Com a covid-19 instalada no país, de Santo Antão à Brava, a actividade política teve de se adaptar aos novos tempos. Sem comícios, as eleições autárquicas de Outubro acabaram por se revelar uma caixa de surpresas, com realce para a derrota estrondosa de Óscar Santos, na Praia, pelo quase desconhecido Francisco Carvalho, do PAICV. Mas, o ano político teve muito mais.
No plano político, o ano de 2020 arrancou logo com uma mini remodelação governamental. Ou seja, uma saída e duas entradas: José Gonçalves deixou o cargo de ministro do Turismo e Transportes e ministro da Economia Marítima, cedendo essas pastas a Paulo Veiga, que foi promovido de secretário de Estado a ministro, e a Carlos Santos, ministro dos Transportes e Turismo. Rui Figueiredo Soares assumiu o cargo de ministro Adjunto para a Integração Regional, pasta que antes pertencia ao falecido Júlio Herbert.
Carlos Santos foi escolhido para dinamizar o processo relacionado com os transportes, mas, em relação à TACV, este governante limitou-se a fazer um conjunto de anúncios que nunca se concretizaram.
O primeiro-ministro foi forçado a mexer no elenco governamental já na recta final desta legislatura, com a demissão da ministra da Educação e ministra da Família e Inclusão Social, Maritza Rozabal, alegadamente por questões pessoais. Mas o dossier “manuais escolares” terá sido a causa principal da saída de Martza Rosabal do executivo de Ulisses Correia e Silva.
Essa governante, que conseguiu sobreviver às críticas do escândalo dos erros e gralhas nos manuais de matemática, logo no início desta legislatura, acabou por atirar a toalha, dias depois de a primeira dama, Lígia Fonseca, ter tecido duras críticas ao sector da educação, também por falta de manuais nalguns anos de escolaridade.
O então secretário de Estado, Amadeu Cruz, foi promovido a ministro da Educação e Fernando Elísio Freire assumiu a pasta da Família e Inclusão Social.
Estado de Emergência
Por causa da pandemia da covid-19, em Março, o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, declarou, pela primeira vez na história de Cabo Verde, o Estado de Emergência por 20 dias.
O Chefe de Estado justificou a medida com o objetivo de defender interesses e valores fundamentais do país e da comunidade e para dar meios legítimos às autoridades para um combate mais eficaz à pandemia.
Esta medida de excepção foi prorrogada por duas vezes, com incidência para a ilhas que constituíam os principais focos da doença.
Autárquicas 2020
O MpD venceu a maioria das câmaras municipais (14) nas eleições de 25 de Outubro. Mas foi o PAICV que cantou vitória ao conquistar oito câmaras.
A recuperação de São Filipe, no Fogo, a reconquista da Praia, e as vitórias, pela primeira vez, em São Domingos, Tarrafal e Ribeira Grande de Santiago, a que se somaram Boa Vista, Mosteiro e Santa Cruz, deram um novo alento aos tambarinas que já pensam em conquistar as próximas eleições legislativas.
Em São Vicente houve “djagacida” à moda de Augusto Neves, que, com quatro vereadores, é obrigado a dividir a câmara com a UCID, com três vereadores, e com o PAICV, com dois vereadores. Na Assembleia Municipal, houve uma coligação formada por UCID, PAICV e Más Soncente para assumir o controlo desse órgão.
O mesmo aconteceu na Assembleia Municipal da Boa Vista, com o PAICV e o PP a formarem maioria nesse órgão. O MpD não gostou, recorreu ao Tribunal Constitucional, sem sucesso. Fica, doravante, a jurisprudência.
Janira sem oposição interna
No XVI Congresso do PAICV, realizado em Janeiro de 2020, Janira Hopffer Almada concorreu, mais uma vez, sozinha à liderança do partido. O deputado José Sanches, que vinha sendo empurrado pelos barões do autodenominado “Grupo de Reflexão”, desistiu da corrida afirmando que não participava desse conclave por não querer “legitimar uma farsa”. Na ausência dos seus críticos, os novos órgãos nacionais do PAICV foram constituídos apenas por apoiantes de JHA.
