A falta de apoios e incentivos constituem os maiores entraves para a prática do futebol feminino no país. Descontentes, as atletas mostram-se, contudo, esperançosas numa melhoria do sector com a realização do I Congresso do Futebol Feminino, na semana passada, na Praia.
No ano em que completa o segundo aniversário de criação da selecção, a falta de competição, a inexistência de infraestruturas e a falta de verbas são apontadas como os maiores problemas do futebol feminino em Cabo Verde.
A selecionadora nacional, Silvéria Nédio, critica o tanto de competições que há no masculino enquanto o feminino é “deixado de lado”.
Por exemplo, nos masculinos existem campeonatos, taças, super taças, inter-ilhas, entre outros, e no feminino temos apenas o campeonato regional e nacional”, conta ao A NAÇÃO.
Preconceitos e descriminação
Isto sem falar nos preconceitos em relação a uma modalidade tida como sendo masculina, por excelência.
Sónia de Pina, que começou a jogar desde criança e aos 14 anos integrou a sua primeira equipa, confirma que desde cedo encontrou resistência dentro de casa.
“Sempre eu ouvia do meu pai a frase ‘pensas que és um rapaz?’. Eu saía para jogar escondida e quando voltava era só briga. Felizmente, os meus irmãos ajudavam-me e continuei a jogar futebol”.
Sónia actuou pelo CS Mindelense e pensa ser treinadora, um dia. Actualmente, joga apenas para divertir-se e manter o corpo em forma.
“Eu tive o sonho de jogar profissionalmente mas o futebol feminino nunca foi levado a sério em Cabo Verde, é muito descriminado. A descriminação começa em pequenos detalhes.
Por exemplo, quando vamos jogar num campo, não temos um balneário para equiparmo-nos, somos obrigadas a equipar no campo ou ir equipadas de casa”.
Ruth Duarte, 26 anos, jogadora do CS Mindelense, tem uma história quase semelhante à de Sónia. Muito nova, já jogava na rua com os amigos. Hoje, carrega o sonho de uma carreira profissional.
“Apesar dos vários constrangimentos, tenho fé em ir jogar numa equipa internacional”, revela. “Aqui, em Cabo Verde, é muito difícil”.
Ruth Duarte e Varsénia Da Luz são alguns dos nomes que conseguiram desenvolver o seu potencial e serem convocados para a seleção nacional.
Capitã da seleção nacional e lateral esquerdo, Varsénia entende que é preciso que se aposte mais nas mulheres para que estas atinjam o auge do futebol feminino.
“Nós, mulheres, não somos pagas para jogar num clube, como acontece com o masculino. O futebol feminino não é valorizado como deve ser, mas de uns tempos a esta parte, começa a haver uma mudança, a nível dos prémios, tanto a nível de equipas como prémios individuais.
Portanto, pouco a pouco, estamos a conquistar o nosso lugar e o congresso de futebol feminino, ora realizado, vai dar mais visibilidade à nossa luta ”, acredita.
Primeiro passo para uma melhora
Diante do quadro existente, a Federação Cabo-verdiana de Futebol (FCF) começou, agora em 2021, por realizar o primeiro congresso sobre futebol feminino no país, sob o lema “Novo rumo, novas oportunidades”.
O encontro reuniu, na cidade da Praia, durante os dias 30 e 31 de Janeiro, representantes de todas as regiões desportivas do país, bem como estruturas e técnicos ligados ao sector.
Foram apresentados, durante o conclave, o projecto de desenvolvimento do futebol feminino, bem como o plano estratégico, que vai abranger áreas de competições, marketing e promoção, desenvolvimento e impacto social e liderança.
A coordenadora do futebol feminino na FCF, Tatiana Carvalho, entende que a evolução da modalidade tem sido notória mas ainda há muito que melhorar.
“Queremos criar competições nas escolas e universidades, porque o trabalho tem que ser de base”.
Para o ministro do Desporto, Fernando Elísio Freire, “toda acção do Governo tem sido no sentido de igualar as oportunidades na prática desportiva entre homens e mulheres”.
Em Cabo Verde, como reconhece, a presença de mulheres no desporto ainda é reduzida, e por isso há que aumentar o nível de “participação das senhoras no futebol”.
A selecção feminina de futebol foi criada a 16 de Novembro de 2018 por exigência das jogadoras dos diferentes clubes no país. Com o congresso do passado fim de semana, atletas e dirigentes esperam que esse seja o pontapé de um novo e verdadeiro arranque dessa modalidade em Cabo Verde.
(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 701, de 04 de Fevereiro de 2021)