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Opinião

Crónica: Viagens por Santiago Norte em dias de Covid-19

Por: Silvino Monteiro 

Nestes dias de Estado de Emergência, por causa da Covid-19, viajar pelas estradas de Santiago é uma experiência única, de tão estranha, porque tudo funciona ao contrário. A nossa viagem começou, por volta das 8 horas, com partida em Cabeça Carreia, no concelho de Santa Catarina, rumo ao Tarrafal, “capital turística” de Santiago Norte.  

No início desta viagem, o sol ainda despertava timidamente por detrás do monte de Boa Entrada. Apesar de ainda cedo, algumas pessoas já se encontravam na fila, a aguardar, pacientemente, pela abertura de um dos maiores minimercados da região para poderem abastecer-se. 

Pelo caminho passámos pelo Hospital Regional Santa Rita Vieira, em Cruz Grande, onde tudo parecia igualmente tranquilo. Na berma da estrada, algumas pessoas aguardavam pelo transporte. Parámos para perguntar se estava tudo bem com elas. 

Pensando que éramos – eu e o motorista Hélder Afonso – “agentes da autoridade”, umas senhoras desataram-se logo em justificações de que tinham ido visitar familiares internados no hospital e que estavam à espera de carro para regressarem à casa. 

Por sua vez, os dois jovens, também eles receosos, disseram que queriam ir trabalhar em Ribeira da Barca, mas que iriam disistir e regressar à casa porque há mais de uma hora que estavam, ali, à espera, mas que não tinha passado nenhum hiace. Recomendamos-lhes que  ficassem em casa e seguimos a nossa viagem em direção ao norte da ilha, passando por Achada Lém, onde também não vimos vivalma. E lá subimos a Serra Malagueta, deixando para atrás a planície da Achada Lém e Achada Falcão e o planalto de Assomada para trás. 

Serra Malagueta, Parque Natural, foi o nosso primeiro ponto de paragem obrigatória. Contrariamente ao habitual, nesse dia, não fazia frio, nem nevoeiro nem vento. Pelas 8h30, o sol já se fazia sentir. Tudo parado, não fosse o movimento dos pássaros que pulavam de galho em galho, felizes, gozando a sua liberdade.  

Eu e o meu companheiro de viagem tínhamos o parque inteiro à nossa disposição. Aproveitamos para passear e respirar o ar puro que se fazia sentir. E, nisso, lá descobrimos um pequeno Parque das Nações, isto é, um jardim em que cada país está representado por uma planta endémica. Lá em baixo vê-se o vale da Ribeira de Principal, verdejante, e, um pouco mais ao fundo, a barragem ainda com uma certa quantia de água acumulada.

Retemperados pela natureza, retomamos a estrada em direcção ao Tarrafal. Pelo caminho encontrámos o ancião João Monteiro, sentando, sozinho, à beira da estrada. Com um olhar triste e preocupado, confidenciou-nos que estava a pensar na situação dos filhos que vivem no estrangeiro, e que por causa dessa “doença” são obrigados a ficar em casa numa terra que não tem bidão de milho em casa e que por isso são abrigados a comprar tudo na loja. Interrogado sobre como é que as pessoas estão a viver a quarentena em Serra Malagueta, João diz que está tudo bem, não fosse a penúria de água, o que dificulta o cumprimento das recomendações das autoridades para a lavagem regular das mãos. “Lavar mão como, se nem água temos para beber?”, pergunta, com o mesmo ar preocupado. 

Deixamos João Monteiro entregue às suas preocupações, descemos Guindon, passando por várias localidades com sinais de despovoamento. Lá no fundo via-se a cidade Mangui abraçada pelo azul profundo do mar, Monte Graciosa parecia deitado a descansar. E chegamos a Chão Bom. Nova paragem, aliás, ordenada por um agente da Polícia Nacional que fazia o controlo de trânsito, que nos foi logo avisando que só se podia circular quem estiver autorizado. Dissemos ao que íamos. Compreensivo, deixou-nos passar, desejando-nos “um bom trabalho”. Retribuímos o desejo. 

O outro ponto de paragem quase que obrigatório foi no Museu da Resistência, vulgo Campo de Concentração do Tarrafal. As portas desta antiga prisão voltaram a fechar-se. Desta feita, não por razões políticas, mas por causa do inimigo invisível, “coronavírus”, que colocou o país, pela primeira vez, em Estado de Emergência. 

Finalmente, rumámos até Mangui, a capital turística de Santiago Norte, com a sua praia de areia branca. O quadro de ruas praticamente vazias repete-se, não fosse a movimentação das vendedeiras que foram, naquele dia, à procura dos 10 mil escudos de subsídio na Câmara Municipal. Tudo fechado, excepção feita à Igreja Matriz de Nhu Santo Amaro Abade, para quem quisesse rogar ao Criador para acabar com a Covid-19. Mas a igreja também estava vazia. Apenas a responsável na porta da entrada.

À semelhança dos outros pontos da cidade de Mangui, a praia do Tarrafal, uma das setes maravilhas da ilha de Santiago e principal ponto de atracção para o município de Tarrafal, encontrava-se também ela quase vazia. A água do mar beijava areia calmamente. Dezenas de botes encostados e alguns pescadores e peixeiras sentados a ver o mar; à espera pelo regresso de dois outros pescadores que foram ao mar à procura de peixe para abastecer o mercado e a mesa dos que estão em quarentena em casa. 

No Tarrafal, à semelhança de outros pontos do país e do mundo, tudo parece fechado para balanço. Ou então à espera… que esta estranha acalmia passe logo e a ilha de Santiago, aquela que não pára, retome logo a sua rotina.  

Continua ….

 

Publicado no A NAÇÃO, nº 658, de 09 de Abril de 2020

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