Por: Mónica Rodrigues
Reconhecendo que a mudança climática é uma preocupação comum da humanidade e de Cabo Verde em particular pela sua condição de pequeno Estado insular, como referenciados nos vários documentos do quadro jurídico e político internacional para mudanças climáticas, os governantes devem, ao adotar medidas para lidar com a mudança climática, respeitar, promover e considerar suas respectivas obrigações em matéria de direitos humanos. Daí, a necessidade de evocar a responsabilidade de todas as entidades individuais e públicas de respeitar, proteger e preservar o mundo natural e o ecossistema marinho de suas aflições antropogênicas (causadas por seres humanos).
Durante décadas, os eventos climáticos têm provocado migração forçada da população jovem cabo-verdiana, assim como a fuga de cérebros e quadros qualificados para o exterior, em parte decorrente das políticas públicas deficitárias capazes de responder aos desafios da juventude, assim como a inovação e medidas da adaptação às condições climatéricas do país. Por conseguinte, o despovoamento das ilhas agrícolas, o aumento das desigualdades sociais e a pobreza a nível nacional, afetando principalmente as mulheres, crianças e os jovens.
Os fenómenos climáticos extremos, bem como as mais variadas problemáticas sociais inerentes às alterações climáticas, como a nossa “estimada” seca cíclica, a escassez da água, a erosão do solo e a desertificação têm colocado à prova a nossa resiliência, enquanto seres arquipelágicos com forte dependência agrícola. Tais fenómenos vêm ameaçando a soberania alimentar do povo das ilhas, principalmente nas zonas rurais onde a população depende totalmente de agricultura de sequeiro. Esta cena enquadra a nossa história enquanto país insular e Cabo Verde deveria começar a dar mais atenção às mudanças dos hábitos alimentares com foco nos recursos marinhos, em vez de apostas em produtos importados, que muitas vezes ultrapassam a nossa capacidade de controlo sanitário.
Nesta perspectiva, o mar não seria apenas fustigador da emigração, das saudades e inspirações para os poetas, músicos e artistas, mas também a nossa principal fonte de alimentação, de manifestações culturais e espirituais.
De acordo com a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável das Nações Unidas, os oceanos, os mares e as áreas costeiras são os maiores ecossistemas do planeta e uma riqueza do património natural. Eles também são vitais para os meios de subsistência e segurança alimentar de bilhões de pessoas em todo o mundo. Infelizmente, esses recursos capazes de fornecer empregos e nutrição ao longo prazo já estão sob pressões das atividades económicas humanas e está sendo cada vez mais ameaçadas pelo aquecimento global acelerado e desenvolvimentos fragmentados, descoordenados e frequentemente em conflito com o que a ciência nos diz que é ecologicamente viável e sustentável.
O sector da pesca, apesar da sua reduzida contribuição no PIB, tem um valor imaterial e cultural importante na história do país. Ultimamente, tem-se investido grandemente na indústria pesqueira, contudo, ao longo dos anos tem registado uma diminuição das capturas, resultando na escassez de pescado e o aumento de preços. Portanto, a minha proposta é apostar na aquacultura e num dos seus modelos, a maricultura. É uma alternativa que teria impactos económicos, ambientais e na saúde pública, principalmente na saúde das mulheres que vivem de apanha de areia. A aquacultura é também considerada uma parte significativa e crescente da economia azul ou marítima embora pouco explorada ainda em Cabo Verde. Segundo Márcia Costa do Instituto Nacional de Desenvolvimento das Pescas (INDP), no documento intitulado “Projecto para o Desenvolvimento da Maricultura em Cabo Verde”, o clima do país favorece essa prática uma vez que na temperatura tropical a produtividade é bastante alta e de igual modo possui grandes potencialidades económicas, apesar de requerer grandes investimentos de base e investigações na identificação de espécies com potencial de adaptabilidade para a maricultura, prospeção das espécies nativas, estudos do conteúdo estomacal e da biologia reprodutiva das espécies selecionadas.
Por outro lado, o cultivo de algas poderia ser também uma das outras alternativas que poderá gerar rendas e suprir as carências alimentares e nutricionais nas populações. No caso da macroalga, está sendo explorado a possibilidade do seu uso como matéria prima em várias frentes de produção, de cosméticos a biocombustível, sendo em alguns casos, com passos de experimentação já muito avançados.
Entretanto, a necessidade de uma abordagem coerente, integrada e justa baseada na ciência com uma perspectiva da equidade de género é importante para assegurar que o desenvolvimento da economia azul ou marítima contribua para a prosperidade e a resiliência da população local a médio e longo-prazo. Além disso, a criação dos nichos de mercado no sector de produção de macroalgas e cultivos de bivalves (ostras, mexilhões, amêijoas, etc.) orientados para o consumo interno são determinantes para o desenho estratégico das suas cadeias de valores tanto a nível interna como externa, com escolhas de parcerias estratégicas que permitiriam criar condições favoráveis para a efetivação de uma economia azul inclusiva e sustentável em Cabo Verde, assim como a criação de empregos dignos para os cabo-verdianos e as cabo-verdianas.
