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Sociedade

Cidadãos contam como vêem Cabo Verde 45 anos após a independência

Vox Populi

 

Celeste Fortes – Antropóloga – São Vicente
Como vê Cabo Verde 45 anos após a independência?
Vejo-o como uma nação que se viabilizou, apesar de vários prog- nósticos negativos, porque era considerado um país inviável e sem quaisquer recursos. Diariamente, damos provas de que vencemos estes prognósticos, apesar de ainda termos uma longa estrada a per- correr para alcançarmos a igualdade social, política e económica para todas.

Se tivesse que decidir, quais as decisões que não deixaria de tomar?
Nunca deixaria de colocar a liberdade e a justiça social, económica e política, como direi- tos fundamentais e inalienáveis. As decisões estratégicas que tomaria passariam por colocar efectivamente a descentralização do país, de forma a não ferirmos os direitos e deveres dos ci- dadãos independentemente da ilha onde vivem. Outra decisão passaria por um investimento forte na investigação em todas as áreas, porque não existem políticas públicas eficazes sem investigação.

Quais não tomaria de jeito nenhum?
Nunca tomaria a decisão de violar a democracia, sobretudo a democracia participativa. Pre- cisamos investir mais na participação cívica e estimular o dever e o direito à participação e não deixar o futuro da nação “apenas” nas mãos de representantes eleitos, sobretudo porque nem todas têm desempenhado este papel com rigor e colocando os interesses nacionais acima de interesses partidários.

 

 

 

Indzayz Fortes – Rapper – Santo Antão
Como vê Cabo Verde 45 anos após a independência?
Cabo Verde está pior do que se queria e melhor do que se esperava, ou seja, não atingimos o que Amílcar Cabral idealizou, mas, até certo ponto, conseguimos gerir bem a situação em que nos encontramos.
Muita coisa precisa ser melhorada a todos os níveis – por exemplo, o nosso sistema de saúde. Temos hospitais completamente despreparados para lidar com situações de crise. O sistema de educação também. Veja como a Covid-19 expôs problemas graves. Os alunos foram obrigados a terem aulas à distância sem recursos para tal, porque a internet falha e a televisão também. Mas acredito no “construir”, no “fazer”. Acredito que esses anos nos têm trazido lições valiosas que servirão de espelho para os anos vindouros. Amanhã certamente estaremos melhor se aprendermos hoje.

Fiquei contente ao saber que Cabo Verde e Israel estavam a falar sobre métodos de gestão da água, agricultura e segurança nacional. É desse tipo de acções que precisamos, procurar exemplos em países que tem conseguido lidar com os mesmos problemas que nós. Ainda acho que temos muito a ganhar se voltarmos cara para o nosso próprio continente, como por exemplo para países como o Senegal no ramo da medicina e outros.

Se tivesse que decidir, quais as decisões que não deixaria de tomar?
Nunca deixaria de pôr os interesses da população à frente dos interesses pessoais e partidários, por mais que isso custasse o meu cargo no partido.

Quais não tomaria de jeito nenhum?
Nunca tomaria decisões que prejudicassem as pessoas, principalmente os mais vulneráveis. Afinal deve-se governar para o povo, se o povo não está bem a governação não está sendo bem-feita

 

 

Hélder Dias – Estudante – São Vicente
Como vê Cabo Verde 45 anos após a independência?
De uma forma geral, posso afirmar que houve melhorias signi- ficativas no que concerne aos indicadores económico e social. Con- tudo, se olharmos para as políticas delineadas desde a indepen- dência a esta data, do meu ponto de vista estão quase estagnadas, para não dizer que houve retrocesso.

Isso deve-se, em primeiro lugar, ao sentido de pertença por parte de alguns políticos relativa- mente à luta pela independência, uma luta que foi de todos com vista a um bem comum que era a independência de dois países que já não aguentavam o colonialismo; por outro, o jogo político no que tange a datas que marcaram a história do país, no qual cada partido comemora com maior ou menor grau de importância, de acordo com aquilo que se sente identificado. O que demonstra um desinteresse pela nossa História.

