Por: António Santos
A pandemia mundial de Covid 19 «pôs a nu» uma situação, menos clara, de um negócio de aviões, celebrado entre o Estado cabo-verdiano e uma empresa portuguesa (a Sevenair), para equipar a Guarda Costeira cabo-verdiana com duas aeronaves CASA, que assegurariam operações de evacuação de doentes, busca e salvamento e ainda patrulhamento das nossas águas territoriais.
Esta história «mal contada» voltou de novo às paginas de A Nação que, em 20 de Junho de 2019, já tinha publicado um artigo intitulado «Negócio de alto risco para Cabo Verde», em que eram abordados alguns aspectos menos claros deste negócio que favorecia, claramente, a empresa portuguesa, sediada no Aeródromo de Tires, no concelho de Cascais (Portugal), porque permutava um Dornier (ainda a voar) por dois aviões CASA que, segundo os especialista, «aterram de vez» na Base da Força Aérea Portuguesa, do Montijo.
Um facto, é que, desde setembro de 2019, o Governo cabo-verdiano continua a aguardar a chegada das aeronaves que, em tempos longínquos, pertenceram à Força Área Portuguesa e, pelos vistos, como sucede com o rei português D. Sebastião só «vão aparecer numa manhã de nevoeiro para salvar» o negócio entre o Estado cabo-verdiano e a empresa portuguesa de aeronáutica.
Neste momento de crise e de pandemia, em que todos os meios são sempre insuficientes, essas aeronaves poderiam ter um papel extremamente importante na evacuação de doentes e no transporte de testes. Mas a realidade concreta diz-nos precisamente o contrário: o Dornier da Guarda Costeira, apesar de poder ser reparado, está estacionado com uma avaria grave, desde 2016, e os prometidos aviões CASA também estão «no estaleiro» e nunca mais vão chegar, até porque estão na Base Aérea do Montijo com sérios problemas de conservação e sem os principais equipamentos de navegação.
O jornal A Nação lembra, e muito bem, que o actual Governo assumiu a responsabilidade de dotar as Forças Armadas cabo-verdianas com os meios indispensáveis para garantir as diversas operações consideradas importantes em termos de protecção civil, de busca e salvamento e de patrulhamento das nossas águas territoriais. Pelos vistos, rapidamente foram esquecidas essas promessas.
Conforme um oficial superior, declarou à Nação, existe um plano estratégico de desenvolvimento da Guarda Costeira, desde 2017, mas «já lá vão três anos, e ainda não há nada de novo. Isto quer dizer que o nível de execução é zero». Nesse plano – pelo que nos é dado a perceber – destaca-se a dotação às Forças Armadas de meios aéreos tendo em conta que a evacuação médica por via área e marítima é uma das missões da Guarda Costeira.
Plagiando uma das conclusões do artigo de A Nação, também afirmamos «para a via marítima existem os recursos mínimos, mas não se pode dizer o mesmo em relação aos aéreos já que o único Dornier encontra-se numa longa situação de inoperabilidade».
E como diz o oficial superior das FA, a ideia do negócio dos aviões CASA surgiu na sequência de uma «irresponsabilidade» de algumas figuras ligadas ao actual sistema politico, porquanto o Dornier tinha sido alvo de uma intervenção antes de 2016, com a pintura de casco e forragem dos assentos. E, em termos mecânicos, teve um overall através da manutenção periódica. Enfim, o avião encontrava-se em condições para continuar a operar.
Neste momento de crise pandémica a única exigência que se pode pedir a quem nos governa é transparência. Por isso, está na hora do Governo explicar porque não estão ao serviço esses aviões que tanta falta fazem e que seriam ferramentas muito úteis no trabalho desenvolvido pelas Forças Armadas no quadro do actual Estado de Emergência, decretado pelo Presidente da República.
Publicado no A NAÇÃO, nº 659, de 16 de Abril de 2020