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Diáspora

“Diáspora é um celeiro de ‘cérebros’…que não está em fuga”

Chã das Caldeiras, Ilha do coração

Natural do Fogo, segue para o Brasil em 2006, onde cursa Administração de Empresas, obtém mestrado e doutorado em Logística e Gestão de Transportes. Milton Jonas Monteiro de sua graça, nestes tempos de Covid-19, tem “dobrado os dias escutando morna e comendo muita ‘catxupa’”, com grande saudade da Terra-Mãe. Enquanto não chega o ambicionado dia de regresso a Cabo Verde, deixa um alerta, a modos de recado aos decisores: “Diáspora não é apenas remessas dos emigrantes. É sim, um celeiro de ‘cérebros’, mas que não está em fuga”.

Como não adianta desesperar nesta maré de Pandemia Global, a saída é enfrentá-la, adaptando e superando a Covid-19.

Por isso mesmo, Milton Monteiro, por ora, tem “dobrado os dias escutando morna e comendo muita ‘catxupa’”, materializando o ditado: “Se a vida lhe der um limão, faça dele uma limonada”.

“A Pandemia impôs a todos uma nova realidade. Por aqui não tem sido diferente: andamos em quarentena, mas com certaflexibilidade”, relata ao A NAÇÃO.

Brasília – prossegue Monteiro -, foi uma das primeiras cidades a adoptar medidas restritivas e, agora, estamos começando a sair da quarentena.

Ainda ele, as actividades estão a funcionar, paulatinamente, ao contrário de outras cidades, que o surto de Covid-19 está “num nível alarmante e até com ‘lockdown’”.

Brasília – que já foi “um celeiro de estudantes” cabo-verdianos, hoje, só tem ex-universitários, já “amarrados” e muitos com filhos.

“Somos uns vinte, mas apenas um estuda. Por algum motivo, os cabo-verdianos não têm vindo para cá, o que é uma pena, pois, estamos falando da Capital do País, que tem uma das melhores universidades da América Latina (a UnB) e é a Metrópole mais segura para se estudar”, realça Monteiro, ilustrando que, em 14 anos, nunca foi assaltado, e nem ficou a saber de casos de patrícios que tenham sido vítimas.

Convivência

Como o cabo-verdiano “é um povo de rica convivência”, leva “essa preciosidade” para o exterior, fortificando os seus laços de amizade.

“Temos uma convivência muito boa e encontramo-nos sempre. Por exemplo, toda a segunda-feira jogamos bola num Clube, onderecebemos brasileiros e estrangeiros de outras nacionalidades, com direito a um ‘time’ de FutSal, que participa de campeonatos organizados por aí”, remarca Monteiro, frisando que, no final do “Fut” há a “resenha”, que é o momento de “colocar o papo em dia”, falar de Cabo Verde e “tomar umas” (Risos).

De tempos em tempos, acontecem, também, encontros na Embaixada de Cabo Verde, em Brasília, e na Residência Oficial.

“O que é comum mesmo, é a ‘catxupada’ que acontece, especialmente, nos aniversários e até de bobeira”, frisa, relevando, também, a existência, de “um grupo de conversa” numa Rede Social, na qual se debatem preocupações, colocando-se à disposição do patrício ena forma de ajudar aos que mais precisam.

Constrangimentos

A inexistência de estudos e de dados oficias a respeito da Comunidade cabo-verdiana no Brasil, torna difícil listar, com exatidão, os principais constangimentos.

Mesmo assim, Monteiro arrisca a avançar que eles são diferentes.

“Para os estudantes, o clima, dependendo da cidade, tanto o excessivo calor como o frio, pode ser um desafio, mas o custo de vida nas grandes metrópoles é, sem dúvida, um constrangimento”, avança, frisando que, para os que decidiram ficar, ter um bom trabalho e adquirir um padrão de vida razoável é o principal desafio.

Ao contrário dos Estados Unidos da América, Monteiro considera que o Brasil não é uma boa opção de migração, apesar de ser um dos melhores para estudar.

“Decidir ficar é uma decisão arriscada, pois, o mercado de trabalho é bem concorrido e o nível salarial é baixo”, justifica.

Quanto à integração, ela dá sem grandes dificuldades.

“Os brasileiros e as instituições de ensino nos recebem bem. Eles são amáveis, amigos, carinhosos e abertos para relacionamentos, o que torna a integração mais fácil”, garante, notando que, “culturalmente falando, há muitas convergências e similaridades”.

