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Governação da CMSV –Questões pertinentes !?

Por: Tolentino

1. O vazio legal relativo ao critério de eleição do Presidente da Câmara

Reproduzimos aqui o disposto no Código Eleitoral ,  Artigo 433º  (Critério de eleição) .

  1. A conversão dos votos em mandatos para o órgão deliberativo municipal faz-se em obediência ao método de representação proporcional correspondente à média mais alta de Hondt, nos termos aplicáveis à eleição dos deputados.
  2. A conversão dos votos em mandatos para o órgão executivo colegial municipal, faz-se nos termos do nº1, salvo se uma das listas concorrentes obtiver a maioria absoluta dos votos validamente expressos, caso em que lhe será conferida a totalidade dos mandatos.

Uma leitura atenta demonstra que dele não consta o critério de eleição do Presidente da Câmara.

Mais, e citando o Dr. Mário Silva no seu livro Código Eleitoral Anotado, na página 499, ponto V. “Pensa-se que é eleito Presidente da Câmara o primeiro candidato da lista mais votada para a câmara municipal, ou, no caso de vacatura, o que se lhe seguir na lista (…) quando, na verdade, o critério de eleição do presidente da câmara introduzido em 1991 foi revogado”.

Estamos assim perante um claro vazio legal que alguns acham que se pode ultrapassar com a ideia do costume como fonte direito.

Não sendo jurista permito-me citar o disposto no Código Civil, Título I Das leis, sua interpretação e aplicação, Capítulo I Fontes de direito, artigo 3º Valor jurídico dos usos, que estatui no seu ponto 1. Os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente atendíveis quando a lei o determine.

Espero que os defensores da tese do costume tenham ao menos abertura de espírito para aceitar que outros pensem de forma diferente.

E também deverão estar de acordo no princípio de que obediência só é devida àquilo que a lei estritamente estabelece. Somente é permitido aquilo que está na lei.

De se lembrar também que nas eleições municipais os cidadãos votaram nas listas dos candidatos aos órgãos camarários, quer para a Câmara Municipal, quer para a Assembleia Municipal.

Não houve qualquer voto para que este ou aquele fosse directamente eleito para este ou aquele cargo.

Uma última questão para a reflexão que se impõe. Esse “costume” do Presidente ser o primeiro da lista mais votada ainda “pode” ser aceitável  em se tratando de Augusto Neves . Mas sendo este principio aplicável, em caso de vacatura, ao segundo da lista, não é claro que o cidadão eleitor aceitasse como natural (costume?) para Presidente de Câmara aquele (a) que se lhe seguir na lista.

E esta possibilidade não é assim tão improvável, conhecidos que são os recentes problemas de saúde de Augusto Neves.

Daí que face a este evidente vazio legal que não se pode resolver de momento, julgo que dever-se-á procurar encontrar saída para a situação, o que evidentemente passa por uma abordagem política do problema e da sua solução.

2.A função Presidente da Câmara e a “obrigação” deste ter a maioria no orgão Câmara Municipal

É corrente ver no Presidente da Câmara a figura de chefe da Câmara.

Ora sendo a Câmara Municipal um órgão executivo colegial municipal, chefe é aquele que detém ou consegue obter a maioria dos votos nesse órgão.

Sublinho esse “aparente desencontro” daqueles que defendem que se designe o Presidente dum órgão sem que este tenha assegurado, à partida, a maioria no mesmo.

Em democracia, nos órgãos colegiais, ou, mais propriamente colectivos, a regra fundamental é a regra da maioria.

Até o número dos seus membros é normalmente impar, e, quando par, se atribui ao seu Presidente o chamado voto de desempate.

Ao assumir que há um Presidente, sem que este tenha simultaneamente maioria na Câmara, os defensores desta tese querem sugerir como algo adquirido que este obterá a maioria, contando com os outros, nem que seja parcialmente.

E a pergunta que se põe é porque razão os outros têm (terão) que se juntar a um Presidente (?) minoritário.

Alguns me dirão que em democracia é assim mas esta tese mais me parece uma tese instrumental e oportunista da mesma.

Parece-nos que a democracia tem que ser assumida na sua plenitude, sem artimanhas que permitam a quem se encontre em posição mais favorável tirar vantagem e poder subverter as regras.

Não me parece razoável defender que o Presidente se possa coligar com quem ele puder para ter e manter o poder e não aceitar que os parceiros da Câmara também possam ou queiram fazer o mesmo.

Sendo claro que cada um se entende com quem, quando quiser e durante o tempo que entender, democraticamente temos que aceitar que os três partidos representados na CMSV (MPD,UCID,PAICV) possam ou não se coligar conforme decidirem, sem imposição de quem quer que seja.