Se tivesse que decidir, quais as decisões que não deixaria de tomar?
Apostaria mais na juventude não com palavras, mas com medidas no terreno, porque não pode ser aceitável num país maioritariamente jovem, após 45 anos de independência, ainda as políticas viradas para a juventude não se fizerem sentir. Eu proibiria que reformados da Função Pública fossem recrutados para trabalhar – meia dúzia de políticos ou gestores assim o entendem – deixando milhares de jovens formados a mercê da sua própria sorte. Isto mostra, de forma des- carada, o desinteresse dos que gerem este país para com a classe jovem.

Criaria um diploma de limite de mandato para os políticos e diminuiria as regalias para os mesmos. Ora, uma vez que o Zé da Esquina, que recebe um salario mínimo de 15 mil escudos, tem de pagar todas as suas despesas, nada mais justo que uma pessoa que aufere um salário de mais de 150 mil escudos também o fizesse.

Quais não tomaria de jeito nenhum?
Uma medida que eu não tomaria era essa mania que temos de recrutar empresas estrangeiras para fazerem estudos de várias ordens nas entidades públicas como são os casos de auditoria, es- tudos de viabilidades e assessoria política nas campanhas.

 

 

Cleiton do Rosário – Professor Educação Física- São Vicente
Como vê Cabo Verde 45 anos após a independência?
De acordo com os meus estudos e visto que o meu trabalho de fim de curso foi sobre o Desporto em Cabo Verde antes da independência, eu notei uma evolução significativa já que conseguimos andar com os nossos próprios pés, mesmo que por vezes é inevitável depender de outrem. Mas eu dou nota positiva para a evolução a partir da independência, vejo um Cabo Verde mais “adulto”.

Se tivesse que decidir, quais as decisões que não deixaria de tomar?
Livre-trânsito de estrangeiros vindos do nosso vizinho Portugal, visto que eles são muito importantes na criação de novos postos de emprego e abertura de novas oportunidades para muitos cabo-verdianos.

Quais não tomaria de jeito nenhum?
Não deixaria a Binter “comandar” os transportes aéreos tendo em conta os preços exagerados dessa companhia. Nunca permitiria também que a Cabo Verde Airlines deixasse de viajar por causa de dívidas. Faria de tudo para que não houvesse monopólio nos transportes aéreos.

 

 

 

Isabel Moniz, Presidente da Associação Colmeia – Cidade da Praia
Como vê Cabo Verde 45 anos após a independência?
Vejo um país em franco desenvolvimento, ainda com muitas desigualdades sociais, mas com grande potencial em recursos humanos e com muito trabalho por fazer para que se possa combater estas desigualdades e trabalhar para um crescimento inclusivo onde todos poderiam sentir o crescimento e fazer parte dela. O país poderia ter investido mais na Protecção Social e de uma forma transversal que não deixasse ninguém de fora.

Se tivesse que decidir, quais as decisões que não deixaria de tomar?
Decidiria pela abrangência da Protecção Social nos dois regimes, ou seja, o contributivo e o não contributo. Não deixaria nenhuma criança e jovem com deficiência sem cobertura a nível das terapias que são importantes para o seu desenvolvimento. Também alargaria essa cobertura a qualquer adulto que sofresse um AVC (trombose) e precisasse de uma protecção para a melhoria da sua qualidade de vida no seu dia-a-dia.
Sendo assim, tomaria medidas transversais para que a Protecção Social fosse uma oportunidade para cada cidadão, principalmente para os que mais precisam. Também faria tudo o que estivesse ao meu alcance para que esse sistema tão importante fosse coeso e sustentável.

Quais (decisões) não tomaria de jeito nenhum?
A decisão que nunca tomaria é mexer nas prestações sociais daqueles que vivem numa situação de pobreza e para os quais essas prestações constituem autênticos meios de sobrevivência.

 

 

Bob Mascarenhas – músico, Santa Catarina
Como vê Cabo Verde 45 anos após a independência?
Nestes 45 anos Cabo Verde desenvolveu-se muito a nível das infraestruturas, cultura e da própria mentalidade do povo. Hoje somos um povo alegre de muita paz e harmonia.

