Por: José Valdemiro Lopes
A revista cultural cabo-verdiana, multidimensional SOCA MAGAZINE é produzida pela Sociedade Cabo-verdiana de Autores, agremiação cultural que nasceu fruto de iniciativa cívica e independente em 2005, um verdadeiro “think tank” cabo-verdiano de divulgação cultural e de “protecção” de escritores, poetas, artistas plásticos, músicos criadores e intérpretes, arquitectos etc.
A Revista SOCA MAGAZINE, reflete e divulga as tendências e problemáticas culturais desta sociedade arquipelágica ligando a nação inteira, pelo “cordão umbilical”, extensível aos criadores e intérpretes na Diáspora, procurando, ao mesmo tempo, é a minha interpretação, dar impulso às estratégias que garantam uma inserção e um papel relevante de promoção de Cabo Verde no mundo, com manifestações culturais genuínas fruto do povo destas ilhas.
Quem leu os primeiros números, chega à conclusão que a revista SOCA MAGAZINE, cresceu satisfatoriamente graças á colaboração textual abnegada de um pequeno grupo de colaboradores.
O último número que apareceu em fevereiro de 2020, homenageia o inesquecível Kaká Barbosa e vários outros artistas e apresenta várias crónicas uma delas despertou especialmente a nossa atenção porque a temática é sobre a Morna da Brava, na primeira década do século XX, destacando artistas não muito conhecidos no contexto nacional que o editor tratou estabelecendo um “fedback” entre o tradicional, o particular e o universal, confirmando que, realmente, a Morna mere a honra de ser classificada como Património Mundial (pela UNESCO) e, mais ainda, ficou-se a saber que na Brava, Morna não é unicamente o imortal Eugénio Tavares.
Actualmente, o amplo campo temático da vida socio cultural contemporânea, com a sua implícita diversidade de interesses, manifestações e variações, faz com que os criadores voltem essencialmente e com força para resultados culturais cobertos na nossa linguagem nacional que felizmente, hoje é protegida, como Património Nacional, embora sempre o foi na prática, de maneira oficioso popularmente falando, (falamos a nossa língua no quotidiano das nossas vidas).
Aliás, seria sacrilégio manifestar Batuku ou Funana em qualquer outra língua fora do seu elemento natural fundado e que quem faz a cultura é o povo. Já era mais que tempo de agir oficialmente para proteger, preservar e valorizar mais e mais, a nossa “autenticidade” como povo e nação do ponto de vista de resiliência cultural que nos une todos em todas estas nove ilhas habitadas.
Publicação cultural cabo-verdiana impar e multidisciplinar
Desconheço o antecedente que serviu de preâmbulo e contextualização para apresentar uma publicação cultural cabo-verdiana, multidisciplinar impar e de qualidade, perto de completar 16 anos, refiro-me ainda a SOCA MAGAZINE, que tem a missão de servir de tribuna e plataforma, permitindo comparar a cabo-verdianidade com o acontecer cultural internacional, mantendo alto, o nosso próprio olhar comparativo e descomplexado sobre os fenómenos geopolíticos e culturais que estão ocorrendo no mundo e em que alguns nos atingem, também como “atores” da primeira linha como são os exemplos simples que passo a citar: aquando do aniversário da Cesaria Evora, o Google , empresa multinacional que dispensa apresentações, honrou Cabo Verde, alterando o seu logotipo, apresentando ao mundo a imagem hoje universal da chamada Diva dos pés Descalços, filha destas ilhas crioulas do Atlântico. Madonna, a ainda rainha da música pop internacional, ficou encantada com o nosso tradicional Batuku e instalou uma “tournée” internacional denominada Batuka que correu o mundo.
Cantamos poucas mornas e coladeira em português, facto, que nos leva à comparação com a situação cultural do mundo global Lusófono, uma comunidade heterógena e diversa em vários aspectos. Aliás, não obstante o grupo dos 9 (nove) países terem a mesma língua oficial, não podemos falar de cultura comum.
Portugal, apesar da sua centralidade do ponto de vista linguístico e de todas as hipóteses especulativas, fica relativamente distante dos restantes 8 (oito) actores do clube, sobretudo Cabo Verde, país de 10 (dez) pequenas ilhas de origem vulcânicas com apenas 4.033 km2 e cerca de 500.345 habitantes dispersas nas 9 (nove) ilhas habitadas, mas com uma vertente cultural resiliente.
Os nove países estão unidos por um passado histórico colonial paternalista e linguístico, mas cada um, detém a sua cultura autóctone espalhada pela Africa, América do Sul, Asia e Europa. Ainda hoje, enfrentam problemas de mobilidade entre os seus povos e com pesos económicos desequilibrados. O Brasil, sozinho, ocupa, desmesuradamente e em destaque, 85% da produtividade do conjunto no seu todo.
No peso económico, Cabo Verde não está na cauda, os dados do Banco Mundial, atribuem a Cabo Verde, o valor nominal 1,8; ficando imediatamente, à frente de Timor Leste, 1,6; Guiné-Bissau, 1,3 e São Tomé e Príncipe, 0,4 respectivamente; estes resultados são confrontados com a soma total produzida pela comunidade que, em 2017, apresentou um PIB nominal global igual a 2.425,70 (10ª milhões USD resultado de 2017 “fonte: Banco Mundial”);
Singularidade da cabo-verdianidade
Não queremos veicular a ideia ou uma visão de um Cabo Verde unilateralista como actor global descontraído e autónomo. Mas para o comum dos cabo-verdianos, o peso simbólico e cultural da “lusofonia” é controverso e não suscita paixões. Falamos todos, no quotidiano das nossas vidas, a nossa língua materna e a constituição da nação cabo-verdiana, antecedeu a emancipação política formalizada a 5 de Julho de 1975.
A vantagem para Cabo Verde, foi a vivência de uma boa oportunidade cultural em relação à maioria das nações irmãs africanas que se desembaraçaram do colonialismo desde os primeiros anos da década dos anos 60 do século passado. Várias nações irmãs africanas do grupo “CPLP”, que praticam ainda hoje, correntemente o “português” como língua veicular entre as suas populações, falam diferentes línguas locais”.
No campo literário a lusofonia produziu uma literatura de excelência e boa colaboração. Cabo Verde teve recentemente a honra de receber dois prémios “Camões”.
Toda esta reflexão é para colocar em destaque a singularidade da cabo-verdianidade manifestada no quotidiano das nossas vidas, não se sujeitando unicamente à língua portuguesa que “de facto” era obrigatória. As manifestações mais intensas da nossa cultura foram sempre expressas na nossa Língua Nacional e sobre a herança da lusofonia que nem sequer funciona a nível da mobilidade, entre os diferentes povos. Para o imortal Cabral, a língua portuguesa foi a melhor herança dos 500 anos de ocupação estrangeira.
Voltando ao SOCA MAGAZINE, a revista é acessível em formato impresso na sede da sociedade e online, na Internet. É leitura que se recomenda sobretudo à juventude cabo-verdiana.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 690, de 19 de Novembro de 2020