Foram centenas de profissionais de diversas áreas das artes, vindos também de outros concelhos de Santiago, para participar da manifestação “Nu kre Trabadja – Cultura Sta de Luto”, na cidade da Praia. Trajados de preto, exigiram uma política pública adequada para voltarem ao trabalho. Os profissionais lamentam que o ministro da tutela tenha dito que 2020 foi um ano positivo para a cultura, o que não corresponde à verdade.
Músicos, artistas plásticos, cineastas, atrizes, promotores e organizadores de eventos, entre outros, manifestaram-se, no final da tarde de quinta-feira,14, em frente ao Palácio do Governo, na Várzea.
A manifestação aconteceu em simultâneo a nível nacional, ficou marcada pelos trajes negros, cartazes e pela exposição, como froma de protesto, de vários “instrumentos de trabalho”. Os profissionais quiseram passar a mensagem de que a cultura está de luto.
“Estamos em simultâneo porque este é um problema que nos afecta a todos desta classe. A partir do momento que temos uma tutela que diz na comunicação social que 2020 foi um ano super positivo, isto mostra que é uma tutela que está de costas para a classe. Muitos artistas voltaram para a casa das suas mães, pessoas a fecharem as empresas, a demitirem os trabalhadores. Não estamos a pedir piedade, nem solidariedade de ninguém. Queremos nosso direito de acesso ao trabalho, para nos garantir condições de trabalho”, explica o artista Batchart em representação dos manifestantes.
De entre as suas mensagens, os manifestantes exibiram cartazes “Aqui Jaz Cultura – 1945 – 2020” que entendem como sendo uma analogia relacionando a fome da década de 40 com o que os artistas vivem de Março de 2020 até agora.
“Na década de 40 a fome assolou as ilhas e hoje juntando 20+20, temos 2020, uma apologia que explica que a classe está a passar fome. Temos pena de ver colegas a regressarem para as suas ilhas depois de uma carreira na outra ilha, regredindo no seu desenvolvimento enquanto pessoa”, lamenta.
Tentativas falhadas
Batchart afirma que esta manifestação não foi organizada de uma hora para outra, mas sim, depois de várias tentativas de reunir com a tutela responsável pelo sector, nomeadamente, o Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas. Que, no entanto, não foram ouvidas.
“Foram várias as tentativas de reunir com a tutela, com medidas completamente unilaterais sem considerar as propostas oferecidas pela classe. Todos estamos a esperar uma abertura para a tutela ouvir a classe representada por várias organizações. Somos uma representação e queremos ser ouvidos e queremos uma política pública ajustada para este momento”, explica.
De entre as suas propostas este artista sublinha uma política de co-financiamento para este sector.
“Foi cancelado o fundo de financiamento para Cultura, uma coisa grave uma vez que agora é que este fundo deveria estar mais disponível para co-financiar projectos. Outra solução seria a REMP, uma ferramenta de facilitação, onde pequenas e médias empresas são beneficiárias por várias formas, mas de onde tiraram todos os elementos da cultura, deixando as empresas deste sector enquadradas em um mecanismo fiscal geral, como as outras”.
Medo represálias
Questionado sobre a adesão dos artistas e criadores a esta manifestação Batchart diz que “infelizmente estamos em um país onde as pessoas têm medo de represálias”, mas que, no entanto, os que participaram mostram uma diversificação de vários ramos da cultura representando uma união entre todos.
“Não queremos solidariedade…queremos compreensão. Aqueles que criticam a nossa atitude e que depois realizam festas em suas casas, são os maiores responsáveis por estarmos aqui hoje. E estes são meros cidadãos e não são artistas que aguardam momentos de retomarem a sua vida, o seu trabalho”, sublinha.
Depois de entregar este “manifesto” ao Governo apelando uma política pública mais adequada estes artistas e criadores esperam sentar com o Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas e entregar as suas propostas, com medidas concretas, desta vez, para serem ouvidas, tendo em conta a importância deste sector.
“Sabemos qual o nosso valor porque Cultura não pode ser cancelada porque tem também o seu valor. Até no momento em que tudo parou por causa da -19 a arte esteve presente porque se não fosse assim, as pessoas poderiam não morrer da covid-19 e morrer de tédio, sem ler, ouvir música, etc. Cultura não é cancelável. Não podemos simplesmente de uma hora para outra estagnar tudo enquanto nós não queremos morrer da covid-19, mas também não podemos sentar e morrer de fome”, termina.~
Soluções?
Também ouvido pelo A NAÇÃO, o artista Beto Dias disse que a sua presença e demais artistas nesta manifestação não é mais nem menos do que juntar a voz para uma causa que no fundo beneficia a todos.
“ Estar aqui é mostrar que eu também não estou satisfeito com este cancelamento da cultura e mostrar que precisamos de uma esperança de que em breve estaremos de volta. Não ficar parado sem fazer nada”.
Para este músico, a solução seria acabar com a pandemia para que tudo volte ao normal. No entanto, não estando isso na mão de ninguém, este acredita que “se outros sectores já tiveram as suas soluções e estão a trabalhar “normalmente”, porque não uma solução para nós também?”, questiona.
A manifestação que contou com presença forte de artistas, DJs, promotores e organizadores de eventos entre outros criadores de artes, espetáculos e entretenimento dos concelhos de Santiago, terminou com uma grande salva de palmas na esperança de que as suas preces sejam ouvidas e os seus problemas resolvidos.