Pró-actividade

Monteiro acompanha a situação da Epidemia – e não só! – em Cabo Verde, pela Internet, assim como as sessões parlamentares e, por meio de conversas com familiares e amigos.

Do eco das medidas adoptadas pelo Governo do Palácio da Várzea, pelas conversas que tem tido, percebe que “a avaliação é positiva”, pois, as medidas essenciais foram tomadas, quais sejam: fechamento de fronteira, declaração do Estado de Emergência, testes, cidadãos e empresas socorridos, entre outros.

“Claro que, nem tudo é cem por cento, mas muita coisa tem sido melhor aí do que no Brasil, principalmente a condução política”, manifesta, parabenizando “todos os actores políticos”, por terem se esforçado, no sentido de deixarem as diferenças de lado.

Estando longe da Terra-Mãe, Monteiro tem ajudado alguns patrícios, directa e indirectamente, além de colaborar, por meio de uma instituição religiosa.

“A Diáspora sempre acudiu bem e, agora, não

foi diferente”, avalia, alertando que “a nova realidade” exigirá, mais do que nunca, atitudes pró-activas.

Neste sentido, manifesta que, dentro da sua área de actuação, oferecerá orientações e cursos, em plataformas virtuais, voltadas para a Gestão e o Empreendedorismo.

Política de Estado

Referente à ligação com a Embaixada, reconhece que, por razões óbvias, há maiores facilidades para os residentes em Brasília – a Capital Federal.

“Em termos de atendimento, os funcionários da Embaixada são super-receptivos e sempre disponíveis, buscando atender a todos”, avalia, enaltecendo as melhorias introduzidas na sistematização e digitalização de documentos no País e que, também, “impactaram, positivamente”, no Brasil, “apesar de atrasos, burocracia e alguns serviços ainda não disponíveis”.

Para Monteiro, “o grande acerto a ser feito” tem a ver com a criação de uma Política de Estado, voltando para a convergência, entre a representação oficial e a informal, entre a diplomacia e a “morna”, entre o institucional e o pessoal.

“Ou seja, em que medida temos uma Política para a união de esforços entre as embaixadas e os emigrantes, no sentido de divulgar Cabo Verde?”, questiona, defendendo que esse potencial precisa ser explorado, se se considerar que “cada cabo-verdiano é um embaixador cultural, assim como foi Cesária Évora”.

Assim sendo, o que o País “precisa vender aqui, no Brasil é a Cultura e a ‘existência’ das nossas IIhas”. E argumenta: “A sinergia que pode ser gerada entre a instituição e os estudantes, seria fundamental para puxar os brasileiros para o nosso Turismo e diversificá-lo”.

“Potencial” desaproveitado

Lançando um olhar às capacidades, conhecimentos, habilidades e saberes dos cabo-verdianos no exterior, Monteiro lamenta e estranha o facto do “potencial” não estar , ainda, “a ser aproveitado como deveria ser”.

Para o interlocutor do A NAÇÃO, essa é outra questão, que precisa de uma Política Estatal, destacando, contudo, algumas iniciativas “louváveis” levadas a cabo, designadamente, a Organização do Encontro de Quadros Cabo-Verdianos no Exterior.

“Cabo Verde nasce com a Emigração, tanto pela Colonização quanto pela Independência. Precisamos entender que Diáspora não é apenas remessas dos emigrantes. É sim, um celeiro de ‘cérebros’, mas que não está em fuga”, sustenta, em jeito de reclamação, reconhecendo, porém, que “o País não tem capacidade e condições de absorver” todos os seus quadros.

Mesmo assim, destaca que Cabo Verde tem “a sorte” de ter emigrantes que não se esquecem das suas famílias, Cultura, e do “compromisso voluntário” que fazem, de contribuir para o desenvolvimento do seu País.

Transição

O Mundo está transitando para “um nova realidade”, que só o futuro confirmará o desfecho. “Se tudo correr bem, o povo respeitando as normas, o contágio será controlado logo, antes mesmo de muitos países que estão na luta há tempos. Voltaremos ao ‘novo normal’, mas os impactos da Crise permanecerão por um bom tempo”, prognostica, frisando que, como a Economia e o Turismo cabo-verdianosão voláteis às externalidades, será necessário lidar com a queda no Turismo.

O pós-Covid-19 demandará, também, cuidados redobrados, pois, o turista pode não vir tão cedo, mas o vírus pode voltar.

