A Plataforma das Comunidades Africanas em Cabo Verde – PCA-CV – “está satisfeita e expectável” com o anúncio do Governo de Cabo Verde da criação e aprovação dos Estatutos da Alta Autoridade para a Imigração. Este sentimento foi manifestado ao A NAÇÃO pelo presidente José Ramos Viana que espera que a nova entidade tenha “mais recursos e melhores condições para ajudar” aqueles que “escolheram” este arquipélago como sua segunda casa.
A PCA-CV “está satisfeita e expectável” com a criação e aprovação dos Estatutos da Alta Autoridade para a Imigração, extinguindo, em consequência, a Direcção-Geral da Imigração.
“Esperamos que, agora, a nova entidade terá mais recursos e melhores condições para ajudar nos procedimentos a quem, de facto, precisa destes serviços”, disse ao A NAÇÃO, o presidente José Viana, para quem, esta decisão do Palácio da Várzea tem “a ver com a centralidade que o Governo quer dar à Política de Integração” dos que demandam Cabo Verde.
De acordo com Viana, presentemente, “muitas das vezes, não se tem em conta as particularidades, especificidades” dos imigrantes que, devido à sua condição de vulnerabilidade,”carecem de atendimentos específicos”.
E releva: “Estas pessoas, grande parte delas, são os imigrantes africanos que escolheram estas Ilhas como as suas segundas casas”.
No rol dos constrangimentos por que passam os imigrantes, Viana destaca a inclusão social, “roçando a xenofobia”, as desigualdades sociais, o acesso à saúde de forma igualitária, a falta de contrato de trabalho, entre outros.
“A estas dificuldades somam-se, também, as questões que giram à volta da certificação, morosidade nos processos de regularização, jogando-os para o mundo da irregularidade, aquisição de habitação, concessão de residências e de nacionalidade, com maior transtorno para as crianças, entre várias outras”, aponta, sustentando que, nas Fronteiras, por desconhecimento dos procedimentos, criam-se problemas aos imigrantes, “visível discriminação no acto de constituição de arguido, pelo facto de um imigrante ser estrangeiro, não dominar a Língua Portuguesa”, para que possa invocar e defender os seus direitos.
Atenuar sofrimentos
Para atenuar os “sofrimentos”, a PCA-CV – com um universo de quase 20 mil imigrantes – tem realizado várias campanhas de esclarecimentos, a par de acompanhamento e seguimento dos imigrantes, realizando actividades culturais e desportivas, de modo a garantir “uma maior proximidade e inter-acção com os membros da comunidade” onde residem.
“O reforço das capacidades de gestão e de funcionamento das associações comunitárias, através de promoção e de realizações de acções de formação, assim como a sensibilização das entidades empregadoras, com vista à melhoria da situação laboral dos imigrantes, figuram, também, na nossa ‘Carteira de Encargos’”, lista o presidente da PCA-CV, relevando que tem havido “alguns reagrupamentos de famílias”, graças à intervenção deles.
Impacto da Covid-19
Com a Pandemia da Covid-19 e as medidas restritivas impostas pelo Estado de Emergência, noemadamente: circulação de pessoas e bens, funcionamento dos serviços e exercício de alguns direitos, liberdades e garantias, os imigrantes foram “grandemente afectados”, pois, de um momento para outro, “viram-se privados, bruscamente”, das suas fontes geradora de rendimentos.
“Anunciaram-se medidas para apoiar as pessoas, mas revelaram-se fragilidades em relação aos benefícios para os imigrantes”, aponta, lembrando que, o grosso dos efeitos dessa Pandemia acentua-se no Sector Informal da Actividade Económica.
E defende: “As instituições deviam atender a particularidades de algumas pessoas, principalmente, os imigrantes, que, devido à sua condição de vulnerabilidade, careciam e carecem, ainda, de cuidados especiais”.
Viana coloca na lista dos que “reclamam e devem” merecer “cuidados especiais”, os vendedores-ambulantes, jogadores, artistas, músicos, trabalhadores domésticos, alguns seguranças e/ou guardas nocturnos, pessoas privadas de liberdade de mobilidade, por força do confinamento,entre outras.
“Hoje, elas constituem um grupo particularmente vulnerável, devido às restrições, já que a capacidade da reacção deles à situação da Pandemia, dificulta-lhes manter a família com dignidade, sustentável e minimamente”, argumenta.
Pós-crise
Vai ser difícil encontrar-se “uma solução ideal” para o período pós-Crise, que “ninguém ousa prognosticar” como será.
“Daí que, é urgente montar-se, desde já, uma estratégia bem articulada e sustentada, tendente a mitigar os sofrimentos dos imigrantes, já que os efeitos da Pandemia traz incertezas e muitas desesperanças, agravando mesmo a fúria das desigualdades”, sugere, remarcando que “estamos em tempo de fazer novas aprendizagens”, tentando, de algum modo, “vivificar a vida”.
Viana garante que a PCA-CV vai prosseguir no seu “esforço de missão, dedicação, compromisso e entrega” em “ajudar e contribuir para a mitigação dos problemas que afectam” os imigrantes”, mas que isso “não isenta o Estado do seu dever imperioso de cuidar daqueles que mais necessitam”.
E explicita: “O Estado deve criar um ambiente de oportunidades para a qualificação para o emprego, a par de medidas de crescimento económico, e prestação de assistência às pessoas em situações especiais de vulnerabilidade”.
A PCA-CV – nota Viana – contribui – e muito! – para o reforço da coesão dos imigrantes e da comunidade estrangeira africana residente.
