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Polícia Nacional, quod vadis?!

Por: Alexandre Gomes

“A Polícia encontra-se no coração da organização das sociedades e dos mecanismos que asseguram a coesão social” – Bayle (1827).

Bem-haja à Polícia Nacional!

Comemorou-se no domingo,15 de novembro, os 150 anos da Polícia Nacional (PN) cabo-verdiana. Feito histórico não só pela efeméride, mas sobretudo pelo devotado papel que a PN vem desempenhando em prol da segurança e ordem pública, sua principal missão. Século e meio de existência, de história de vida, de ganhos e de desafios… Bem-haja à PN!

A cerimónia aconteceu sem a pompa que outrora a caraterizava, face ao contexto pandémico que ainda persiste entre nós.

No átrio da “casa do povo” ocorreu o evento, presidido pelo Sr. Ministro da Administração Interna com uma plateia atenta a um discurso que assentava nos ganhos (investimentos, redução da criminalidade), nos desafios por vencer e no almejar de uma polícia que se quer afirmar cada vez mais perante a sociedade, materializando os ODS e realização da agenda 20-30, no setor da segurança.

Homenagem ao malogrado Hamylton Morais

Num ato que debandou a praxe, por não houver imposição de insígnias, pese embora houvesse promoção, progressão e demais recompensas ao pessoal policial no ativo e na reforma, bem como uma merecida e justa homenagem a título póstumo em memória do malogrado Hamylton Morais. Nossos parabéns aos agraciados e sentido pesar aos familiares do malogrado!

A data remonta a 1872 quando o Governador-Geral, Caetano Alexandre de Almeida Albuquerque, por portaria nº 433 organizou um serviço policial que velasse pela ordem e seguranca pública, que ficou conhecida como Corpo de Polícia Civil, a atuar na Cidade da Praia.

Corpo esse que sofrera mutaçoes à medida do tempo e das circunstâncias até a queda do regime colonial-facista que ditou a independência de Cabo Verde e a criação da Polícia de Ordem Pública (POP) a partir de 5 de julho de 1975, tendo como seu primeiro Comandante o Sr. Timóteo Tavares.

Viveu-se o tempo do partido único, adaptou a sua estrutura à abertura política perante um cenário ex novum que assentasse num Estado de Direito Democrático baseado na dignidade da pessoa humana fruto de uma Constituição de matriz jus-filosófica que incorpora valores da democracia ocidental e prescreve um catálogo de direitos, liberdades e garantias diretamente aplicáveis.

Plano Estratégico de Segurança Interna

Entrou-se no ano 2000 sob o signo da modernidade e vitalidade com inúmeros desafios por vencer de modo a melhor servir.

Teve ganhos incomensuráveis maxime a criação da Polícia Nacional ocorrida por Decreto-legislativo nº 6/2005, de 14 de outubro, unificando quatro forças num só corpo como sendo: a Polícia de Ordem Pública, a Guarda Fiscal, a Polícia Marítima e a Polícia Florestal, inter alio.

Com o elevado índice de criminalidade e sentimento de insegurança que sentia nos principais centros urbanos do país, a tutela achou por bem elaborar e implemantar o Plano Estrategico de Segurança Interna (PESI) que incide numa estratégia nacional de segurança pública que estabelecia uma visão holística e abordagem integradora da atividade policial e, assim

Com a alternância política ocorrida em 2016 e, perante um contexto complexo da criminalidade, o Governo definiu a segurança dos cidadãos nacionais e estrangeiros, residentes e de passagem por Cabo Verde, como uma prioridade e um desígnio nacional, conditio sine qua non para o almejado desenvolvimento do país.

Programa Nacional de Segurança Interna e Cidadania

Com isso, seguiu-se pela implementação de um Programa Nacional de Segurança Interna e Cidadania (PNSIC) que concretiza uma política pública integrada que articula Segurança, Desenvolvimento e Cidadania, dimensões fundamentais da estratégia nacional de promoção local de segurança cidadã, a qual corporiza uma abordagem desenvolvida com base e a partir do cidadão e das realidades específicas em que o mesmo se insere.

