 2016 nas Nações Unidas o Acordo de Paris (então na qualidade de secretário de Estado) levou a neta consigo.
Pacto com toda a “família humana”
“O Acordo de Paris é o nosso pacto com os nossos descendentes e com toda a família humana. Esta é a corrida das nossas vidas. Devemos ir muito mais rápido e muito mais longe”, salientou o Secretário-Geral da ONU, terminando com a frase: “Vamos ao trabalho”.
Uma das principais metas estabelecidas em 2015 pelo Acordo de Paris era limitar o aumento da temperatura média mundial “bem abaixo” dos 2ºC em relação aos níveis pré-industriais e em envidar esforços para limitar o aumento a 1,5ºC.
Biden e a defesa do clima
Biden, que completou, este Sábado, um mês à frente da Casa Branca, tem-se mostrado um defensor do clima, em contraste com seu antecessor. Ele prometeu zerar os níveis de poluição do scetor de energia dos EUA até 2035 e fazer com que a economia americana atinja a neutralidade de carbono até 2050.
No seu primeiro dia de mandato, o democrata assinou uma ordem executiva revertendo a decisão de Trump de deixar o acordo, entre outras políticas do republicano também revogadas. A medida foi notificada à ONU, permitindo agora o retorno do país a esse tratado internacional.
“Um grito de sobrevivência vem do próprio planeta”, declarou o presidente em seu discurso de posse a 20 de Janeiro último. “Um grito que não pode ser mais desesperado ou mais claro agora.”
Durante a sua gestão, Trump, um negacionista das mudanças climáticas e aliado da indústria de combustíveis fósseis, disse considerar o Acordo de Paris injusto para os Estados Unidos e anunciou a sua saída do tratado em Junho de 2017.
O processo formal para a retirada americana só foi iniciado em Novembro de 2019, com a medida entrando em vigor apenas a 4 de Novembro de 2020, devido às disposições do acordo. Portanto, oficialmente, os EUA só ficaram de fora do pacto por 107 dias.
Pressão sobre os EUA
Embora o retorno ao tratado ontem, sexta-feira, 19, seja um passo formal simbólico, líderes mundiais disseram esperar que os Estados Unidos provem agora sua seriedade na luta em defesa do clima, após quatro anos de governo Trump em que foram praticamente ausentes.
Assim, é esperado que Biden anuncie em breve novas metas para cortes de emissões americanas. O governo democrata prometeu divulgá-las antes da cúpula climática que o presiente planeja realizar a 22 de Abril, para coincidir com o Dia da Terra.
“Esperamos que eles traduzam [essa ambição] numa redução muito significativa das emissões e que sejam um exemplo a ser seguido por outros países”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, que saudou o retorno dos EUA ao acordo como um passo “muito importante por si só”.
Assinado em 2015 por quase todas as nações do mundo, o Acordo de Paris visa limitar o aumento das temperaturas globais a 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais, e continuar os esforços para limitar esse aumento a 1,5 graus.
As ambições do acordo são, na sua maioria, não vinculativas, com cada país autorizado a definir as suas próprias metas, um ponto sobre o qual Barack Obama e John Kerry insistiram ao assinar o documento há seis anos, preocupados com a oposição política nos Estados Unidos.
*C/ Lusa, PL, AFP, AP, EFE, DW