Por: António Carlos Gomes
No Ocidente, o vírus do Corona e a doença que origina não mataram ninguém. Quem matou e continuará a matar foi uma política de saúde que, em nome do equilíbrio orçamental e da inovação levou à redução draconiana dos investimentos públicos no setor da saúde, à privatização dos hospitais públicos, à imposição do critério da rentabilidade financeira aos hospitais públicos, à primazia do direito económico sobre o direito social e à erosão dos ganhos sociais ocorridos entre 1945 e 1975.
Desinvestimento na vida
Ao mesmo tempo que se desinvestia na saúde, os países ocidentais fizeram, em nome da estabilidade e da segurança, avultados investimentos nos armamentos para se precaver contra um inimigo inventado, a Rússia, esquecendo a célebre “Europa: A nossa Casa Comum” do visionário Gorbatchev.
Foi esta política de investimento massivo na matança, e não na vida, que fez com que os hospitais dos “basofos G7” não estivessem preparados para fazer face à pandemia. Todos nós vimos, nas vésperas das eleições no Reino Unido, o estado calamitoso dos hospitais públicos naquele país denunciado pela Imprensa com o único propósito de inverter o curso da história.
Hospitais sem condições para enfrentar pandemia
Alguém com o mínimo de bom-senso duvidaria que aqueles hospitais não estavam preparados para fazer face a uma crise sanitária? Não creio! Na verdade, a grande maioria das pessoas que perderam a vida no Ocidente descansaram porque os hospitais não tinham equipamentos de qualidade e em quantidade suficiente.
Amiúde, as televisões europeias mostraram médicos a lamentar perdas humanas dizendo que as pessoas estavam a morrer de sintomas que, em outras circunstâncias, não os matariam porque haveria equipamento para os salvar e que, frequentemente, tiveram que fazer o “dó-entró” ou o “silimbique inbique” para se saber quem se deveria deixar morrer.
Mas bem antes da pandemia, as televisões também mostraram diretores de hospitais a pedirem mais investimentos e políticos a dizer que os gestores dos hospitais deveriam ser inovadores e que o problema era isso e não falta de investimentos.
Neste ponto, a inevitável questão é: durante a pandemia, quantas vidas ocidentais salvaram os F-35, os tanques, os bombardeiros, os Migs, os submarinos e navios de guerra, as bombas, as metralhadoras etc.? E quantas vidas teriam sido salvas se estes investimentos tivessem sido feitos na saúde?
“O trabalho deixou de ser garante de estabilidade e segurança para as famílias, situação agravada pela liquidação do sistema de proteção social, levando os trabalhadores, numa situação como a desta pandemia, a ter que escolher entre a fome e a morte.”
Ocidente deve rever suas prioridades
Pois é, ao investir na matança, o Ocidente encontrou a morte. Esta é a dura verdade e a única que pode levar os ocidentais a rever a sua prioridade de investimento. E, consequentemente, vimos, claramente, que o que se passou em França, no Reino Unido, na Itália, na Bélgica e em Espanha obriga-nos a redefinir o conceito do terceiro-mundo e a reconhecer a urgente necessidade de os ocidentais aprenderem com nós, africanos, como se deve cuidar dos pais.
Mas a pandemia causada pelo SARS 2 tem algo de positivo para o Ocidente: provou-lhe que não estava preparado para um acidente nuclear de grande envergadura pelo que só lhe resta uma alternativa: desnuclearizar porque, cedo ou tarde, haverá acidente nuclear no Ocidente.
Que ninguém pense que o Ocidente está imune a acidentes nucleares. E trouxe também uma outra lição: que as políticas públicas que promoveram a deslocalização, em nome da supremacia do direito económico sobre o direito social, que levou a erosão do bem-estar social dos trabalhadores, mata. Caramba! Até de máscaras, o Ocidente depende da China para fazer face a pandemia. Custou caro, a deslocalização! Dá para pensar! Não é verdade?
Ter que escolher entre a fome e a morte
E, ao mesmo tempo que se feria o sistema de saúde, se desmantelou o sistema de welfare europeu promovido pelo Beveridge, portanto um conservador, logo após a Segunda Guerra e que tinha, desde 1950 até 1975, reduzido, de forma significativa, a desigualdade na distribuição de rendimento e consolidado o principio da solidariedade em toda a Europa.
Fizeram-no adotando medidas que levaram ao desaparecimento da tributação do capital, a flexibilização salarial que se traduziu na redução do salário não acompanhada por uma diminuição, proporcional, do preço causando, por esta razão, uma erosão do poder de compra dos trabalhadores.
Em suma, o trabalho deixou de ser garante de estabilidade e segurança para as famílias, situação agravada pela liquidação do sistema de proteção social, levando os trabalhadores, numa situação como a desta pandemia, a ter que escolher entre a fome e a morte exigindo o levantamento do confinamento revelando esta exigência, os danos sociais e económicos que as politicas adotadas na Europa causaram as famílias. E o pior de tudo isto, para além da perda de vidas, é ver países europeus a não suspender, em plena pandemia, as aquisições de material bélico, isto é, a não priorizar investimentos na manutenção da vida, mas sim da morte.