Estimada em (mais que) dobro dos residentes nas Ilhas, a comunidade cabo-verdiana está expectante e atenta à posse da dupla Joe Biden e Kamala Harris, respectivamente, para Presidente e vice dos Estados Unidos da América (EUA), que ocorre nesta quarta-feira, 20 de Janeiro. Os interlocutores do A NAÇÃO depositam “grandes esperanças” nesta dupla, mas, estão cautelosos com a fasquia dos ganhos a serem obtidos nos próximos quatro anos, já que “o sonho das Terras do Tio Sam” mudaram como do vinho para a água salobra.
José “Joe” da Moura, cabo-verdiano-americano, emigrante nos EUA desde os seis anos de vida
“Temos muito a ganhar”
Nascido em Assomada, no Concelho de Santa Catarina (no interior de Santiag), “Joe” da Moura chegou aos EUA com seis anos de vida, onde lá permanence há quase 41 anos.
“Temos muito a ganhar, especialmente, porque, Biden, prometeu reverter a maioria das políticas anti-imigratórias que Trump implementou durante sua gestão”, avalia o também president do Museu Cabo-Verdiano-Americano da Cidade de Pawtucket, professor, produtor e apresentador de Rádio.
Joe também considera positivo o facto da sua família poder vir a ter a possibilidade de requerer um visto para visitar os EUA, já que, actualmente, exige-se-lhes que “tenham depositados no banco uma quantia que vale mais do que tudo, incluindo a casa”.
Ainda ele, embora isso não afecte os ricos, que podem pagar essas altas quantias de segurança, “é, apenas uma outra maneira de agradar aos que pensam como o cessante Trump, que é, tornar a América branca, novamente”.
Para Joe, Biden, mesmo que não cumpra todas as promessas que fez durante a campanha para as eleições de 3 de Novembro passado, pelo menos, “tentará, fazer algo, para, pelo menos, ter um contra-ponto” e diferenciar-se da gestão Trump.
“A relação entre Cabo Verde e os EUA, provavelmente, não mudará muito, uma vez que não houve muitos danos causados directamente. Como Biden é a luz depois do escuro, os cabo-verdianos alimentam a esperança e a possibilidade de progresso que, com Trump estava no seu leito de morte”, projecta, ressalvando que não fala “por todos os cabo-verdianos, mas que, por agora, esta é a minha verdade pessoal”.
José “Joe” da Moura conclui: “Estou orando, incessantemente, para que Biden e Harris possam tornar a América decente, novamente. Isso é possível, tão-logo que tivermos justiça para todos”.
Tânia Monteiro Vignaud, cabo-verdiana, residente na Cidade de New Orleans, no Estado de Louisiana
“Vai haver mudanças nas políticas da imigração”
Professora do Ensino Elementar, Tânia nasceu na Assomada (no interior de Santiago), e foi adolescente para os EUA.
Ela acredita, “profundamente”, que haverá mudanças nas políticas da imigração, uma vez que, sob a administração Trump não eram favoráveis.
“Trump mudou a política de imigração, que afectou, também, o nosso país. Acredito que a administração de Biden/Harris endireitará o relacionamento com os países que foram afectados pelas políticas de imigração de Trump, que foram drasticamente alteradas, com base na religião, nível de educação e criminalidade”, manifesta.
Na avaliação de Tânia, as políticas da administração Biden/ Harris oferecerão um caminho para a cidadania a milhões de imigrantes sem documentos, que vivem, actualmente, nos Estados Unidos.
“Aliás, uma das suas prioridades é reformar, rapidamente, o sistema penal e judiciário, que, em contrapartida, ajudará a reduzir a quantidade de imigrantes cabo-verdianos enviados de volta ao nosso país”, sustenta.
Para Tânia, o Presidente Biden tem uma visão do Mundo diferente de seu antecessor. “Ele é um grande crente em termos de igualdade e justiça social para toda a humanidade, não importando a raça, credo, preferência sexual ou ‘status’ socio-económico. Essas ideias estão na vanguarda das suas crenças”, avança, sustentando que a vice-Presidente “é uma mulher, filha de imigrantes da Índia e da Jamaica, que entende e compreende a situação dos Imigrantes”.
