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Cultura

Fazedores do Carnaval do Mindelo desolados com a perda de rendimentos 

Nem parece terça-feira de Carnaval. Os festejos este ano ficam-se apenas por uma data no calendário. Uma data que deixa marcas para a história do Carnaval mindelense e que tirou à ilha do Monte Cara uma das melhores épocas do ano, em termos financeiros e em termos de folia. O A Nação online conversou com algumas pessoas diretamente envolvidas na festa do Entrudo, que sem questionarem a necessária decisão de se cancelar a folia, diante da pandemia da Covid-19, não escondem o desalento. 

São costureiras, artesãos, mestres de baterias, passistas, rainhas, ritmistas e tantos outros profissionais que trabalham, directa e indirectamente, quase um ano inteiro para dar vida a um espetáculo de, no máximo, 1 hora no sambódromo da “Rua de morada”. Gente habituada a determinados rendimentos afectos ao Carnaval e que agora teve que improvisar para pagar as contas com o cancelamento da festa.

Que o diga a costureira Joana, para quem as dificuldades são muitas. Joana trabalha há muitos anos produzindo trajes e, após a suspensão dos trabalhos, viu o rendimento que ganhava nos meses de janeiro e fevereiro desaparecer. Agora, está a fazer o que pode para garantir o seu sustento. Com ela, muitas outras pessoas perderam também os seus rendimentos.

“Todos os anos, no Carnaval, eu tenho 10 pessoas a trabalhar comigo no atelier e esse ano estamos parados. O rendimento que ganhamos nos dois meses de Carnaval, não conseguimos obter em um ano inteiro de trabalho. Eu criei uma linha de pijama, no Natal, e consegui desenrascar-me, mas nessa altura eu estou empurrando com a barriga”, lamenta a dona do Atelier Costura, para quem o sentimento é de perda e tristeza.

Bolsos vazios

Também o artesão Elmo Correia, conhecido no meio por “ECS Mel Correia”, diz estar a sentir no bolso o impacto do cancelamento da festa de Carnaval.

“É uma coisa que eu gosto de fazer, eu aprendo todo o ano. Faço Carnaval por amor mas o dinheiro é sempre bem vindo. Perdi essa renda e, hoje, estou a dar os meus expedientes para manter-me firme”, conta o artesão, acrescentando que “o Governo deveria chegar mais perto dos que fazem Carnaval, enxergar as dificuldades vivenciadas e ajudar”.

O sentimento é extensível ao Mestre de Bateria do grupo Cruzeiros do Norte, Nuno Gonçalves. O mesmo reconhece que a prioridade é a segurança sanitária, mas alerta que os que vivem da arte “estão a passar um mau bocado”. Nesse sentido,  corrobora a ideia de “ECS Mel Correia”, de que as autoridades deveriam pensar numa solução para ajudar esses artistas.

“É uma situação que não depende de nós, é questão de saúde, por mais tristeza que sintamos não temos nada a fazer e temos que cumprir as regras. Mas a Câmara Municipal de São Vicente, em parceria com a Liga Independente dos Grupos Oficiais do Carnaval de São Vicente (LIGOC), e os grupos carnavalescos, devem pensar numa solução para tentar ajudar artistas que dependem somente da arte do Carnaval para viver”, sugere o mestre de bateria que se encontra a ministrar uma formação a ritmistas dos grupos de Carnaval em Ribeira Brava, São Nicolau.

“O Governo quer que mendiguemos ajuda”

Já o carnavalesco João Brito, vulgo Boss, critica o Governo na gestão do Carnaval Mindelense, que conforme explica, desde 2014 passou a ser um ponto “extremamente” importante na economia da ilha.

“Estamos parados há muito tempo e isso nos afeta. O governo não reconhece o trabalho feito por aqueles que fazem de tudo para colocar o Carnaval nas ruas, eles devem começar a repensar a forma como estão gerindo o Carnaval no Mindelo”, diz, ajuntando que o governo quer que os criativos mendiguem ajuda.

“Um criador não deve mendigar. E eu sinto que o governo quer que as pessoas fiquem aqui a pedir, quando, no fundo, eles sabem as dificuldades que os artistas estão a passar. Os carnavalescos de São Vicente reuniram com o ministro da Cultura e propusemos que deveria haver algum tipo de recompensa para os fazedores de Carnaval, porque trabalhamos durante todo o Carnaval, damos formações e somos a classe que ganha menos por tudo o que fazemos nessa festa”, desabafa Boss, do grupo Monte Sossego.

LIGOC

O Presidente da LIGOC, Marco Bento, garante que a Liga está a fazer esforços de mobilização de recursos junto à Câmara Municipal de São Vicente e do Ministério da Cultura, para ajudar os mais afetados com a ausência deste que é o maior evento popular do país e que movimenta muitos milhões de contos.

Além dos fazedores envolvidos nos trajes, andores, músicas, etc, há toda uma economia paralela que alimenta o Carnaval do Mindelo e que este ano viu-se privada dos seus rendimentos. Desde a restauração, passando pelos hóteis, residenciais e outros negócios de alojamento na ilha, mas também lojas de comércio geral e serviços de rent a car, agências de viagens aéreas e marítimas. Todos saíram a perder com o cancelamento do Carnaval.

Em 2020, o Carnaval foi a única grande festa realizada no arquipélago, poucos dias antes do surgimento do primeiro caso de Covid-19 no país, a 19 de Março. A ilha de São Vicente viu-se o ano passado, privada de mais dois grandes eventos culturais, a festa da Baía das Gatas e da passagem de ano.

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