“Precisamos, mais do que nunca, deixar de lado as reclamações e a vergonha de ganhar dinheiro (escolher trabalho). Devemos abandonar a ideia do

paternalismo estatal; ter pró-actividade e criatividade”, sugere, relevando que, como dizem os brasileiros, é preciso “se virar”, “ralar” e “correr atrás”.

Projectos

Antes mesmo de partir para o Brasil, Monteiro sabia que “queria voltar, logo quanto possível”, para dar o seu contributo.

“Fiz disciplinas de manhã, tarde, noite e nas férias, conseguindo terminar o Curso em três anos e três meses. Porém, ainda cá estou (Risos)”, confessa, revelando que, devido a “compromissos familiares”, acabou ficando, mas que a sua “alma bate é por Cabo Verde”, indo “passar os meus dias em Fontaínhas (Risos)”.

Por enquanto, canaliza esforços de lá para cá.

Em 2016, começou com uma iniciativa filantrópica, de carácter social, educacional, cultural e espiritual, denominado: “Missão Cabo Verde (MCV)”, cujo foco é realizar projectos, servindo como ponte de mobilização de pessoas e apoio ao Arquipélago.

Conseguiu parcerias e vários professores brasileiros vieram participar num evento académico de três dias.

Dos seus projectos académicos, muito dependerá a receptividade e “o apoio mínimo” em Cabo Verde. “Não se trata de dinheiro, mas sim, de uma via para que as coisas possam fluir”, esclarece.

Na viagem de 2016, conseguiu apoio do Brasil para criar um Centro de Diagnóstico e Mapeamento de Anemia Falciforme, que ficou “travado”.

Como ainda está longe, quer trabalhar com a criação de conteúdos no “Youtube”, tratando da realidade, História e Cultura cabo-verdianas; a par da Diáspora; Estudos; Empreendedorismo e Espiritualidade.

“Estou trabalhando para a criação da Associação Cabo-Verdiana de Liberdade Religiosa; Associação dos Profissionais e Empreendedores Adventistas de Cabo Verde; e a Sociedade Criacionista Cabo-Verdiana”, revela, lembrando que tem publicado artigos de opinião em jornais, que faz “com muito gosto”, com a intenção de continuar a fazê-lo, uma vez que “precisamos fortalecer a ideia de A NAÇÃO”.

Repto?

Monteiro deixa o desafio de se buscar, constantemente, a unidade, pois, “sendo residente ou estando na Diáspora, sendo governante ou não”, todos são desafiados a continuar a concretização desse sonho chamado Cabo Verde.

“Para isso, precisamos lembrar do princípio ‘Unidade e Luta’. Lutar por um Cabo Verde melhor está no nosso DNA e a unidade no nosso nascimento. Então, tudo começa aí”, conclui.

Milton Monteiro

“Um ateu político” que valoriza Política e Cidadania

Natural de “Djarfogu”, “Ilha abandonada, mas queridíssima e que muito contribuiu” para Cabo Verde, Milton Jonas Monteiro nasceu em São Filipe, com origens no Concelho dos Mosteiros.

Na Ribeira do Ilhéu, passa a sua infância e aprende, desde cedo, que para o cabo-verdiano que não tem esperança de “Bai Merka”, resta-lhe, apenas, duas opções: enxada ou caneta.

Estuda até o décimo ano nos Mosteiros, terminando na Praia, no Liceu “Domingos Ramos”.

Em 2006, ruma para o Brasil, onde estuda até 2017.

Cursa Administração de Empresas na Universidade de Brasília, onde ganha Bolsas de Mérito e faz Mestrado e Doutorado, na área de Logística e Gestão em Transportes.

“Devo muito ao Brasil, por ter financiado grande parte dos meus estudos”, reconhece, notando que cursou, também, Diplomacia.

É Professor Efectivo na Universidade Federal do Tocantins (UFT), casado com uma enfermeira brasileira, e pai de um filho, de um ano e três meses, seu “pequeno cabo-verdiano promissor”.

Possui publicações científicas em revistas e anais de congressos brasileiros e internacionais, participa em composição de equipas de trabalhos, estudos e projectos, assim como, em bancas examinadoras de trabalhos e avaliação de artigos.

“Sou ateu político (Risos), apesar de valorizar a Política e a Cidadania. Sou apartidário; cristão protestante e membro, desde a infância, da Igreja Adventista do Sétimo Dia, onde me ensinaram a ser gente, ter amor ao próximo e viver por uma causa”, remarca Milton Monteiro.

Defesa de Mestrado na Universidade de Brasília, 2017.

 

(Publicado no A NAÇÃO (digital), nº 666, de 04 de Junho de 2020)

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