DePaço queria, a todo o custo, ter um passaporte diplomático por causa de uma batalha legal na justiça norte-americana. Esse privilégio foi-lhe negado durante os seis anos em que foi cônsul honorário na Flórida. Mas em Cabo Verde, onde foi recebido com honras de chefe de Estado, não foi preciso insistir: o documento foi-lhe entregue de bandeja.
Caeser DePaço, cidadão português que estava para ser cônsul honorário de Cabo Verde em Palm Coast, Flórida, queria deste arquipélago apenas o passaporte diplomático. Isto tendo em conta que esse privilégio lhe tinha sido negado, reiteradas vezes, pelo Estado português, entre 2014 e 2020, período em que exerceu as funções de cônsul honorário de Portugal em Palm Coast.
De acordo com a revista Sábado, da semana passado, de Paço dirigiu-se várias vezes à sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa, no sentido de convencer o governo do seu país a conceder-lhe passaporte diplomático, um privilégio que é reservado a um conjunto de titulares de cargos políticos, diplomatas e entidades que se encontrem em missão no estrangeiro, mas que também pode ser concedido pelo ministro dos Negócios Estrangeiros em situações de “interesse público”.
Caesar DePaço insistiu, reiteradamente, na busca desse privilégio para o qual “não estava habilitado”, segundo explicou à Sábado uma fonte oficial da Secretaria de Estado das Comunidades de Portugal.
“Você precisa servir o Estado português, não o contrário”, terá dito numa ocasião o antigo secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, do Partido Socialista.
Batalha legal na justiça norte-americana
À Sábado, DePaço não explicou por que motivo pretendia ter um passaporte diplomático – que terá obtido no ano passado quando se tornou cônsul de Cabo Verde na Flórida, de acordo com dois ex-funcionários do empresário.
Contudo, conforme a mesma publicação, uma batalha legal na justiça norte-americana pode dar uma pista para essa insistência: em Janeiro de 2014, o serviço de Alfândegas e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos revogou a filiação de Caesar DePaço no programa Global Entry Entrusted Traveler, que lhe dava passagem na segurança de aeroporto e alfândega, por “não cumprir os critérios de eleição”. Ou seja, tinha que ser revistado cada vez que regressasse ao país.
Conforme o referido periódico, diante disso, quaisquer que fossem os motivos, a desconfiança em relação ao cônsul honorário foi crescendo no MNE de Portugal.
Desconfianças no MNE de Portugal
“Ele exorbitava constantemente as suas funções. Parecia que vinha a Portugal em funções bilaterais: ia a encontros de negócios ou com a liderança do CDS e parecia que ia numa missão diplomática. Havia a sensação de que usava o cargo para se alavancar”.
Segundo a mesma revista, nos seis anos em que ocupou o cargo de cônsul de Portugal em Palm Coast, DePaço gastou milhões de euros em festas luxuosas, em que invariavelmente estiveram presentes deputados e políticos portugueses.
Também apoiou o Movimento Zero em Portugal e o Blue Lives Matter nos EUA (este último em oposição ao Black Lives Matter, que defende o fim da violência policial excessiva contra afro-americanos).
Consta ainda que financiou o CDS após encontro com Paulo Portas e Assunção Cristas, conseguindo colocar a mulher nas listas para as legislativas de 2019.
Mais recentemente DePaço tornou-se num dos principais financiadores do Chega, tendo como sócio e braço-direito José Loureiro, o actual e polémico líder distrital do Porto do partido liderado por André Ventura. Na reportagem da SIC, ele é visto a fazer a saudação nazi, como costuma ser hábito também de Ventura.
Contudo, DePaço teve vida curta como cônsul honorário de Cabo Verde. O escândalo despoletado na Imprensa portuguesa e transferida para este arquipélago obrigou o Governo a exonerá-lo dessas funções e arrastou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Filipe Tavares, que, também, foi demitido do cargo.
Apesar de ter sido apontado como um “criminoso” e patrocinador do Chega, Luís Filipe Tavares afirmou, na altura, que a nomeação de Caesar DePaço foi um processo “absolutamente normal”, tendo realçado que até ser provado o contrário, o mesmo continuava a ser uma “pessoa de bem” para o executivo de Cabo Verde.
(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 701, de 04 de Fevereiro de 2021)