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Covid-19

Guias turísticos no desemprego: classe é a mais afectada do sector

Os guias turísticos do país estão desempregados. Sem qualquer rendimento, são talvez a classe mais afectada com a paralisação do turismo devido à Covid-19. Na maioria são profissionais liberais, sem contratos e sem direitos que se vêm agora desamparados. Sem receitas para sustentarem as famílias, o drama é maior do que aquilo que se possa pensar. No meio da calamidade há uma lição a tirar de tudo isto: a necessidade de profissionalização da classe para garantia dos direitos laborais.  

O turismo mundial paralisou. Em Cabo Verde também. Voos suspensos. Aeroportos fechados. Agências turísticas à beira de um ataque de nervos. Destinos desertos, sem turistas, sem rendimentos. Não é preciso ser expert para se perceber algo tão simples quanto isto: sem turistas não há turismo. E o efeito dominó tem sido terrível para o sector. 

A própria Organização Mundial do Turismo já alertou que o turismo não sairá impune à recessão económica global provocada pela Covid-19 e a 6 de Março passado já tinha revisto em baixa as estimativas para o turismo internacional, prevendo recuos entre 1% e 3% este ano, devido ao coronavírus. 

A organização estima que as perdas oscilem entre os 27 e os 45 mil milhões de euros. Associado a tudo isto está a mão-de-obra intensiva praticada no turismo “com milhões de empregos em risco”, alertou a organização. Risco esse que afectará especialmente  os postos de trabalho das mulheres e dos mais jovens.

Cabo Verde não está imune a tudo isso e a par do sector da cultura, o do turismo foi dos primeiros a dar os sinais de alerta, conforme noticiado pelo A NAÇÃO na sua edição nº654 “Covid-19: Turismo em alerta com a redução de reservas”, de 12 de Março. Isto quando ainda nem sequer tinham sido encerradas as fronteiras, nem decretado o Estado de Emergência no país.  

 

Guias desamparados

Enquanto a maioria dos empregados afectos às unidades hoteleiras no arquipélago estão minimamente cobertos pelos direitos inerentes aos seus contratos de trabalho e viram os seus salários acautelados, os guias turísticos, quase na sua totalidade, não.

 Pois são freelancers  que trabalham por conta própria na maioria das ilhas do país.  Sem contratos de trabalho e sem direitos garantidos minimamente, vêem-se agora desamparados, como iremos ver ao longo deste dossiê que traz o sentimento vivido pelos guias do Sal, Santo Antão, Santiago e São Nicolau. 

Na ilha do Sal, a maior porta de entrada de turistas do país, é onde se concentra também o maior número de guias turísticos, na maioria profissionais liberais.  Estima-se em 70 o número de guias que fazem o transporte turístico de passageiros, associados às pickups. Ou seja, fazem angariação de turistas e serviço de guia, ao mesmo tempo. 

Famílias desamparadas

Sal chegou a ter uma associação de guias mas que há muito estava desatualizada. Mais recentemente foi criada uma nova associação mais ligada às micro-empresas da área, incluindo guias turísticos. 

“A situação é bastante difícil”, começou por dizer ao A NAÇÃO, Neuza Gonçalves, membro da associação. “As actividades estão todas suspensas. Está tudo fechado. Sem trabalho e sem salário, não sabemos o que vamos fazer”, realçou. 

Segundo essa fonte, no caso dos que têm empresas criadas no regime das REMPE, estão à espera “para ver o que vai acontecer”. Já a situação dos guias liberais, é bem mais complicada. 

“Os que são freelancer no dia- a-dia, não têm a onde se agarrar. A maioria são condutores de pickups e guias, muitos são liberais, outros trabalham à comissão…”, explica.

Neusa Gonçalves não tem dúvidas de que neste momento estão “muitas famílias desamparadas” no Sal e estima-se que na Boa Vista também. Pois a maioria são igualmente profissionais liberais. Ela própria além das suas actividades no Sal, tinha um restaurante na Boa Vista e desde que surgiu o primeiro caso encerrou o estabelecimento. 

“Paguei aos funcionários para ficarem em casa”, esclarece, consciente que os próximos tempos são de incerteza. “Não sabemos até quando vai permanecer esta situação. É muito complicado”, lamentou.

A empresária acredita que tudo isto que está a acontecer deve servir para se tirar um lado positivo. “É preciso despertar a consciência de todos nós. Devemos economizar e pensar mais no futuro. Fomos todos apanhados desprevenidos. A maioria tem aquela mentalidade de ganha hoje, gasta hoje. Agora…”. 

Essa fonte defende que é chegada a altura de se profissionalizar mais o turismo em Cabo Verde, nas suas diferentes vertentes e desafia as autoridades a “pensarem mais” nos cabo-verdianos que trabalham no ramo. 

“Precisamos ter mais sustentabilidade para não depender dos grandes operadores e termos as nossas próprias agências de incoming. Muitos estrangeiros quando vêm aqui, depois quando o mercado está saturado e já não conseguem tirar os seus lucros, também vão embora um dia. Há exemplos disso noutros destinos”, concluiu, apelando que depois da Covid-19, se consiga tirar uma lição de tudo isto para tornar o sector mais sustentável e inclusivo na economia local.

 

Situação “bastante preocupante” em São Nicolau

Destino de turismo de natureza e montanha, por excelência, a ilha de São Nicolau recebe uma pequena fatia dos turistas que visitam Cabo Verde, mas mesmo assim, uma percentagem importante para quem opera no sector na Ilha de Chiquinho.  

Arnaldo Felisberto, presidente da Associação Turismo São Nicolau e um dos guias mais antigos da ilha mostra-se apreensivo com a situação dos guias de São Nicolau, que à semelhança dos demais no país, são também profissionais liberais, freelancers. 

A ilha foi muito afectada pela paralisação do turismo. “Realmente a situação é bastante preocupante tendo em conta que paramos todos, não só os guias mas tudo à volta do turismo”, realça.   

Em São Nicolau existem cerca de oito guias profissionais no activo, e são trabalhadores autónomos, que se vêm agora de pés e mãos atadas. “Estamos todos desempregados e sem qualquer rendimento”, garante. O futuro incerto, é preocupante. “Sendo assim, claro que o impacto é muito negativo, e não sabemos para quando é que isto irá melhorar”.

Arnaldo diz que quer a associação, quer os guias ainda não têm qualquer indicação da tutela em relação a eventuais apoios, tendo em conta as medidas sociais e económicas avançadas, de forma excepcional, para travar os impactos do Covid-19 na economia. 

“Em relação ao ministério do Turismo realmente ainda não temos um feedback que vá diretamente ou específico para os guias mas sabemos que o Governo esta a tomar medidas junto da banca que podem vir a ser importantes para empresas e individuais,  e contamos poder beneficiar destas medidas”.

Contudo, este guia garante que os profissionais e a própria associação se congratula com as medidas do Governo, para conter a propagação do vírus no país. “Estamos a fazer a nossa parte e pensamos que vamos ultrapassar isto. O momento é de luta para todos”, finaliza. 

 

Gisela Coelho

Publicado no A NAÇÃO, edição nº 657, de 02 de Abril de 2020

                     

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