Por: Filinto Elísio
Foi há 50 anos, mais precisamente a 1 de julho de 1970, o Papa Paulo VI recebeu três líderes dos movimentos de libertação das então colónias portuguesas: Amílcar Cabral, do PAIGC; Agostinho Neto, do MPLA; e Marcelino dos Santos, no Vaticano. O acontecimento provocou estragos simbólicos na imagem do Estado Novo Português (marcadamente colonialista e fascista) e reconfigurou a doutrina da Santa Sé em relação a África.
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Hoje, não fosse a pandemia da Covid-19, estaríamos a montar em Roma/Vaticano um grande evento a assinalar o Cinquentenário da Conferência de Solidariedade dos Povos das Colónias Portuguesas e da Audiência do Papa Paulo VI a Amílcar Cabral, António Agostinho Neto e Marcelino dos Santos. Tanto a Audiência Papal como a Conferência em Roma foram marcos históricos relevantes e transcendentes. A Conferência de Solidariedade com os Povos das Colónias Portuguesas, organizada por confederações sindicais e forças políticas italianas, contou na altura com a participação de 171 organizações de 64 países.
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O encontro entre Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Marcelino dos Santos com Paulo VI, contrariamente ao ventilado em circuitos muito bem localizados, foi meticulosamente organizado por uma rede de organizações, sob articulação da jornalista Marcella Glisenti, presidente da Associação Italiana dos Amigos da Présence Africaine, existente desde 1962 e que integrava personalidades como Enrico Berlinguer (futuro secretário-geral do PCI) e Giorgio La Pira (presidente da câmara de Florença e representante da ala esquerda da Democracia Cristã italiana). Essa jornalista, amiga de Amílcar Cabral, que conhecera em 1968, em Paris, por intermédio do intelectual senegalês Alioune Diop, era casada com Giuseppe Glisenti, filiado no Partido Democrata Cristão, antigo resistente antifascista e diretor do Instituto para a Reconstrução Industrial (IRI), muito próximo ao Vaticano.
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Sabe-se que na altura, os três dirigentes declararam a Paulo VI a sua luta pela paz, contra o regime colonial e fascista e apelaram a que esta defendesse junto de Portugal o direito das colónias portuguesas à autodeterminação e independência. O Papa recomendaria aos dirigentes africanos o uso de meios pacíficos para alcançarem os seus fins e distribuiu a cada um dos interlocutores um exemplar da encíclica Populorum Progressio (1967). Ao despedir-se disse a Amílcar Cabral: “Eu rezo por vós!”. A revista católica Informations Catholiques Internationales chama para título outra frase atribuída a Paulo VI: “A Igreja está do lado dos países que sofrem”.
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Ainda no decurso deste ano, faremos um grande webinar com a conferência científica sobre o Cinquentenário e no próximo ano remarcaremos em presença (Roma/Vaticano), com pompa e circunstância, tão elevado momento da nossa história que foi em junho e julho a Conferência de Solidariedade dos Povos das Colónias Portuguesas e a Audiência do Papa Paulo VI a Amílcar Cabral, António Agostinho Neto e Marcelino dos Santos.
(Publicado no A NAÇÃO (digital), nº 670, de 02 de Julho de 2020)