Por: Carlos Carvalho
Hoje, 27, o dia estava feio.
Nem lua…nem estrelas.
Só imensos mantos de nuvens.
Tudo escuro.
E um vento esquisito…incomodador!
Na véspera, 26, foi a enterrar um Senhor que viveu e morreu com o nome de Diego Armando Maradona.
Naquele imenso manto escuro, vi Diego subir aos céus.
Sim, vi.
Havia passado a noite ouvindo mornas. Instrumental e com vozes dos nossos maiores intérpretes. Bana, Ildo, Césaria, só para citar os maiores.
Parecia até que a nossa rádio resolvera também homenagear Diego Armando Maradona, com o que de melhor Cabo Verde e os cabo-verdianos têm, a nossa música, a nossa morna.
Talvez para ninguém ver El Pibe subindo ao céu, a lua e as estrelas se esconderam atrás das nuvens, por isso o céu estava todo encoberto.
Mas, mesmo assim, eu te vi.
Maradona morreu.
O mundo inteiro chorou. Morreu o Deus-maior dos estádios de futebol dos últimos tempos. Pikinoti, atarracado, encantou todos, sem excepção, com sua genialidade com a bola nos pés, na cabeça ou mesmo nas mãos.
O mundo se lembra que foi com a “mão-de-Deus” que derrotaste os ingleses, naquele célebre ano que foste Rei do Mundo, desforrando, dessa maneira da derrota de tua pátria na Guerra das Malvinas.
E…no fim, deste alegria a milhões de argentinos e aos que adoravam ver aquela equipa que carregaste sozinho às costas até aos píncaros.
Aliás, um importante comentarista político disse:
– Ninguém deu mais alegria aos argentinos que o Maradona.
Só por isso valeu teres vivido.
É verdade que ninguém nasce e morre, sem pecar.
Diego Armando Maradona não fugiu à regra. Levou uma vida agitada, dentro e fora dos relvados.
Maradona anda senpri na boca di mundu…pa cusas dretu i pa cusas mariadu.
Um napolitano, da terra onde quiçá mais brilhou Diego e que o conheceu muito bem, disse:
– Maradona fez mal a si mesmo. Mas, nunca fez mal a ninguém.
Creio poder sublinhar por baixo de tanto ouvir quase todos dizerem o mesmo.
Porém, ninguém se lembrará dos pecados de Dieguito. Todos se lembrarão unicamente do génio da bola.
Assim, esta manhã, quando o vi subir ao céu, uma enorme leveza/paz invadiu minha alma, meu espírito.
Maradona é quase meu colega. Nasceu em 1960. Nasci em 61.
É verdade que morreu cedo. Hoje em dia, morrer aos 60 anos é morrer cedo. A vida atribulada que levou, levou-o aos céus assim tão cedo.
Mas não é só o facto de sermos quase colegas que me aproxima ao génio da bola.
Eu, como ele, sou amante do futebol. Ele, um génio, claro!! Eu fui um simples ex-praticante…até nem era tao mau assim. Se alguém duvidar que pergunte o Kiki di Xumpinha, ex-jogador de, entre outros clubes, o FC Porto.
Portanto, o futebol nos (eu e o Diego) aproxima, óbvio, em proporções incomparáveis.
Maradona era um homem de causas, mesmo não parecendo. De família humilde, mininu pobri di barrios pobris di Buenos Aires, igualmente se preocupou com os pobres. Mesmo não parecendo, nisto somos igualmente próximos. Não suporto ver a pobreza, embora a veja todos os dias e em todo o lado e … pior…ele e eu fomos impotentes em combatê-lo…tivesse meios de acabar com a pobreza e o sofrimento no mundo, o faria com o maior gosto e o mais rápido possível.
El Pibe era admirador de um dos homens mais ilustres que viveu no século XX-XXI, Fidel Castro. Eu, como El Pibe, sou um admirador confesso dessa enorme figura da história mundial recente.
Assim, hoje, quando ia cumprir meu ritual quase diário, passei o caminho de ida e de volta, com um único pensamento:
Morreu Diego Armando Maradona.
Subiu ao céu … e tive a felicidade de vê-lo nessa sua última viagem.
Vá em paz, Diego.
À hora que escrevo estas pequenas linhas, em tua memória, as portas do céu já deverão estar abertas e os anjos à tua espera para te receberem e te encaminharem ao juízo final. Estou certo de que o Senhor te acolherá no seu seio, tanta foi a alegria que deste a nós que ainda estamos aqui em baixo. Na balança do dever e haver do que fizeste aqui em baixo, certamente os haveres jogam largamente a teu favor. E podes dizer ao Senhor que, daqui debaixo, mandamos-lhe um recado, um pedido, uma súplica: “Que te absolva se por acaso te julgar e quiser decidir enviar-te para o outro lado”.
E … Se lá em cima houver um campo, mesmo que seja pelado, ou um jardim qualquer…
E se lá em cima não houver uma bola, mande-nos dizer que te enviaremos uma para ires animando e divertindo os ex-terrenos que lá se encontram com tuas imensas e únicas habilidades.
Hoje, na turva madrugada do dia que escrevo esta homenagem ao Diego Armando, não vi minha outra família. Mas, estou na mesma feliz.
Vi-te, Diego Armando Maradona, subir ao céu.
Lá nos encontraremos, certamente, um dia. Terei o prazer de te conhecer e de te agradecer pelas alegrias que nos deste aqui em baixo.
Paz à tua alma.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 693, de 10 de Dezembro de 2020