Por: Marcos Oliveira
Repetidamente, as medidas tomadas pelo Governo sobre o Covid-19 são reconhecidas pela sua oportunidade, quer sejam as de natureza profilática como as de índole social e económico. Elas têm respaldo legal e, cada entidade, dentro das suas competências especificas, é chamada para as materializar.
Conforme o artº3 da Lei nº 83/IX/2020, o empregador pode suspender o contrato de trabalho de alguns ou de todos os trabalhadores por um período até 90 dias, justificado por razões conjunturais de mercado, motivos económicos e carência de abastecimentos de matéria prima e bens.
Deve ainda o empregador avisar a Direção Geral do Trabalho e ao trabalhador no prazo de 4 e 3 dias de antecedência, respectivamente.
Satisfeitas as condicionantes previstas, as empresas admitidas ficam isentas de pagar as contribuições ao INPS relativas aos trabalhadores com contrato suspenso e é garantido 70% do salário que será da responsabilidade partilhada a meias pelo empregador e o INPS.
Trata-se de uma medida de grande alcance e que acarreta também para o INPS custos e riscos elevados. Por isso, as condições de admissibilidade da suspensão dos contratos devem ser devidamente escrutinadas.
De acrescentar o facto de o regime de proteção no desemprego ser ainda um recém-nascido cuja almofada ainda não ampara a cabeça da criança. Por isso, há necessidade de blindar o sistema de eventuais oportunismos.
Reafirmo o reconhecimento e o papel do INPS que, neste processo, considero que estará a altura das suas responsabilidades. Porém, salvo o devido respeito, creio existir uma lacuna nas medidas adoptadas pelo facto de a lei orientar-se exclusivamente para o setor empresarial.
Salvar empregos
Vê-se que o objetivo maior é salvar o emprego e o rendimento das pessoas.
O INPS, pela natureza do seu objeto, conhece os contribuintes e os segurados que nele estão inscritos e contribuem através do pagamento das contribuições e quotizações durante o ciclo de atividade.
Quer dizer que os agentes ativos da nossa economia que não sejam contribuintes e segurados não terão benefícios a reclamar do INPS. Terão que bater a outras portas que, entretanto, existem, ou seja, ficam na condição de serem ou não admitidos no quadro dos critérios definidos no âmbito do regime não contributivo.
Bem anda o Governo ao referir-se que Covid-19 é uma oportunidade para o avanço da formalização da economia e, a meu ver, abre uma janela de oportunidade para o alargamento da cobertura da proteção social obrigatória em Cabo Verde.
Trata-se de um objetivo há muito perseguido pelo INPS, à luz de um quadro legal moderno também há muito existente. Aqueles que, eventualmente, se sentirem excluídos das medidas, nomeadamente muitos trabalhadores do setor informal da economia e de outros setores como por exemplo, artistas, taxistas, condutores de hiaces, entre outros profissionais, só podem culpar-se por manifesto desinteresse próprio e não por falta de aviso e de informação/esclarecimento.
Lacunas nas medidas do Governo
Porém, uma leitura atenta das medidas de mitigação do impacto da pandemia permite identificar lacunas que, se não forem supridas, colocam o INPS na iminência do incumprimento de certos princípios enformadores da proteção social com a exclusão de certos e determinados contribuintes e segurados.
Refiro-me aos trabalhadores por conta própria inscritos no sistema cujas atividades profissionais são igualmente vítimas da atual conjuntura.
Não encontrei resposta para esses trabalhadores, também eles contribuintes do sistema. Porém, não sendo eles sujeitos da proteção no desemprego, poderão na mesma beneficiar de algumas das medidas previstas, como por exemplo, o alívio das contribuições uma vez comprovada a inexistência de rendimentos.
Igualmente, não descortinei nada em relação às pessoas do serviço doméstico que, na sua globalidade, integram grupos de pobreza ou de fracos rendimentos.
Sabe-se que, por prudência e prevenção, muitos trabalhadores dos serviços domésticos foram dispensados temporariamente do trabalho? Trata-se de uma medida assertiva e alinhada com as orientações na luta contra o Covid-19.
A dispensa do trabalho terá certamente um custo para o empregador ou para o trabalhador do serviço doméstico que corre o risco de privar-se dos proventos caso não houver bom-senso do empregador, podendo este também estar sujeito a quebra de rendimentos.
O rendimento não deve depender da existência ou não de bom-senso. Urge ajustar as medidas para que se possa encontrar uma solução adequada que legalmente dê resposta a favor do referido grupo profissional. Do contrário, estaria o INPS a proteger de forma diferente situações iguais o que violaria princípios fundamentais da Proteção Social como seja a Equidade.
Uma resposta do INPS orientada para os referidos profissionais será também importante na mobilização de vontades para a inclusão social de todos.
Publicado no A NAÇÃO, nº 659, de 16 de Abril de 2020