Por: José Pedro de Oliveira Chantre
Como celebrar esses 45 anos de existência do nosso Cabo Verde como Estado independente?
No dia 5, o que devo dizer às minhas filhas e à sua geração para lhes levar a compreender um pouco daquilo que muitos observadores internacionais continuam a classificar de “milagre” cabo-verdiano, que de um arquipélago de futuro inviável passou, segundo as Nações Unidas, de PMA (países menos avançados) a PDM (países de desenvolvimento médio) de 1977 a 2007, isto é, em 30 anos?
Não conseguirei dizer-lhes toda a verdade, num só dia, mas também não me sentirei em dívida pois nunca prescindi de lhes contar, em pormenor, o nosso passado e as dificuldades ultrapassadas por este povo até aqui chegar.
Mas garanto-vos, uma coisa, terão de escutar pela enésima vez: VALEU A PENA!
Temos de lhes dizer apenas a Verdade! De lhes contar um pouco da nossa História recente, sem esquecer de lhes informar de onde vem a ousadia de habitar estas ilhas secas e de transformá-las naquilo que é hoje o nosso amado Cabo Verde.
Temos de lhes enumerar todos os intervenientes na feitura desta “caldeirada” de cachupa cultural para que possam entender o percurso heroico deste povo até 5 de Julho de 1975. Nossa referência é a Independência Nacional. Sim, é ela que pretendemos celebrar por mil e uma razões!
E tudo que se conseguiu nesses 45 anos, tudo mesmo, deve-se à conquista desse 1º Ato de Libertação das capacidades nacionais que deram origem a outras proezas, nomeadamente, à implementação da Democracia numa procura permanente de emancipação total para o cidadão destas ilhas, concedendo-lhe a oportunidade de criar iniciativas para novos voos.
Temos de lhes dizer que escutem, também, opinião diversa, que nem sempre é coincidente com a da grande maioria do nosso povo no que respeita à problemática da Independência. Esses 45 anos vieram provar, inequivocamente, que algumas altas figuras da política portuguesa do pós-25 de Abril e um ínfimo número de cabo-verdianos mais jovens (e que já ocuparam cargos de destaque no aparelho do estado), defensores de uma autonomia parcial do tipo adjacência, apesar da “benevolência” do pensamento, estiveram em desacerto das reais aspirações e capacidades deste povo. Talvez, bondosamente, levados pela tão propalada inviabilidade do arquipélago!
Mas a resposta está aí:
De 271.000 em 1975 a população passou para 550.000 em 2020 num crescimento de 100%;
De país de emigração, para garantir a subsistência de quem parte e dos que ficam, passou a ser destino procurado por imigrantes que em 2020 representam cerca de 3% da população, tendo já atingido os 5%, há poucos anos.
O PIB per capita que em 1975 rondaria os 200 USD, terá atingido os 3.600 USD em 2019, isto é, 18 vezes mais. É obra, e é de todos!
Seria fastiento trazer para aqui os valores de todos os ganhos nos diversos setores como o Ensino (faço questão de evitar a designação de Educação), a Saúde, Água canalizada e saneamento, Proteção social, etc. São diferenças traduzidas em números estratosféricos que, para além de nos darem motivos de orgulho, devem conduzir os mais jovens a um exercício de imaginar a vida abaixo do limiar da pobreza pela qual passaram os seus pais e a grande maioria do seu povo. O não fazer esse exercício, será incorrer a um gravíssimo erro que é o de ignorar a linha de partida, preocupando-se apenas com a da meta e que, tantas vezes, invalida todo o esforço empreendido.
Todo e qualquer sucesso do nosso povo dependerá do conhecimento e da aceitação plena da História e da Cultura daqueles que nos precederam. Por sinal, e que se espantem alguns, nos últimos dias, tive a tristeza de ler no FB, a seguinte barbaridade: “A foto do Abílio Duarte nem deveria lá estar porque ele não tem nada a ver com o Parlamento”.
Meu Deus, como é possível tamanha ignorância na vã tentativa de enviesar a realidade de uma História tão recente? Perfazem apenas 45 anos em que o cidadão e nacionalista cabo-verdiano ABÍLIO AUGUSTO MONTEIRO DUARTE proclamava, de viva voz, ao mundo, a partir do estádio da Várzea, o nascimento do estado soberano com a designação de REPÚBLICA DE CABO VERDE, enquanto primeiro presidente da Assembleia Nacional (então, Popular) deste país.
Já imaginou, caro leitor?!
Mas penso, e já o referi por inúmeras vezes, que há uma certa dose de responsabilidade dos dois maiores partidos da nossa democracia que fazem questão em continuar alimentando, para além das normais disputas democráticas, e de acordo com interesses momentâneos, a subdivisão do trajeto de Cabo Verde, pós-independência, em espaços temporais de governação do A ou do B. Meus caríssimos senhores e conterrâneos, redondamente, não pode continuar assim!