“É preciso e urgente o reforço da sua estrutura concernente a apoio institucional, técnico e financeiro”, reclama Ramos Viana.
“Humilhação permanente”
Em Setembro do ano passado, aquando do anúncio pelo Governo de Cabo Verde para a possibilidade de regresso dos imigrantes aos Países de origem, o líder da Plataforma defendeu que os apoios a conceder devem ser melhorados, bem como a necessidade de haver estreita sintonia com os Executivos dos países de onde são oriundos.
“O processo não avançou muito, apesar de se falar bastante na Integração Regional, que implicaria maior proximidde dos povos africanos, em vários sentidos”, pontua José Viana, acreditando que este dossiê se coloca, agora, “com maior centralidade”, na Agenda da Alta Autoridade da Imigração e do Ministério da Integração Regional.
Uma outra preocupação constante do “Caderno de Encargos” de Viana é a situação dos filhos de imigrantes africanos nascidos em Cabo Verde, que não obtêm, automaticamente, Nacionalidade Cabo-Verdiana.
“É deveras preocupante, pois, essas crianças são discriminadas pelo Sistema e, consequentemente, numa situação de humilhação permanente, por causa de traumas constantes com que deparam na sua fase de crescimento, principalmente, no ambiente escolar”, sustenta o dirigente da PCA.
Com 11 anos de vida: Plataforma é tributária de “um historial positivo”
Criada em 2009 – como ponto alto das celebrações do Dia de África, 25 de Maio, desse ano -, a Plataforma das Comunidades Africanas Imigradas em Cabo Verde, designada PCA-CV, é uma ONG –Organização Não-Governamental -, de carácter cívico e social, sem fins lucrativos.
É uma pessoa colectiva de direito privado, dotada de personalidade jurídica e de autonomia financeira e patrimonial.
É constituída – nos termos da Legislação vigente em Cabo Verde -, por tempo indeterminado e alberga, presentemente, um conjunto de 16 Associações de Imigrantes Africanos, cujos membros são provenientes de colectividades da Guiné-Bissau, Guiné-Conacri, Nigéria, Gana, Serra Leoa, Gâmbia, Senegal, Camarões, São Tomé e Príncipe, Mali, Mauritânia, Togo, Benim, Burquina Faso e Libéria.
Ela é tributária de “um historial positivo” no acolhimento, identificação, atendimento, informação e acompanhamento dos imigrantes, oriundos do Continente, tendo filiais espalhadas por todas as ilhas e municípios de Cabo Verde.
A PCA-CV é, também, “portadora de um importante saber/fazer social”, que contribui para um respeitável capital relacional – dentro e fora das ilhas -, que “constitui um grande activo intangível”, que importa valorizar, quando referenciada como promotora da integração e inclusão social dos imigrantes.
“Tem a missão de apoiar, todas as Associações das Comunidades de Imigrantes Africanos residentes em Cabo Verde, que necessitem de trabalhar, de integração dos seus membros, nos termos definidos nos Regulamentos Internos, que regem o seu funcionamento”, explica ao A NAÇÃO, o presidente José Ramos Viana.
A PCA-CV dispõe de órgãos sociais eleitos, que, em colaboração com o Conselho Directivo, “traduzem, na prática, o estatuído e orientado” pelo Regulamento Interno.
“Colaboramos com as autoridades nacionais, essencialmente, a ora extinta DGI – Direcção-Geral da Imigação -, a DEF – Divisão de Estrangeiros e Fronteiras -, o INPS – Instituto Nacional de Previdência Social -, a DGT – Direcção-Geral do Trabalho -, a DGRN – Direcção-Geral dos registos e Notariado -, e, a nível local, com as câmaras municipais, entre outras, na busca de soluções para os problemas que afectam, directa e/ou indirectamente, os imigrantes”, avança José Viana.
São-tomense de nascimento – detentor de nacionalidade cabo-verdiana -, José Ramos Viana, além de presidente da PCA-CV, é professor do Ensino Secundário e membro da Comissão Nacional dos Direitos Humanos e Cidadania (CNDHC) e do Mecanismo Nacional para a Prevenção e Combate à Tortura.
Alta Autoridade para a Imigração dá “centralidade” à integração
O Governo de Cabo Verde aprovou, 26 de Junho, a Proposta de Decreto-Legislativo que cria a Alta Autoridade para a Imigração – AAI – e aprova os seus respectivos Estatutos.
Falando aos jornalistas, na ocasião, o Ministro da Presidência do Conselho de Ministros, Fernando Elísio Freire, justificou a criação dessa Entidade com a centralidade que o Governo quer dar às políticas de integração da comunidade de imigrantes em Cabo Verde, tendo em conta que o número aumenta, significativamente.
“O segundo Plano para a Inclusão e Imigração, aprovado em 2019, dizia, claramente, que era preciso uma Instituição pivô que cuidasse da relação entre o Executivo e os imigrantes. Ou seja: uma Entidade que fizesse a intermediação dos imigrantes com as várias estruturas e serviços do Estado, e, acima de tudo, reforçar as políticas de integração, permitindo, assim, uma maior proximidade à referida Comunidade”, sustentava o governante.
A AAI tem por missão, fundamental, fazer com que a estrutura do Estado esteja ao serviço dos imigrantes e projectar formas ousadas de integração na nossa Sociedade e na Economia cabo-verdiana.
Com a criação da Alta Autoridade para a Imigração, a Direção-Geral da Imigração será extinta.
A AAI é composta por um presidente, um Conselho Fiscal Único, dois departamentos, uma Unidade Local de Imigração e um Conselho Nacional de Imigração.
(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 673, de 23 de Julho de 2020)