Consequentemente, é necessário uma aposta na mudança de padrões e hábitos alimentares de forma a enriquecer a dieta da população, como também as transferências de know-how e de tecnologias marinhas que sejam inclusivos e distribuídos equitativamente a nível nacional em consonância com os instrumentos jurídicos no quadro das convenções das Nações Unidas sobre os direitos dos Oceanos (UNCLOS).
A adaptação e a resiliência climática demandam ações para além das plantações de árvores, reciclagem dos resíduos, etc. que também são importantes no processo de mitigação dos impactos climáticos e contribuem, igualmente, para a redução da discriminação ambiental. De realçar que o problema é estrutural, por isso requer consciencialização social e ambiental, assim como mudanças na forma de se fazer políticas que possam incluir todos e todas, independente da classe social do indivíduo, da sua cor da pele e partidária, bem como a sua origem na consolidação da dignidade humana. Neste sentido, é um imperativo que a violência estrutural das instituições públicas e políticas herdadas do processo colonial sejam erradicadas através de uma profunda consciência ambiental que ponham as pessoas no centro das decisões estratégicas de desenvolvimento local e sustentável.
Por outro lado, a falta de informações e instrumentos de financiamentos para mobilização e promoção das ações climáticas adequadas, são os grandes desafios para uma transição justa e equitativa. Portanto, a participação ativa dos jovens na mobilização dos recursos para ações à volta do clima é um passo importante para promover a justiça social e a criação de um ambiente que oferece segurança psicológica e proteção jurídica dos envolventes na manifestação dos seus direitos à liberdade de expressão preceituados constitucionalmente. Como resultado, fazer com que as suas vozes e as dos invisíveis, dentro da estrutura social de dominação e de represálias, sejam ouvidas, respeitadas e tidas em consideração na formulação das políticas públicas.
A justiça climática preconiza mudanças estruturais globais, como também a transição energética e uma aposta nas alternativas com base na economia ecológica e feminista, assentes no uso racional e sustentável dos recursos naturais que não apropriam nem do corpo da mulher nem da terra e dos mares.
Com isso, recomenda-se maior investimento na comunidade científica que com base nos objetivos claros previamente definidos possam desenvolver pesquisas, tendo em consideração a integração dos conhecimentos locais e das mulheres na produção dos dados, que orientassem o desenvolvimento inclusivo e decisões das políticas públicas voltadas para a economia marítima e a preservação dos recursos naturais.
A união das forças entre o Governo, corporações, investidores, ativistas, associações, pesquisadores, população local e atores da promoção do género, nomeadamente o Instituto Governamental responsável, nesta matéria torna-se crucial na mobilização dos recursos e na promoção das ações climáticas que reforçam a integração das questões climáticas nas políticas de género.
O envolvimento do.a.s jornalistas e investigadore.a.s nacionais têm um papel importante na construção da opinião pública para a advocacia e melhorias de estratégias de adaptação e mitigação para alcançar as metas climáticas de longo prazo, no âmbito das medidas de contribuição determinada a nível nacional (NDC). Para isso, a criação de prioridades reais das ações de promoção da igualdade de género, políticas climáticas e de exploração de recursos naturais de forma a fomentar a criação de trabalhos decentes e de qualidade para as mulheres e jovens, sem a necessidade de instrumentalizar a pobreza e as mulheres em condições de vulnerabilidades para o benefício da visibilidade institucional e/ou de marketing pessoal e político.
Referências Bibliográfica
ODS 14 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. in “Conserve and sustainably use the oceans, seas and marines resources for sustainable development.” Transforming our World: The 2030 Agenda for Sustainable Development. United Nations, 2015.
Costa, M. . “Projecto para o Desenvolvimento da Maricultura em Cabo Verde”. Instituto Nacional de Desenvolvimento de Pescas- Departamento de Investigação Haliêutica e Aquacultura (DIHA), C.p 132, Mindelo S.Vicente, Cabo Verde. (s.d)
Bezerra, C. A. B.; Neto, T. M.; Alves, D. I. Cultivo de Macroalgas Marinhas do Género Gracilaria. Fortaleza: OCEC, 2004. 36 p
Kolkaila, A. Blue Economy in North Africa: Sectorial Analysis for Maritime Transport and Tourism. Tunísia: Outubro, 2018.
Documentos e Decisões. Convenções-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima.
(Publicado no A NAÇÃO (digital), nº 670, de 02 de Julho de 2020)