E é altura de se começar a dar bons exemplos. E, atendendo a que nós os cabo-verdianos, segundo minha singela opinião, não temos nenhuma estátua a deitar abaixo, como noutras paragens (algumas com justificação e outras talvez não), teremos sim, a grande oportunidade de propor novas estátuas para celebrar a cabo-verdianidade e eternizar alguns que se destacaram nessa difícil e brilhante trajetória, onde a juventude, em cada etapa, tem sido protagonista. Ela, também, merecedora de Monumento a condizer!
Assim como pedi, há algum tempo, um monumento para Boca de Figueiral (Coculi) como marco do tristemente célebre 31 de Agosto, hoje, deixo aqui um pedido solene de uma estátua ao ABÍLIO DUARTE, o proclamador da Independência Nacional de Cabo Verde que, nesta data, orgulhosamente celebramos. Homem que após uma vida de cidadão inteiro e dedicado ao seu país, nas vertentes de combatente da liberdade, intelectual e homem de cultura, assim como político no pós-independência tendo desempenhado altos cargos do estado, de onde se poderá registar, em letras doiradas, a integridade e a honradez. Uma estátua elegante e digna, à frente do também belo edifício do Parlamento cabo-verdiano onde ele fez história sobretudo na passagem da presidência da Mesa da Assembleia vinda do regime monopartidário para o da pluralidade, num ato nobre e de elevado sentido de estado. Manter a dignidade e o aprumo, após a derrota, quando todos os deuses, incluindo os seus, abandonam o combatente, e mais, fogem dele, é característica reservada apenas aos grandes. São esses os verdadeiros e grandes Ganhos que têm transmitido a nós e aos nossos parceiros de caminhada, a credibilidade e a viabilidade destas escarpadas e castanhas ilhas a que alguém resolveu chamar de Verde, por influências outras que não à da exterioridade perceptível.
Espero que esta sugestão seja interpretada com o mesmo sentimento de nacionalismo que move o proponente e que os partidos políticos tenham a sabedoria de conceder a voz à sociedade civil para mais esta ação de cidadania com o intento de dar à capital do país uma estátua de um filho da Praia de dimensão nacional e de pensamento universal. Daqui a 5 anos, quinquagésimo aniversário, seria uma ocasião de ouro para se colocar mais esta pedrinha na edificação de um Cabo Verde de Paz e de Harmonia.
Não pensemos em excluir pedaços da nossa História porque não dará certo, assim como não deu em lado algum! Da mesma forma, não pensemos em introduzir à nossa, líricos fragmentos de Histórias que não fazem parte do percurso deste jovem povo que, por obra gigantesca, nasceu aqui no meio do Atlântico e vem contrariando as teses da inviabilidade destas ilhas tão nuas e tão secas, numa demonstração de resiliência a todo o tamanho!
Celebremos porque há razões para tal! Mas não nos esqueçamos dos desequilíbrios e das assimetrias do nível de vida que impedem às ilhas de Santo Antão, de São Nicolau e da Brava se sentirem partes integrantes, e de iguais direitos, desse Regozijo Nacional.
A democracia consolidou-se mais à custa da elevação dos cidadãos do que por mérito ou patriotismo dos partidos políticos e outras instituições. E o seu aperfeiçoamento terá de se traduzir em redução efetiva das desigualdades, de direitos na sociedade, baseadas na região de residência, no género, ou na orientação sexual de cada indivíduo, para que todos se sintam felizes por ostentar a nacionalidade cabo-verdiana e/ou viver nestas ilhas.
Ainda a nível interno, verifica-se esse deficit de nacionalismo, com alguma tendência de direcionar boa parte do nosso amor à História e às Preocupações alheias e, quase que totalmente às causas da cultura e do desporto (sobretudo) fora de portas. Lamentável falta de amor próprio que transmitimos injustificavelmente às nossas crianças e jovens, num enfraquecimento da riqueza imaterial da independência e no adiar da emancipação espiritual que nos coloque na igualha daqueles que seguem no pelotão da frente.
Também, e a nível de relações externas, arrasta-se, incompreensivelmente, o pendente com os nossos irmãos da Guiné-Bissau e que não é coisa insignificante, como muitos possam crer ou pretender fazer crer, exatamente por se tratar de uma questão de soberania e de independência entre estados, onde não deve existir qualquer tipo de ambiguidade, por mais ínfima que seja, a ensombrar o sentido de boa-fé na separação e no respeito estrito dos respetivos e sagrados patrimónios.
Muito já se fez, mas muito Mais há por fazer!
Viva a Cabo-verdianidade, num abraço ao Mundo de todos, e FÉ NO FUTURO.