Por: Arsénio Fermino de Pina*
Então espere aí um pouco que já lhe explico a sua constituição e malignidade. Se julga que é um organismo vivo, vivinho da costa, está bem enganado.
Nesta riola da Covid, endemia causada por um vírus, que atrapalha a nossa vida sem sabermos quando saímos dela, com uma fezada danada nas vacinas que nos prometem para breve, algumas difíceis de conservar por exigirem temperaturas baixíssimas (-70 graus centígrados) que só existem na Sibéria e nos Polos, e muitos poucos países dispõem de congeladores para a sua conservação, é forçoso que, como médico, esclareça o assunto e ponha alguns pontos nos ii. Presumo que as produtoras dessas vacinas fornecerão, igualmente, caixas congeladoras especiais para a sua conservação, o que irá encarecer o preço dessas vacinas.
Afinal, o que é o Coronavírus? Um bicho maligno? Maligno, sim, mas não é bicho, por não ser vivo. Fala-se em matar os vírus, quando nem vivos são para serem mortos. Só poderemos destruí-los ou anular as suas acções com fármacos, vacinas, ou afastando-se deles. É tão pequeno que até pode caber, aos milhares, dentro de uma bactéria, que só conseguimos ver através de microscópio; antes, nem suspeitávamos que as bactérias existiam, julgando que as doenças eram castigos divinos de pecados cometidos. Ao contrário das bactérias, os vírus não produzem energia nem detritos, por não terem metabolismo energético próprio. São compostos por ácidos nucleicos – ADN ou ARN – e por algumas proteínas. Sozinhos não conseguem multiplicar-se, isto é, reproduzir-se. Encostam-se e invadem, manhosamente, as células dos animais, entram nelas e apoderam-se das ferramentas e fábricas das células obrigando-as a fabricar outros exemplares iguais a eles, o que leva à morte das células parasitadas. Verdadeiramente ingratos e danados os vírus!
As bactérias, desde a altura em que as descobrimos, no século XIX, por serem seres vivos, conseguimos, mais facilmente, controlá-las, melhorando a higiene geral, do meio, de nós próprios, da água e alimentos, portanto, piorando para elas as condições de sobrevivência e de reprodução, destruí-las com medicamentos (antibióticos), prevenindo a sua instalação e acções com vacinas; o mesmo com alguns vírus, embora sejam resistentes aos antibióticos utilizados contra as bactérias. Como nos informa o neurocientista, Professor António Damásio num dos seus famosos livros, as bactérias e plantas, pelo contrário, são organismos vivos, movimentam-se, reproduzem-se (as plantas, através de sementes e bolbos), embora não tenham mentes nem consciência, nem sistema nervoso, mas conseguem detectar e orientar-se na direcção da luz e do calor. Erradicámos a varíola (provocada por vírus) com vacinações em massa, e prevenimos com vacinas doenças provocadas por vírus – sarampo, paralisia infantil, rubéola, papeira, febre amarela, hepatite B, gripe e poucos mais. Os medicamentos e vacinas contra o vírus da Covid-19 estão um pouco mais difíceis ou demorados de serem produzidos e disponibilizados, dada a urgência de combater a pandemia, isto é, a disseminação da doença a todo o mundo com consequências terríveis sanitárias, económicas e sociais, mas lá chegaremos. Algumas dessas vacinas contra o Coronavírus são originais e revolucionárias; levaram cerca de trinta anos a serem estudadas e experimentadas, visto não serem de vírus atenuado ou com virulência eliminada, mas instruções acopladas ao RNA mensageiro ao sistema imunitário para o fabrico de anticorpos específicos contra o vírus em questão. Como a doença é recente, bem como as vacinas, as quais levaram menos de um ano a serem produzidas em vez dos 3 a 5 anos habituais, não se sabe o tempo de duração da imunidade que conferem, o que se conhecerá com o tempo, pois ainda estamos em fase de aprendizagem. A pandemia da Covid -19 deixou bem clara a ligação entre vírus emergentes, novos para nós, e a nossa degradação do ambiente, mormente a degradação da biodiversidade que nos protegia de tal emergência. Quanto à morbilidade (capacidade de produzir doença), a Covid – 19 atinge menos as crianças e com menos gravidade do que adultos e velhos, segundo estudos recentes ingleses.
De realçar e recordar o valor da vacinação e de outras boas medidas adoptadas no início da nossa independência nacional com a criação dos Cuidados Primários de Saúde, que tiveram o seu embrião na PMI/PF, a qual quase fez desaparecer as doenças evitáveis por intermédio da vacinação, entre outras medidas, doenças que ocupavam a maior parte do tempo de médicos e enfermeiros nos hospitais e delegacias de saúde – sarampo, tosse convulsa, tétano umbilical – e ainda a malnutrição, diarreias com desidratação, infecções ginecológicas, abortamentos clandestinos e gravidezes não desejadas.
Curioso é o vírus poupar alguns países dos trópicos menos desenvolvidos, sobretudo os africanos, muito provavelmente por este povo ter sofrido de tantas doenças durante a sua existência que criou resistências, múltiplos anticorpos que o protegem parcialmente, preferindo o Coronavírus os povos que tiveram vida mais folgada, menos sofrida, menos explorada, menos sofrida por doenças e por exploração por outros povos. Ou, então, estão sofrendo e morrendo como os outros e não nos damos conta disso por não disporem de testes para identificar a doença nem de pessoal qualificado para a identificar e tratar; e quem vive no mato, quando morre, é enterrado como vítima de morte natural ou de qualquer outra doença.
Enquanto não dispusermos de vacinas e medicamentos eficazes, mesmo depois disso, há que seguir as recomendações da Direcção Geral de Saúde: uso de máscara, lavagem das mãos com água e sabão, uso de desinfectantes em certas superfícies e objectos eventualmente contaminados, evitar locais acanhados, com ar confinado, ajuntamentos e reuniões, mesmo os familiares, e quando se tosse ou se espirra, usar lenço, de preferência de papel, ou fazê-lo antepondo o antebraço à boca e nariz.
Parede, Dezembro de 2020
*Pediatra e sócio honorário da Adeco
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 694, de 17 de Dezembro de 2020