Se tivesse que decidir, quais as decisões que não deixaria de tomar?
Caso fosse eu a decidir, apostaria fortemente na preservação da nossa cultura, história e identidade. Sinto que estamos a perder estes valores. As nossas crianças desconhecem as raízes da cultura e história de Cabo Verde. Porque já não se ensina como deve ser. E por isso há muita confusão.

Quais não tomaria de jeito nenhum? 
A decisão que não tomaria neste momento seria no campo político. A nível da política parece que tudo está virado cabeça para baixo. Os políticos estão a encarar as coisas a nível pessoal ou partidário, sem pensar nas prioridades do país e muito menos nas prioridades do povo.

 

 

 

Eder Brito, Jurista, São Vicente
Como vê Cabo Verde 45 anos após a independência?
É uma pergunta de resposta complexa. De todo este período, só vivi os últimos 32 anos. Porém, considero Cabo Verde um país livre, com um regime pluripartidário, dotado de instituições democráticas que têm procurado encontrar soluções para si. Mas entendo também que somos ainda um país novo, o que leva a que várias instituições ainda estejam numa fase bastante embrionária de funcionamento.
Acredito que, apesar dos 45 anos de independência, Portugal ainda tenha uma enorme influência sobre a realidade cabo-verdiana. Existe uma enorme importação de know how, ouso dizer que, Cabo Verde procura funcionar da mesma forma que Portugal, temos exemplos de como a nossa Constituição, muito parecida com a portuguesa, o sistema de governo, o sistema político, a forma de Estado. Temos um país insular administrado de forma unitária, por exemplo, o que acho não fazer sentido. O sistema de educação é muito semelhante ao português, a nossa legislação é, praticamente, toda ela, decorrente de uma importação ou cópia da portuguesa.
Portanto, penso que, Cabo Verde ainda está longe de ser um país auto-suficiente. A independência garantiu-nos a possibilidade de alcançarmos essa auto-suficiência, quer seja num plano político, económico, ou judicial, para que, assim, possamos tomar as melhores decisões e criar um sistema que advenha da realidade da nação cabo-verdiana, e que, não seja, meramente, importada e pouco adaptada.

Se tivesse que decidir, quais as decisões que não deixaria de tomar?
Vejo um certo descaso com aqueles que lutaram pela nossa independência, inclusive com Amílcar Cabral. A luta pela libertação de Cabo Verde é um fenómeno distintivo que define o patriotismo e o orgulho de ser Cabo-verdiano, e fico triste quando identifico que muita gente, crianças e adultos, não nutrem os devidos sentimentos por este fenómeno que foi a libertação de Cabo Verde e pelos seus intervenientes. Portanto, no que tange à educação, precisamos de reformular o modo como ensinamos às crianças sobre as dificuldades vividas durante o período colonial, a necessidade da luta pela libertação e a coragem de quem a promoveu, e o orgulho de, em 5 de julho de 1975, termos alcançado, finalmente, a nossa independência.
Sou a favor da remoção dos símbolos coloniais e escravistas das nossas urbes. Em São Vicente há uma praça que é a praça Amílcar Cabral, porém, se se for ver, tem dois bustos, nenhum é de Amílcar Cabral. Não podemos continuar a valorizar esses símbolos com a sua manutenção, e não valorizar decentemente aqueles que nos deram a nossa independência.
Cada vez mais precisamos de entender e quiçá reformular a nossa identidade cultural e social. Precisamos entender o que é Cabo Verde e quem é o cabo-verdiano. E isso se faz através de trabalhos científicos produzidos pelas universidades que analisam as dinâmicas sociais e culturais que ocorrem nas diferentes ilhas, que ponham problemas complexos e apresentem hipóteses de entendimento.
Cabo Verde tem uma sociedade extremamente complexa, se não a entendermos, corremos o risco de ficar nesse limbo eterno de desconhecimento de quem somos, o que queremos e para onde vamos. Repito, precisamos repensar a política da educação superior e da universidade pública, mais do que um lugar onde se consegue um diploma, tem de ser um ambiente que presta serviços para a comunidade onde se insere e que, efetivamente, cada vez mais, produza ciência sobre e para Cabo Verde.
Oficialização da língua Cabo-verdiana. Sou completamente a favor da oficialização do crioulo, mas também, entendo que é necessário um plano dotado de um estudo linguístico intenso sobre o crioulo cabo-verdiano, e assim se possa de forma assertiva defini-lo correta e cientificamente, para que tenha condições de ser devidamente ensinado, escrito e aprendido.
Descentralização administrativa. Cabo Verde precisa urgentemente de definir um sistema de descentralização que vá além do municipal sob pena das ilhas periféricas nunca mais se desenvolverem. Penso que cada circunscrição regional conhece melhor os seus problemas, e decerto encontrará melhor as suas soluções, para isso é preciso garantir que se faça isso a partir de um foco de poder local e não que seja feita a partir da capital, por exemplo. Penso que o segredo para o desenvolvimento de Cabo Verde está numa maior descentralização administrativa, e capacitação das estruturas locais de cada ilha.

