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Opinião

Violência contra animais: Uma sociedade justa, solidária, inclusiva e tolerante não se constrói com a violência impune

Cortar as mãos, espancar ou enforcar em praça pública ou até mesmo queimar ao vivo seres humanos foram práticas outrora aceites, assim como o trabalho infantil ou o abandono das crianças. Porque não são permitidos na civilização de hoje?

As civilizações regem-se por um conjunto de valores que representam a escolha do que a sociedade considera desejável, tolerável e inaceitável. A sociedade cabo-verdiana opta por seguir a linha de evolução ocidental que não é tolerante perante a violência física ou psicológica e aderiu a várias convenções internacionais contra a violência.

O ser que é vítima de violência, seja humano ou outro animal, sente medo e dores e experimenta um grande sofrimento que manifesta através da tentativa de fuga, a expressão corporal e facial do medo, a vocalização por gritos, choro ou gemidos que pode levar a agonia e à perda de vida. Enquanto isso, o agressor sente ira e a vontade de controlar, destruir. Porque não para ao ver tamanho sofrimento que está a causar? Em muitos casos quanto mais consegue magoar, maior é a satisfação que sente. Há quem sinta prazer na tortura ou mesmo excitação sexual.

É normal ou é permissível algum grau de violência? Qual é a causa do comportamento violento e porque pode ser aceite até certo ponto por determinadas comunidades?

As pessoas que praticam violência não conseguem controlar seus impulsos de agressão, sentir empatia e compaixão, ficando assim indiferentes pelo sofrimento do outro. Trata-se de uma desordem grave da personalidade com incapacidade de se ajustar aos valores hoje aceites pelas sociedades modernas. Estudos da psicologia criminal demonstram que a maioria destes atos, por volta de 90%, são cometidos pelo sexo masculino, indivíduos violentos também com os animais, principalmente com cães e gatos que vivem com a família ou nas proximidades, porque são os mais vulneráveis.

Os autores dos crimes mais violentos contra mulheres e crianças, frequentemente, membros da família, em 80% maltratam animais de companhia e são indiferentes perante o sofrimento que é-lhes provocado pela tortura. Impulsionados pela vontade de dominar e controlar voltam a agredir cães, gatos, crianças, idosos e mulheres. Se o agressor for do sexo feminino, seu alvo principal são as crianças e os animais de companhia, batendo e negando comida, água e os cuidados básicos. As crianças que crescem em ambientes violentos onde a agressão faz parte do cotidiano, ficam traumatizadas e acabam, com grande probabilidade, por agredir os animais de companhia como o cão ou o gato, passando mais tarde para agressão contra pessoas, as mais vulneráveis. Os rapazes são mais propensos a este tipo de desvio da personalidade. Em comunidades onde a violência é praticada abertamente e com frequência, ela acaba por ser aceite impulsionando os comportamentos antissociais.

Deste modo, nas últimas duas décadas a psicologia dedica uma atenção especial aos maus tratos e à violência contra os animais de companhia, especialmente cães e gatos que vivem em família. Os estudos revelam uma relação direta entre a violência contra estes animais e contra os humanos. Por esta razão, os códigos penais de vários países, não só estabelecem pena de prisão para maus tratos e crueldades contra animais de companhia, como os trata com a mesma gravidade que crimes cometidos contra pessoas.

Portanto, a tortura, as crueldades e os maus tratos de animais de companhia, são comportamentos antissociais que indicam o desvio grave da personalidade, a falta de empatia e a indiferença, de quem os comete, perante o sofrimento do outro e, como tal, não devem ser tolerados para o bem da saúde da sociedade.

Em Cabo Verde, estes comportamentos ainda não mereceram atenção em foro da criminologia e, pela primeira vez, está na ordem do dia a introdução no código penal do maltrato e do abandono de animais de companhia, revelando um grande avanço nesta matéria.

Cabo Verde não está isento da violência contra os animais de companhia. Chocados, ouvimos o relato de crianças na zona de São Francisco, Ilha de Santiago, segundo o qual, com o consentimento dos pais, têm o hábito de torturar e enforcar cães. Como temos testemunhado no Fogo, em Santo Antão ou na Ilha de Santiago, o envenenamento, o enforcamento ou o espancamento até à morte infelizmente são práticas frequentes de câmaras municipais, mesmo em ato público.

Presenciamos em 2019 à captura violenta e brutal de cães que foram assumidamente eletrocutados pela Câmara Municipal da Praia. Tais atitudes são das mais graves por parte das entidades encarregues da proteção e gestão destes animais, que assim promovem abertamente a violência. Porque iria sentir-se inibida qualquer pessoa perante tais impulsos? Há dois anos assistimos por vídeo ao espancamento de um gato à paulada até morrer, com extrema crueldade pelo próprio dono, o que não teve consequência qualquer. Algum tempo atrás circulou nas redes sociais a imagem de cães enforcados em São Vicente. Corpos mutilados de 7 gatinhos bebés foram encontrados em contentor de lixo na Praia. Recentemente foi um grupo de criadores de gado que se organizou e matou, à paulada, dezenas de cães.

São alguns dos muitos casos que acontecem diariamente. Até que ponto a população está afetada é revelado pelas opiniões a favor de uma ou outra destas práticas o que representa significativo alerta para as autoridades competentes e toda a sociedade.

Uma sociedade justa, solidária, inclusiva e tolerante não se constrói com a violência impune. Atrás destes atos horrendos esconde-se a desordem da personalidade. Como disse o grande pensador, Immanuel Kant já nos anos 1700: “Podemos julgar o coração de um homem pela forma como ele trata os animais”.

Ref. principais

Johnson SA. Animal cruelty, violence: the missed dangerous connection. Forensic Res Criminol Int

Hodges C.  The Link: Cruelty to Animals and Violence Towards People, Michigan State University College of Law

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