Uma das principais iniciativas económicas da Chapa Biden/Harris – lembra Tânia -, “é aumentar o salário mínimo para um salário habitável de 15 dólares por hora”, além de resgatar o programa medicare, bem como tornar os cuidados de saúde mais acessíveis para as pessoas de todas as comunidades.
Tânia acredita que haverá melhorias na relação entre Cabo Verde e os EUA. “Ao melhorar a qualidade de vida dos imigrantes cabo-verdianos nos EUA, haverá melhorias na economia de Cabo Verde, uma vez que as remessas de imigrantes são uma das principais variáveis do nosso PIB (Produto Interno Bruto)”, destaca esta cabo-verdiana que também considera que Biden oferecerá reabilitação e perdão àqueles que cometem crimes relacionados com o uso das drogas e os leves não-violentos.
Kevin Keith Martins, residente na Cidade de Pawtucket, no Estado de Rhode Island
“Eleição de Biden e Kamala beneficia a comunidade cabo-verdiana”
Doutorado em Liderança Educacional, Martins desempenha, actualmente, a posição de assistente-vice-Presidente para a Área de Diversidade e Inclusão na Bryant University.
“A Eleição de Joe Biden e Kamala Harris pode beneficiar os actuais e futuros americanos, incluindo a comunidade cabo-verdiana”, projecta.
Na sua leitura, a nova administração já sinalizou mudanças que podem impactar, positivamente, os imigrantes cabo-verdianos actuais e os futuros, assim como, os americano- cabo-verdianos.
“A primeira mudança significativa vai ser o aumento do salário mínimo federal de 7,25 dólares para 15 por hora. A maioria dos cabo-verdianos nos Estados Unidos estão em Massachusetts e Rhode Island. Os seus salários mínimos actuais são de 11,50 a 12 dólares, respectivamente”, ilustra, frisando que o aumento dos salários proporcionará “um piso económico mais forte, para os indivíduos com salários baixos”.
Kevin nasceu na Cidade de Providence, no Estado de Rhode Islandn, filho de mãe da ilha Brava, e o pai de Santiago. Para ele, a “segunda mudança mais significativa” da gestão de Biden, vai ser a garantia da obtenção da Cidadania para os actuais Imigrantes indocumentados nos EUA.
“Não sei quantos imigrantes cabo-verdianos seriam afectados por esta política, mas tenho vários membros da família que deixariam de ter medo da estratégia de desportação que vigorou sob a administração Trump”, confessa.
Outra iniciativa que no entendimento de Martins beneficiaria directamente os Imigrantes cabo-verdianos, é a expansão das opções de cuidados de saúde, incluindo uma opção pública.
“Por último, o Plano de Energia Limpa de Biden propõe dez milhões de novos empregos. Isso não beneficia, especificamente, nenhum grupo, mas permite que os trabalhadores sejam treinados rapidamente para empregos bem remunerados”, destaca Martins, acrescentando que o financiamento público para a educação possibilita a obtenção, em quatro anos, de um “diploma universitário muito mais barato em faculdades comunitárias e instituições públicas, frequentadas pela maioria dos cabo-verdianos”.
Luísa Veiga Robinson, residente em Walddorf, no Estado de Maryland
“Escolha de Harris por Biden confirma que ele leva a sério a reforma da imigração”
Veiga Robinson nasceu na Cidade da Praia, sendo emigrante nos EUA há 14 anos. Em Cabo Verde, foi funcionária da Embaixada Norte-Americana (na Praia), entre 1987 a 2007.
Confiante de que a comunidade imigrante, incluindo a cabo-Verdiana, “beneficiará, grandemente”, com a administração Biden/Harris, ela aponta que a escolha da vice-Presidente confirma que Biden “leva a sério a reforma da imigração, tanto para imigrantes legais quanto para os indocumentados”.
E lembra: “Kamala Harris, depois de se tornar senadora dos EUA, ficou do lado de outros democratas, 99 por cento do seu tempo, emergindo como uma voz de liderança contra as políticas de imigração do governo de Trump. Kamala Harris é filha de imigrantes e conhece a realidade e as lutas que os imigrantes enfrentam neste país”.