Quais não tomaria de forma alguma?
Política de privatização desenfreada. Sou a favor do livre mercado e de que os privados têm de fazer parte do processo económico, mesmo no que respeita à prestação de serviços essenciais e de interesse público. Mas o Estado junto com as agências reguladoras têm de definir uma estratégia de regulação forte, já que, muitas vezes, certos prestadores de serviço têm como único interesse a produção e a obtenção de lucro, porém, tratando-se de serviços essenciais e de interesse público para a população, tem de se garantir a qualidade do serviço prestado ou do produto oferecido a um preço razoável para a capacidade financeira da população cabo-verdiana.

 

 

Pedro Lopes Filho – 23 anos, estudante de direito – Santo Antão
Como vê Cabo Verde 45 anos após a independência?
Cabo Verde é praticamente um milagre no oceano Atlântico. Nunca se chegou a imaginar que o arquipélago pudesse alcançar o desenvolvimento que tem hoje. E que tão pouco conseguiria gerar tantos recursos humanos, em contraste com a quase ausência de recursos naturais rentáveis, tão comuns no continente africano.
Se em 45 anos conseguimos tantas coisas, é pelo facto do povo cabo-verdiano ter a virtude de se adaptar às adversidades. Lutando constantemente para elevar a qualidade de vida, seja pela imigração, seja apostando na educação dos filhos. O que temos hoje, é fruto de uma árdua batalha travada pelos nossos ascendentes, em meio à fome, seca e muita humilhação. A democracia, embora siga gatinhando, é das melhores do continente. É justo dizer que que nesse âmbito estamos num bom caminho.
Claro que ainda há pobreza, claro que existe corrupção na Administração Pública, mas isso jamais impediu o povo de continuar lutando porque nós não apontamos culpados pelos nossos fracassos, nem tão pouco depositamos nossas esperanças em políticos. Sabemos bem conjugar o verbo: superar. E o resultado é um grande número de estabelecimentos comerciais; hoteleiros, plantações agrícolas, etc. Temos aeroportos (em quase todas as ilhas), portos, estradas, escolas, a Uni-CV, uma das melhores universidades que temos actualmente.

Se tivesse que decidir, quais as decisões que não deixaria de tomar?
Primeiramente, Cabo Verde possui uma extensa área marítima e um forte potencial agrícola pouco explorado, tanto é que, a maioria dos produtos que consumimos provém da importação. O sector turístico representa também uma grande fonte de renda para o país. E não esqueçamos de exaltar as condições geográficas que possibilitam, sem dúvida, a produção de energia limpa e barata. Se pudesse fazer algo pelo meu país, começaria por investir fortemente em tudo o que elenquei acima. Tenham a certeza que isso alavancaria a economia do país, geraria, com efeito, verbas suficientes para financiar escolas, hospitais, portos e aeroportos.

