Por: Valdemiro Tolentino
1 . Introdução
São Vicente viu-se tomada por uma agitação anormal provocada pelos acontecimentos ocorridos aquando da instalação dos órgãos municipais recém-eleitos, a 25 de Outubro de 2020.
Essa agitação estendeu-se ao País e na Ilha da Boavista continuou a ebulição.
A comunicação social, naturalmente, foi atrás do acontecimento, dando a voz a quem entendesse e nem sempre intervindo de modo a ajudar ao pleno esclarecimento da questão em debate.
Verdade seja dita que esta dualidade política em que Cabo Verde vem vivendo impede o debate sereno das questões, conduz a tomadas de posição de todo incompreensíveis para o comum dos cidadãos e torna quase impossível chegar-se a qualquer conclusão.
Com este artigo procuro ajudar à reflexão serena sobre o que se está discutindo e os fundamentos para que cada um possa tirar as suas próprias conclusões.
O que se deseja é que as conclusões sejam acertadas e despidas da lógica terrível do nós-eles, quem não é por nós é contra nós, enfim, encontrar o equilíbrio necessário à sã convivência dos cidadãos.
Vivendo e convivendo no mesmo espaço, todos almejam que as opiniões e posições possam ser expressas em harmonia e respeito mútuo.
2. A eleição da mesa da Assembleia Municipal (AM)
2.1 O quadro legal
Muita tinta e “cuspe” já se gastaram sobre a eleição da mesa da AM.
Ninguém põe em questão que, tal como determina a Lei n.º 134/IV/95, Artigo 81º (Competências) que 1. “Compete exclusivamente à Assembleia Municipal: a) Eleger o Presidente, o Vice-presidente e o Secretário da mesa.
Ora, assim sendo, ninguém pode pôr em causa que o Presidente é eleito pela Assembleia Municipal, assim como os outros membros.
E também que não há ninguém eleito à partida. A eleição de quem quer que seja é acto da Assembleia Municipal.
A Lei n.º 134/IV/95 no artigo 67º fala da instalação da nova Assembleia. Diz no seu ponto 3. ”Concluída a instalação, constituir-se-á uma mesa provisória presidida pelo primeiro nome da lista mais votada e secretariado pelos dois membros mais novos, que dirigirá os trabalhos da primeira reunião da Assembleia Municipal, com vista à aprovação do regimento e a eleição dos outros membros da mesa definitiva.”
No seu ponto 4 estabelece que “ Na falta do cabeça da lista mais votada, presidirá à mesa provisória o segundo nome dessa lista e assim sucessivamente”.
É claro que este artigo está referindo ao Presidente da Mesa Provisória, o primeiro da lista mais votada ou, na sua falta, o segundo nome dessa lista e assim sucessivamente“.
No caso em concreto, se Lídia Lima não estivesse presente à sessão de instalação da Assembleia, ela seria substituída por Giliardo Nascimento ou, na falta deste, por Flávio Lima , e, assim, sucessivamente.
E isto para dizer que o Presidente da Mesa Provisória é um lugar momentâneo, nunca um lugar que atribui direito ou lugar de Presidente na Mesa definitiva como o MPD pretende.
2.2 A letra e o espírito da lei
Os eleitos do MPD “agarram-se” à referência no ponto 3. “… com vista à aprovação do regimento e a eleição dos outros membros da mesa definitiva”.
Se se retirar o artigo demonstrativo “outros” a lei ficaria “…com vista à aprovação do regimento e a eleição dos membros da mesa definitiva”, o que deveria estar no pensamento do legislador.
Mas, se nos fixarmos na tese da “letra” da lei do MPD, de que Lídia Lima já está eleita, directamente pelo voto do Povo, para serem “coerentes”, ela não deveria constar da lista apresentada pelos eleitos do MPD para eleição da mesa.
Não é assim compreensível defender um ponto de vista político que a Lídia já está eleita para a mesa e na prática apresentar uma lista para eleição da Mesa onde ela consta.
Tal facto em si nega a pretensão de que ela já está eleita. Quem já está, não se sujeita a pretender ser.
Mas apresentar uma lista com três nomes para a mesa e submete-la à votação da Assembleia é o reconhecimento último do papel definitivo que e a Assembleia tem e que é o de eleger a Mesa, na sua plenitude com todos os seus membros.
É a aplicação do Artigo 68º (Mesa) ponto 2. “A mesa é eleita pelo período do mandato, por escrutínio secreto, e por maioria absoluta de votos dos membros da Assembleia Municipal em efectividade de funções“.
E aí chegados, uma vez feita a votação, ao MPD só cabe conhecer e respeitar o resultado.
Não fiz uso do Regimento da Assembleia Municipal em vigor, porque o mesmo é posterior aos Estatutos dos Municípios. Contudo, ele é até mais claro no assunto em questão, a eleição da Mesa da Assembleia.
3 . A regra de ouro da Democracia – a vontade expressa da maioria
Em democracia vale a regra fundamental da vontade expressa da maioria.
O debate e a discussão podem levar a entendimentos e a consensos, o que é o desejável.
Estes, a existirem, permitem que os diferentes actores políticos possam assim agir conjuntamente.
Mas na ausência de consensos e entendimentos, a solução, em democracia, é dada pela posição expressa pela maioria dos que são chamados a se pronunciarem.
Em São Vicente, o MPD, desde 2008, conseguiu governar a Câmara com maioria, primeiro em coligação com a UCID, em 2008 e 2012, e, em 2016, sozinho.
Nessa condição para o MPD era “tud sabim”, “sabe pá … á”, a democracia funciona e recomenda-se.
Em 2020, o MPD não consegue formar maioria por recusa da UCID.
E logo se levantam vozes do MPD acusando a UCID de todos os defeitos e mais alguns, de assaltantes a outros mimos.
Só falta dizer que a UCID não pode fazer isto ou aquilo que contrarie a vontade do MPD – São Vicente.
Para estes, a haver acordos parecem ser permitidos só os em que o MPD entra e aceite. Se não for assim não são “democráticos” nem aceitáveis.
E começamos a ver o lado menos democrático (para ser simpático) de alguns sectores do MPD.
Promovem manifestação à porta do Cinema de Monte Sossego enquanto decorria a sessão electiva da Assembleia Municipal, numa tentativa vã de a pressionar.
Há instigações nas redes sociais de deputados do MPD para manifestação de rua pelos mindelenses.
E o recente anúncio de recurso aos tribunais, sem pôr em causa a sua legitimidade, demonstra a recusa política do MPD em aceitar a vontade expressa da maioria.
Sem respeito dessa vontade, quem se recusa a aceitar esse princípio, manifesta-se mal preparado para fazer parte do jogo democrático.
Ser maioria, ser minoria, ser situação, ser oposição, aceitar a alternância no poder, constituem elementos essenciais da democracia enquanto sistema político.
Não há poder eterno.
Pessoal , é a Democracia !
Habituemo-nos .
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 691, de 26 de Novembro de 2020