“Parcialidade” de Jorge Santos
Em Junho deste ano, o Grupo Parlamentar do PAICV retirava a confiança política ao presidente da Assembleia Nacional (AN), Jorge Santos, por falta de imparcialidade, por dar-se “mal com a Constituição” e por “tentar destruir” a imagem da presidente do partido.
Outro aspecto que pôs em causa a imparcialidade do presidente da AN foi a sua participação activa na campanha para as últimas eleições autárquicas. Jorge Santos considerou que a sua participação nas campanhas eleitorais é no sentido de ajudar a criar as soluções para a “consolidação do poder local a nível nacional” e que outros já o tinham feito no passado.
Embaixadores políticos
Outro facto marcante foi a nomeação de mais três embaixadores políticos, quando o PR, Jorge Carlos Fonseca, já tinha afirmado que não iria nomear mais embaixadores fora da carreira diplomática.
José Luís Livramento, que chegou a acumular as funções de presidente da CV Telecom com as de deputado, foi empossado como embaixador em Washington.
José Pedro Chantre d’ Oliveira (Djopan) foi para Brasília, e o antigo presidente da Câmara Municipal de Santa Catarina, Francisco Tavares, foi nomeado embaixador em Abuja (Nigéria).
Praia: chumbo do Estatuto Especial
A proposta de lei que regula o Estatuto Administrativo Especial da Capital de Cabo Verde não passou na primeira sessão plenária de Julho no Parlamento, tendo recebido votos contra e a favor tanto dos deputados da oposição como dos que sustentam o Governo.
A proposta de lei teve 39 votos a favor na generalidade, sendo 35 do MpD e quatro do PAICV, que também votou 21 abstenções.
Seis deputados votaram contra a proposta, sendo os três da UCID, dois do PAICV e um do MpD. O grupo Sokols fez uma grande pressão no sentido de os deputados de São Vicente votarem contra o diploma.
Três deputadas eleitas pelo círculo de São Vicente dizem não se deixar intimidar com as ameaças do grupo Sokols-2017. Celeste Fonseca (MpD), Filomena Martins (PAICV) e Dora Pires (UCID) afirmaram, em declarações ao A NAÇÃO, que a pressão que esse movimento cívico mindelense pretende impor sobre os deputados dessa ilha em relação ao Estatuto Especial para a cidade da Praia, “é imoral e antidemocrática”.
Surpresa, ainda que relativa, foi o voto contra de Mircea Delgado contra esse diploma com argumentos que acabaram por indispor sectores do seu próprio partido, MpD.
As críticas ao funcionamento dos tribunais, no último debate sobre o Estado da Justiça, vieram aumentar o que parece ser o mal-estar em torno de Delgado.
Mircea vs. STJ
Em Outubro, no debate sobre o estado da Justiça, a deputada do MpD Mircea Delgado denunciou “conflitos entre cidadãos identificados e alguns juízes, com potencial para fazer detonar todo o nosso sistema judicial, com reflexos directos no nosso Estado de Direito Democrático”.
Uma referência clara às queixas públicas do advogado e activista Amadeu Oliveira contra determinados magistrados judiciais a quem ele tem apelidado de serem juízes “gatunos”, “falsificadores” e “aldrabãozecos”, o que já lhe valeu inúmeros processos-crime, sem que, contudo, nenhum desses processos crimes tenha conhecido um julgamento ou uma decisão de condenação. Esta parlamentar alegou, na altura que tais denúncias não poderiam ficar sem um esclarecimento.
Na sequência da intervenção dessa deputada, os juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) emitiram uma declaração afirmando que, enquanto se mantiver o “clima de hostilidade” institucional e de “desconsideração à dignidade do Poder Judicial” e dos seus titulares, não estarão reunidas as condições para a sua presença em qualquer acto ou solenidade a que devam comparecer por cortesia institucional.
Assim, a abertura do ano judicial, que normalmente acontece entre os meses de Outubro e Novembro, ficou por realizar.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 696, de 31 de Dezembro de 2020