Quais não tomaria de jeito nenhum?
Cabo Verde, em consequência das más políticas, protagonizadas pelos sucessivos governos, tornou-se num país extremamente dependente de ajudas externas. Hoje é quase impossível vivermos só com o que produzimos, recorrer aos parceiros internacionais, mais do que um “capricho”, é uma necessidade! Obviamente que um país que é incapaz de se auto-sustentar, não é respeitado. Eu, pessoalmente, jamais tomaria aquelas decisões que criaram a situação que temos hoje. Existe uma falta de confiança por parte dos políticos nas potencialidades do arquipélago, por isso, nunca houve de facto investimento significativos na exploração nacional dos recursos naturais, e, como consequência, não produzimos quase nada, isto justifica o porquê do vício quase crónico em ajudas externas.

 

 

Hélvio Rodrigues – agente turístico, militante gay
Como vê Cabo Verde 45 anos após a independência?
Tenho 22 anos e considero que Cabo Verde teve uma evolução bastante visível em comparação com outros países, nomeadamente africanos, a nível do desenvolvimento da liberdade de expressão, de género e da homossexualidade. Somos dos primeiros países a ter uma associação LGBT. Considero que eu tive muita sorte em ter nascido num país como o nosso, onde conseguimos ser quem somos da forma que queremos, contudo, ainda temos muita homofobia.

Se tivesse que decidir, quais as decisões que não deixaria de tomar?
A primeira decisão seria a liberação do casamento homossexual, para que eu possa construir a minha vida, conseguir adoptar uma criança e ter uma vida normal, como qualquer casal hétero. Outra coisa também que eu, particularmente, mudaria seria relaccionada com o emprego. Se fores homossexual, normalmente tem aquele tabu por parte da sociedade, e temos duas portas que nos cercam, a moda e estética como manicure, pedicure, maquiagem. Precisamos mudar isso porque somos pessoas, conseguimos e estamos inseridos nos mais variados campos profissionais.

Quais não tomaria de jeito nenhum?
Fugindo da comunidade LGBT e falando como um jovem, talvez eu fechasse as fronteiras para mais chineses que almejam colocar os seus negócios em Cabo Verde. Atenção! Não é preconceito. Apenas, na minha forma de ver as coisas, eles estão a apoderar de muitas coisas no país, a fazer comércio e isso está a impedir o empreendedorismo local.
Um empreendedor local, dependendo da sua área de actuação, mas falando deste tipo de negócio, concretamente, tem dificuldade em lançar o seu produto ou construir a sua empresa, porque sempre para tirar as suas despesas e lucrar acabam por colocar um preço que alguns consideram ser absurdo e os chineses vendem esses mesmos produtos por um preço mais baixo, desfavorecendo ou desvalorizando aquilo que é nacional. Sim, somos um país que precisa deste tipo de investimento por parte dos estrangeiros, mas em demasia não deixa os cidadãos nativos desenvolverem.

 

 

 

Adalberto Teixeira – Professor, Santa Catarina
Como vê Cabo Verde 45 anos após a independência?
– Após a Independência, os sucessivos governos apostaram fortemente, sobretudo, na Educação e valorização dos seus recursos humanos. Construíram, em primeiro lugar, as infra-estruturas básicas, nomeadamente escolas para o ensino básico, postos de saúde e despois estradas, aeroportos, portos, liceus, universidades (com forte apoio da comunidade internacional) …

Se tivesse que decidir, quais as decisões que não deixaria de tomar?
Se eu tivesse que decidir, para além da aposta no turismo, apostaria fortemente na Educação, Saúde, mas também nas políticas de inclusão social. E uma das coisas que eu faria, era acabar com as barracas e os bairros clandestinos. A minha política habitacional seria que cada família tivesse uma oportunidade de ter uma moradia própria e condigna. Apostava também na valorização e formação (especialidade) dos profissionais de saúde.
Em termos de Educação/Ensino, aproveitaria essa pandemia para fazer uma profunda Reforma Educativa, desde o Pré-escolar ao Ensino Superior. Todos os programas, manuais escolares e Planos Curriculares seriam reformulados, passando por uma nova política de formação e capacitação dos professores e educadores, de modo a adequá-los aos novos tempos.

