César da Silva, emigrante cabo-verdiano nos EUA há mais de 40 anos, acusa o Governo de Cabo Verde de estar a boicotar o recenseamento eleitoral da comunidade cabo-verdiana emigrada. A razão, aponta, prende-se com o medo do Executivo vir a enfrentar, nas urnas, o descontentamento da diáspora, nas eleições legislativas e presidenciais que se aproximam.
Segundo este emigrante, natural da Brava, e radicado em Boston, que fala em representação da comunidade cabo-verdiana nos EUA, a mesma está extremamente decepcionada com a falta de zelo do Governo e da CRE em criarem as condições para o normal funcionamento do recenseamento eleitoral.
“As condições são precárias para a diáspora e mostra falta de respeito com a comunidade emigrada. Não houve nenhuma preparação da CRE ou do consulado, com informações sobre o recenseamento. A publicidade só foi feita depois do arranque do processo, o que atrasou ainda mais a ida das pessoas aos postos de recenseamento”, garante.
Em causa está ainda o período estipulado para o recenseamento, a escolha do mês mais frio e com vários feriados e compromissos familiares, horários irregulares e equipamentos ineficientes.
Discriminados
Como sendo a “11ª ilha” de Cabo Verde, diz César da Silva, os emigrantes não podem ser discriminados no processo eleitoral, com uma qualidade de recenseamento “muito inferior” àquilo que se pratica em Cabo Verde ou mesmo nos EUA.
César defende, por isso, o recenseamento online, como forma de evitar a perda de tempo nas filas e a desistência de muitos eleitores.
“Às vezes uma pessoa espera três horas para se recensear. Sem contar que as máquinas são muito lentas, o que faz com que cada pessoa perca, pelo menos, 20 a 30 minutos no processo”, explica, apontando ainda alguma irregularidade no cumprimento do calendário.
Motivos mais que suficientes para que este emigrante considere que existe um “boicote” do Governo ao processo de recenseamento, para evitar que a comunidade emigrada, descontente com a governação dos últimos cinco anos, manifeste esse sentimento nas urnas.
Prova disso, diz, é que não foi enviado dinheiro suficiente para a normal realização do recenseamento, o que impede que o processo decorra na normalidade. “Só foi enviado cerca de 10% do orçamento”, avança.
Boicote eleitoral
Este Governo, segundo diz, não trabalhou para a diáspora.
“Vendo o ambiente político que aqui se vive e a forma como os emigrantes estão descontentes com o trabalho dos últimos cinco anos, não há interesse em fazer com que o processo funcione, pois, o Governo não tem a ganhar com isso”, indaga.
Para este eleitor, há um descontentamento geral no seio daquela comunidade emigrada, não só com o processo eleitoral, mas também com a lei do investimento.
“Todas as vezes que vamos a Cabo Verde somos assaltados nas alfândegas pelo próprio Governo. Não temos informações certas de quanto devemos pagar para processar uma carga ou um veículo, por exemplo, e os preços parecem variar de acordo com a disposição do despachante”, exemplifica.
O emigrante, conclui, não é “convidado” no processo de desenvolvimento de Cabo Verde. “Eles vêm cá atrás do investidor estrangeiro, mas nunca chegam à comunidade à procura do investimento do emigrante”, considera, apontando tratamento desigual em Cabo Verde, entre investidores nacionais e estrangeiros.
Para terminar, César da Silva diz que “há muita gente na diáspora que segue a vida política de Cabo Verde mais do que os próprios residentes. “Eu saí de Cabo Verde há mais de 40 anos, mas Cabo Verde não saiu de mim. Nós queremos participar no processo de desenvolvimento do nosso país, mas este Governo está a tentar tirar Cabo Verde dos emigrantes”, lamenta.
O que diz o Governo
De recordar que no passado 6 de Janeiro o Governo reagia, no Parlamento, às críticas da oposição sobre o atraso no recenseamento na diáspora, justificando que o mesmo se deve a dificuldades de mobilidade no contexto da pandemia da covid-19.
De acordo com o secretário de Estado-adjunto do Ministro do Estado, Carlos Monteiro, há países com elevadas restrições a nível de mobilidade, o que dificulta a gestão do processo. O mesmo motivo teria impedido o envio de técnicos e kits de recenseamento.
Carlos Monteiro garantiu, entretanto, que existe, da parte do Governo, “todo o engajamento para assegurar a participação efectiva dos imigrantes nas próximas eleições”.
As eleições legislativas em Cabo Verde estão marcadas para 18 de Abril próximo, enquanto que as presidenciais acontecem a 17 de Outubro.