No fundo, visa trabalhar as “raízes socioculturais do crime”, articulando ações de segurança pública com políticas sociais, por meio da integração entre as estruturas públicas da administração central, local, as comunidades e suas organizações civis.

Os dois instrumentos, de executivos diferentes, têm um denominador comum: redefinir o policiamento num modelo de proximidade. O Policiamento de Proximidade (PP) pode definir-se como uma “forma de gestão da segurança pública, implemantada próxima da população, de maneira a responder, através de uma ação policial prioritariamente preventiva, às suas necessidades cuidadosamente identificadas e tomadas em consideração”.

Tal modelo redesenha um novo paradigma em que se processa as relações entre o aparelho administrativo (Estado) e o exterior, isto é, os cidadãos, através da celebração de um Contrato Local de Segurança (CLS).

O cidadão enquanto parte, sente-se integrado e revê nas medidas elaboradas pelo poder central, transferindo ao mesmo tempo uma ideia de transparência de tais medidas e, assim, fazer com que a segurança seja um fator coproduzido.

Nesse CLS, a Polícia não deixa de ter uma intervenção de caráter reativo, mas procura incluir, com maior equilíbrio, uma postura preventiva; as patrulhas são reorientadas de modo a facilitar a comunicação entre a polícia e o público (v.g. Patrulhas apeadas); a comunidade é consultada e é recolhida informação a fim de definir os problemas locais e as prioridades de intervenção e, com isso, a polícia passa a deter uma atitude proativa, define hotspots, realiza vigilâncias e procura prevenir problemas e atua face às suas causas.

Policiamento de Proximidade (PP)

Este modelo, historicamente, surgiu a partir dos EUA, no ano de 1900, ligado ao surgimento de vários problemas sociais, entretanto autores remontam sua origem à Polícia Metropolitana de Londres, alicercada por Robert Peel em 1929.

No velho continente apesar da noção de PP ter aparecido nos discursos políticos nos finais da década de oitenta, foi a partir do início de noventa que as circulares policiais começaram a fazer referência à PP num primeiro tempo, como luta travada contra a pequena e média criminalidade, e só mais tarde, numa ideia de aproximação da polícia à população.

À luz da realidade cabo-verdiana se ouve constantemente falar de PP, mas será que se está a fazer um real PP? Ocorre que aqui pese embora queremos um PP, o que se tem feito não é PP ficando muito longe disso.

Assiste-se a um modelo de policiamento intencional e rotineiro que passa por um exercício da atividade policial que ocorra muito à mostra e carateriza pela evidência do trabalho da polícia pelo uso, verbata gratio, de viaturas caracterizadas, uniformes, distintivos, de forma a identificar os agentes da lei e causar visibilidade junto à população e, grosso modo, desestimular os infratores da lei – o tal policiamento ostensivo.

Ciente disso, temos de mudar de paradigma e interagir com o cidadão mostrando confiança da polícia na população o ser de facto amigo da sociedade, numa perspetiva de poder contar com toda a disponibilidade do cidadão em informar a polícia preventivamente de preparação de atos atentatórios à segurança pública. A polícia cabo-verdiana precisa mudar de estratégia e descaracterizar, em parte, pois a própria farda por vezes intimida.

Portanto, o PP é o modelo do futuro e será um verdadeiro desafio para a Polícia Nacional de Cabo Verde e não só, enquanto polícia profissional (virada para a manutenção da ordem pública) se vê confrontada com novas lógicas, procedimentos e práticas impostas por uma sociedade globalizada a atuar num cyber espaço, às quais não estava habituada. Fato que nos interpela para uma alteração do status quo a fim de fazer face aos níveis de criminalidade cada vez mais profissionalizados.

Viva a PN!

Bem-haja a todos seus integrantes, diretos ou indiretos!

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 690, de 19 de Novembro de 2020

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