Quais não tomaria de jeito nenhum?
Entretanto, haveria algumas medidas que não tomaria de forma nenhuma. Por exemplo: nunca privatizaria as empresas públicas que, anualmente rendem milhões de contos de lucro para os cofres do Estado. Haveria sim, reforço no controlo e fiscalização dessas empresas. Por outro lado, também não abandonaria as populações do campo, principalmente os agricultores e criadores, numa altura em que vêm enfrentando três anos de seca consecutivos. As delegações do Ministério da Agricultura teriam um papel muito mais activo e interventivo em vários projetos, junto dessas populações. Aliás, uma das coisas que aprendemos com o Covid-19, é a importância dos alimentos durante o período de quarentena que esquecemos que na maioria são produzidos por agricultores e criadores.

 

 

Salvador Mascarenhas – Veterinário e Presidente do Sokols 2017- Mindelo
Como vê Cabo Verde 45 anos após a independência?
Primeiro, tivemos um período de partido único, bastante longo, contudo teve as duas partes: fizeram muitas coisas boas, mas tem outras que poderiam estar melhor. Não davam a oportunidade de ter ideias diferentes e isso atrasou muito o país. Depois entramos em uma democracia, onde o facto de ter somente dois partidos a dominar, uma sociedade muito partidarizada e não ter cidadania activa, talvez por culpa dos partidos que tentam abarcar tudo em suas esferas, faz com que a meritocracia não seja muito valorizada.
E, por outro lado, isso permite uma certa corrupção. Não estamos a usar bem os recursos de que dispomos, as ajudas que outros países têm dado a Cabo Verde. Para mim, tudo isto poderia ser mais potencializado. Às vezes temos a mania de comparar-nos com outros países africanos super atrasados, dos quais prefiro não citar nomes, dizendo que estamos melhor, mas não é bem assim. Há muitos países que estão melhores do que nós, que desenvolvem mais rápido. Isso é só uma ilusão que temos.
Andamos a desperdiçar os nossos recursos com incompetência, com viagens desnecessárias para hotéis cinco estrelas, as obras que são feitas várias vezes, porque à primeira não contrataram alguém competente da área para fazer o trabalho. São dinheiros gastos em prioridades duvidosas. O Estado investe em carros de luxo, em vez de carros mais baratos; são construídos edifícios grandes, como é o exemplo do Banco de Cabo Verde, em um país que possui 13% da população que passa fome, segundo dados das organizações mundiais, pessoas não tem acesso à água, à luz, a esgoto, a uma habitação condigna. Muita coisa já foi e está a ser feita, mas é preciso definir o que é realmente importante.

Se tivesse que decidir, quais as decisões que não deixaria de tomar?
Eu luto por um Cabo Verde harmonioso, equilibrado e justo. Há três coisas que eu defendo acima de tudo, e estão todas relacionadas: Primeiro, um forte combate à corrupção através da obrigatoriedade de transparência governativa. Todas as contas do Estado, todos os ordenados dos que trabalham para o Estado deveriam ser expostos na internet, de forma automática, onde todos os cidadãos teriam acesso.
Segundo, seria a meritocracia que está ligada à separação do Governo e do Estado, e este, o Estado, funcionaria por mérito de pessoas, que vão evoluindo na carreira, tempo de serviço e também por concurso, avaliados frequentemente. Não porque pertence a um partido, mas pelo seu desempenho.
Terceiro, seria a autonomia das ilhas. Não podemos ter um sistema centralista num país insular. É uma questão de evolução socioeconómica. E é importante ressaltar que autonomia não significa independência. É dar algum poder para que os problemas internos de cada ilha sejam resolvidos na própria ilha, sempre respeitando a Constituição de Cabo Verde, proporcionar a construção de um Senado com por exemplo dois deputados de cada ilha para discutir o orçamento de Estado, que pode abranger um órgão de coordenação da saúde, educação, etc. E tudo isso com o envolvimento da cidadania activa, com a consciência dos seus direitos e deveres. Relativamente à autonomia e regionalização, acho que deveria ter um gabinete para debates e encontrar o caminho certo.