Professora de Educação Especial, Robinson entende que, estando, presentemente, o Senado dividido em 50 por cento para democratas e os outros 50 para republicanos, “o voto de qualidade” da vice-Presidente Harris, “garante uma maioria democrata viável” no Senado, facilitando, assim, “as prioridades legislativas” de Biden.
“Ele poderá aprovar reformas de imigração significativas e usar a autoridade executiva para desfazer, rapidamente, muitas das políticas anti-imigrantes mais flagrantes do Governo Trump, trabalhando com o Congresso para promulgar reformas mais abrangentes e duráveis”, salienta Luísa Veiga Robinson.
Na avaliação de Robinson, as promessas feitas por Biden/Harris são realizáveis, mas, muito trabalho terá que ser feito para a sua materialização.
“Mais de uma em cada seis pequenas empresas permanecem fechadas e muitas das que conseguem sobreviver à pandemia, podem, finalmente, entrar em colapso, sob o peso de enormes dívidas, relacionadas com a Covid-19”. Biden terá que pedir recursos adicionais e assistência técnica “para ajudar as pequenas empresas a reerguerem-se, superar o desastre actual e as dificuldades económicas e sociais”.
Robinson considera que “não haverá mudanças no relacionamento entre os EUA e Cabo Verde” por causa do novo Governo.
“O relacionamento diplomático instituído depois da Independência de Cabo Verde, a 5 de Julho de 1975, continuará sólido entre os dois países, graças à representação da Embaixada dos EUA no Arquipélago”, justifica, destacando, também, que o Consulado Americano na Praia terá um papel importante nos laços familiares, remessas dos imigrantes e nas visitas e serviços prestados aos imigrantes e reformados cabo-verdiano-americanos.
Tony Araújo, economista e empresário do ramo de Futebol, residente na Cidade de Boston
“Comunidade voltará a ter voz”
Nos EUA há cerca de 30 anos, Tony Araújo nasceu na Ilha do Fogo e emigrou para os EUA com a idade de 17 anos.
Na sua opinião, com a nova administração Biden/Harris, “a nossa comunidade voltará a ter voz junto do governo central norte-americano”.
“O Presidente Biden é uma pessoa que respeita muito os valores que os emigrantes agregam ao fabrico cultural dessa grande nação norte-americana. Dentro da nossa grande comunidade, espalhada nas várias regiões da Nova Inglaterra, temos vários conterrâneos que chegaram aqui e acabaram por ficar em situações de indocumentados”, argumenta Tony Araújo, adiantando que Biden pretende estudar a possibilidade de legalizar todos os estrangeiros que estão indocumentados.
Tony Araújo admite que o novo inquilino da Casa Branca “pretende fazer algumas mudanças drásticas em relação ao seu antecessor”, Donald Trump e mostra-se optimista de que a nova administração conseguirá concretizar as promessas feitas durante a campanha principalmente as relacionadas com as camadas que estão em dificuldades económico-sociais.
Tony Araújo ressalta que Bidem está focado na reconciliação nacional e numa administração inclusiva que “trabalhará para o bem de todos os americanos, sem excepção”.
As relações entre os EUA e Cabo Verde – evidencia Tony Araújo – vão ter “melhoras”, atendendo a que a gestão Trump “causou muito caos, implementando muitas políticas anti-imigratórias, limitando, deste modo, a entrada de vários estrangeiros nos EUA”.
“Cabo Verde e os EUA têm tido excelentes relações bilaterais ao longo de 200 anos. Com esta nova administração, os dois países continuarão a colaborar em áreas de interesses mútuos, tais como o combate ao tráfico internacional, lavagem de capitais, etc,” recorda Tony Araújo, acreditando que a administração Biden/Harris colocará o continente africano no centro das suas atenções.
“Assim sendo, Cabo Verde poderá vir a ser um dos países africanos a beneficiar muito desta reposição da política externa dos EUA, contrariando a anterior, que estava centrada em ‘American First’ – América em Primeiro Lugar -, esquecendo-se dos seus grandes parceiros do passado”, conclui Tony Araújo.