Mais se espera que o MPD não incorra na tentação de “fazer” maioria pescando nas listas dos outros partidos (UCID,PAICV) e conseguir assim  “distorcer” a vontade expressa dos eleitores mindelenses.

Também não é razoável pensar que, não conseguindo o Presidente (?) maioria no órgão por não se entender com os outros partidos, a solução implica repetição de eleições.

E isso porque nada garante que os resultados sejam diferentes dos actuais ou não possam repetir situação em que o suposto Presidente não tenha a maioria, nem o consiga depois.

O exemplo do Dr. António Costa com a sua geringonça é um exemplo claro de que, em política, há que equacionar todas as soluções ainda que possam aparentemente não serem correntes.

3. Considerações sobre eventuais negociações

3.1 Igualdade das partes

Neste processo de negociação todas as partes estão em pé de igualdade. Quer o MPD, a UCID e o PAICV podem pretender posicionar-se de modo a conseguir mobilizar as outras partes para a sua abordagem.

O MPD (4 vereadores) e a UCID (3 vereadores) estão obrigados a se entenderem, entre si, ou com o PAICV (2 vereadores).

Pode até se admitir a hipótese duma ampla coligação das três partes qual frente de salvação da ILHA.

Nas eleições passadas o MPD sempre contou com a disponibilidade da UCID para se coligarem na Governação da Câmara.

Mas desta vez a relação de forças é diferente.

A UCID está em condições não só de fazer o rei mas também, em tese, de ser ele próprio o rei.

Se considerarmos o baixo nível da relação pessoal entre Augusto Neves e António Monteiro diríamos que esse entendimento não será possível.

A declaração de António Monteiro aos jornalistas na noite de apuramento da votação foi clara de que não negociava com o Augusto Neves.

O MPD vai aceitar deixar cair Augusto Neves que se julga Presidente para continuar?

Mais difícil a posição do PAICV dada a sua situação de menor número de vereadores (2).

Difícil ser rei mas certo é que pode ser o fiel da balança juntando-se, seja ao MPD ou a UCID e assim fazê-la inclinar para um lado ou para o outro .

Mas o cenário duma junção do PAICV com o MPD é, em tese, carta fora do baralho.

Mas a coligação com a UCID é em teoria possível se ambos assumirem na prática a ideia de que Augusto Neves e o seu modo de gerir a Câmara não são para continuar.

3.2  Igual legitimidade

Só deve pretender dirigir a Câmara quem consiga ter o apoio maioritário no órgão.

Todos representam uma parte do eleitorado e procuram corresponder aos seus anseios.

Ninguém tem mais legitimidade que o outro nem mais direito. Cada um representa apenas parte do eleitorado com o peso relativo que os eleitores lhe atribuíram.

Se o primeiro mais votado tem direito de negociar com o segundo ou com o terceiro mais votado, nada nem ninguém pode pretender que estes por sua vez, também, não o possam.

Se se conseguir acordo na Câmara naturalmente este dever-se-á estender-se à Assembleia Municipal.

O MPD com 9 eleitos só poderá assegurar o suporte do órgão legislativo com apoio da UCID ou do PAICV pelo que se pode aplicar as considerações que fizemos a propósito da Câmara à Assembleia Municipal.

4. Maioria sociológica para mudança na CMSV

É facto incontestável que a maioria dos votantes exprimiu claramente contra a continuidade de Augusto Neves à frente da CMSV, ou, no mínimo, para a mudança do seu modo de governação.

Que Augusto Neves pode representar o início do declínio do MPD na gestão camarária em S. Vicente é algo que os números parecem indicar pois passa de 13191 votantes em 2016 para 11113 em 2020 e isso depois dum mandato com maioria absoluta na Câmara e na Assembleia e com o apoio dum Governo Central MPD.

Em S. Vicente, a maioria dos votantes (17680) expressaram uma clara vontade de mudança pelo que também parece ser algo aceitável que uma coligação na Câmara da UCID com o PAICV para o afastar seria naturalmente entendido e bem recebido. Para tal, basta assumirem tal intenção e pô-lo na prática.

5. Considerações finais

Não há nada mais democrático do que a vontade expressa da maioria.

E na democracia não há lugar para aqueles para os quais a democracia só vale quando as regras lhes convém.

Presidente de Câmara deve ser aquele que conseguindo a maioria de votos neste órgão colegial é capaz de actuar efectivamente como tal.

Capaz de assumir as funções que a lei lhe impõe como, entre outras, a de organizar a Câmara e fazer aprovar, primeiro na Câmara e depois na Assembleia Municipal, os instrumentos de gestão camarária como o Plano de Actividades e Orçamento Municipal.

Quem não estiver em condições de fazer isso não deve pretender ser Presidente da Câmara.

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