Quais não tomaria de jeito nenhum?
Partido único é uma decisão que nunca deveria ser tomada. Outra decisão, nunca colocar riquezas nacionais nas mãos de estrangeiros. Aceita-se sim investimentos, mas sempre com uma salvaguarda nacional. Como por exem
plo, Cabo Verde InterIlhas, nós temos todos os recursos para geri-lo, mas porquê tivemos a necessidade de contratar um estrangeiro para fazer isso? E o mesmo aconteceu quando internacionalizaram TACV. Quando era doméstico funcionava lindamente. Depois chegou a Binter, e ela não está preocupada com Cabo Verde. Quer é lucrar e ponto. Claro que tem decisões que eu não tomaria, porque já sei de antemão o que deu errado, mas mesmo assim. São coisas que eu não faria.
Em relação à situação actual de Cabo Verde e do mundo, a pandemia da Covid-19, seria uma regra fazer os testes. Se essa doença começar a espalhar por todas as ilhas nós não temos nem teremos um sistema de saúde capaz de conter essa doença e seremos rapidamente engolidos por ela e entraremos em colapso.
Outro ponto é o centralismo. Temos diversas coisas que centralizaram, como a construção da escola de hotelaria que deveria ser feita numa ilha turística, no Sal por exemplo, ao invés da ilha de Santiago. A unidade de hemodiálise. No Barlavento temos muito mais casos de doenças renais. O programa Casa Para Todos foi mal planeado, tanto pelo MpD como pelo PAICV. Deveriam ser feitas casas mais baratas e mais funcionais e que pudesse ser verdadeiramente um projeto de habitação para todos.
Mas o mais importante de tudo é que precisamos começar a ouvir a população, tanto a nível nacional como regional. E isso não faz sentido, pois temos decisões que abarcam uma única ilha e essas decisões são tomadas fora dessa ilha. Como por exemplo, as obras na Praia da Laginha nunca falaram com a população nem com os banhistas ou surfistas. Nunca consultaram porque eles acham que o povo é burro, mas não somos. Temos de aprofundar a democracia nesse aspecto, promover a cidadania activa. O povo não costuma ser consultado então acabaram por alienar e as pessoas, cada vez mais, sentem que não fazem parte desse sistema.

 

 

 

Alexssandro Robalo – Cidade da Praia
Como vê Cabo Verde 45 anos após a independência?
O 5 de Julho representa, para mim, o culminar de um longo processo de luta do nosso povo rumo à emancipação total. É um marco simbólico e político de significado maior no nosso processo histórico, uma vez que se trata do momento em que passamos a assumir a nossa soberania e autodeterminação. Outrossim, representa o momento de ruptura com o colonialismo, e com isso o fim da subjugação e negação da nossa personalidade histórica. No entanto, as autoridades têm sido cada vez mais desleixadas com essa data e o seu respetivo significado. Todos os anos temos recebido este inequívoco sinal. Parece-me que as autoridades vêm abandonando não somente a data, mas, sobretudo, o que ela representa: independência total. Em vez disso, infelizmente, o significado da independência vem sendo deixado de lado de forma terrível… Quanto ao povo, penso vem dando vários sinais bastante positivos, principalmente da parte da nossa juventude. Há todo um conjunto de
organizações e individualidades que têm falado do assunto criticamente, inclusive abordando as inúmeras limitações da nossa independência. Vários eventos vêm sendo organizados para comemorar esta data, apesar da triste actuação das autoridades públicas. No fundo, é o povo que, aos poucos, vai apropriando dessa data, enquanto o Estado a vai abandonando. Penso que é de continuar a construção de um amplo espaço de diálogo para debater o significado da data, os diferentes actores que contribuíram para a sua existência, assim como os ideais que estiveram na base da luta de libertação. Mediante discussões críticas, colectivas e profundas, teremos elementos cruciais para serem apropriados pelos artistas, intelectuais públicos, ativistas sociais e nosso povo de maneira geral. Outro aspecto central é uma análise mais ampla sobre essa data, ou seja, precisa-se entender que a data representa um processo e não um evento. “5 de Julho” representa um salto qualitativo num longo processo de luta de libertação, visando a ruptura com toda e qualquer forma de dominação. Esse processo começou séculos antes contra a dominação escravocrata e colonial.

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