Ele está de volta, mas sem nunca ter saído dos tops e alinhamentos das rádios lusófonas, e não só, desde que lançou o Mundu Nôbu. Agora, traz-nos Kriola – o novo disco do luso cabo-verdiano Dino d´Santiago. Um novo trabalho, muito dançante, que entretém, mas que também nos faz pensar e reflectir.
O álbum, de oito faixas, propõe-nos uma viagem inspiradora que transporta, por exemplo, o Batuco e o Funaná para os estúdios de Lagos (Nigéria) ou Londres (Inglaterra). Resultado? Uma mistura explosiva de sons e ritmos, à partida pouco orgânicos, e muito embebidos de música electrónica, mas que os ouvidos apurados irão sentir na base a música da raiz, a música das suas origens – Kriola.
Em entrevista ao A NAÇÃO, Dino d´Santiago, que dispensa apresentações, fala-nos da “viagem” que está por detrás desse novo trabalho “Kriola” e fala-nos da sua relação com o Amor e de que forma isso tem contribuído para o seu processo criativo. Gravado entre Lisboa e Londres, o disco traz-nos uma “Kriola” que não teme a modernidade deste mundo, cada vez mais global, mas que nunca tira o seu panu di terra da cintura. Uma cachupa instrumental que, como conta Dino, viajou do batuku ao ozonto, da coladera ao grime, sempre com o tempero final dado pelo funaná que descansa no arriscar de um tarraxo.
Dino d´Santiago, na primeira pessoa.
A pergunta é fait diver, mas impõe-se: porquê Kriola?
Kriola foi uma escolha tão natural que quase dispensaria um porquê. Quando terminámos as 8 canções que compõem este álbum, a presença da cultura, revolução, mistura e viagem que esse substantivo comum nos oferece em toda a narrativa do álbum, sentimos que seria a homenagem mais justa…
Embora o álbum anterior já fosse dançante e ritmado com várias fusões, nota-se um upgrade neste trabalho, ainda mais dançante e menos orgânico em termos de sons puros e crus. Porquê esta aposta?
Ao contrário do Mundu Nôbu, que transportou os sons urbanos, para a raiz rural que me liga a Santiago, esta Kriola faz o êxodo no sentido inverso. Desta vez foi o interior de Santiago a viajar até às cidades de Londres, Lisboa, Lagos e Luanda, onde, durante 13 meses, deixei-me embriagar pelos sons industriais e ruídos naturais de grandes capitais, trazendo uma Kriola que não teme a modernidade deste mundo cada vez mais global, mas que nunca tira o seu panu di terra da cintura.
Porquê lançar um álbum em plena época de pandemia mundial?
Este álbum foi trabalhado em segredo, de Janeiro de 2019 a Março de 2020. Todos os meses eu saía da cidade de Lisboa, para gravar em Londres, mesmo durante uma Tour intensa que estava a ter, por conta do calor com que o Mundu Nôbu foi recebido em Portugal. Estava projectado para sair na primeira quinzena de Abril antes da pandemia Global acontecer. A nossa estrutura ainda esteve muito hesitante, por não se perceber como seriam estes novos tempos, mas felizmente todos decidimos oferecer este álbum de “Amor em tempo de Guerra”. Pois não sou aquele artista que se conforma em lançar singles, eu preciso sempre de uma história com princípio, meio e fim.
Tens noção que este álbum é mais comercial do que o anterior. Houve alguma intenção por detrás?
Sabes que, pela primeira vez em 15 anos, a viver como profissional da música, tirei meses da minha vida, somente para fazer música, nada mais, de um jeito livre, dormir e acordar no estúdio, sem filtros nem barreiras, deixar fluir a energia.
O que saísse em crioulo assim ficaria e o que saísse em português, assim permaneceria até ao fim. Não dei muito espaço ao pensamento, foi um álbum que contou história que vivi em tempo real, onde pela primeira vez falo de Amor sem sofrimento, onde o meu lado activista se despiu ainda mais do receio à censura. Então quando escuto o resultado final, fico feliz por ele ter um appeal, que com estás características naturais, consiga chegar a mais gente, e fazer até com que uma Rádio de fonte mais comercial, se interesse por entrar na minha viagem.
Mesmo assim, permanecem as mensagens activistas…
Eu não consigo escrever de outra forma, preciso sempre de sentir, que por mais que as pessoas dancem ao som do meu beat, quero que levem para casa uma mensagem que toque nas suas consciências e que ao menos as mude, nem que seja por um instante. Procuro sempre esse contraste entre a “Sabura” de um beat bem quente, com uma mensagem que te atravesse a armadura mental que nos é imposta pela sociedade.
Não que seja a minha preferida (que não é) mas parece-me que My lover vai ser o hit…um som afro-pop a fazer lembrar os sons que fazem na Nigéria e que conquistaram o mundo. Mas tem outras faixas que me parece que também foram gravadas em Lagos…porquê esta incursão pela música que se faz na Nigéria?
My Lover é a canção favorita da maior parte das pessoas que escutaram o álbum até agora, e foi tão natural o seu processo de gravação, foi quase que instantâneo. A incursão pelos sons da Nigéria não podia ser mais natural, pois um dos produtores de metade do álbum, é natural da Nigéria. Ele já está na minha team de produtores desde o Mundu Nôbu, foi com ele que construí todo o EP Sotavento e agora neste Kriola, é também ele a assumir grande parte das canções. E o mais bonito, é que hoje os beats onde ele é mais livre a criar, é precisamente no compasso do Batuku, que conheceu graças a este encontro.
Batuco e funaná voltam a este novo álbum, há sempre essa preocupação ou missão de trazeres a música do interior de Santiago, mesmo que com novas roupagens?
Eu quando escrevo e componho as minhas melodias, normalmente elas já se apresentam com o compasso rítmico que irá impor a cadência. E naturalmente, o Funaná e o Batuku, são os géneros onde me sinto mais eu! Poderia passar toda uma vida a explorar esses dois universos, sem precisar de mais nada. Mas quando o crioulo se funde a eles, eu sinto o cheiro a terra que preciso, para quando mergulhar na frenética das cidades por onde ando, ter sempre um aroma a Santiago, para me nutrir.
Cada álbum tem um propósito. Qual é o deste?
Este álbum vem mesmo com a missão de levar o Mundo que me inspira, para perto das famílias que neste momento são obrigadas a estar dentro de suas casas. Com ele, sei que podem viajar sem saírem das suas paredes. É mesmo para elevar o espírito e nos tirar da zona de conforto, cresci muito durante a sua concepção.
Como foi para ti encontrar essa nova estética visual e musical deste novo álbum?
Foi uma sensação regeneradora. Sinto-me a crescer cada vez mais, a cada álbum construído, vou sentindo que ainda existe tanto para explorar, desses ritmos todos que saem da nossa herança lusófona. Para a arte visual deste álbum, convidámos a designer Alexandra Moura, para o conceito visual do álbum. Onde ela nos apresenta uma capa com o tecido usado na sua nova colecção “Nu Mistura”. Colecção inspirada na Lisboa Criola, que desde a Linha de Sintra até ao coração da cidade, se vai multiplicando em cores, sotaques e sabores carregados de tantas histórias. Fez todo o sentido que fosse ela a vestir esta Kriola.
A alegria de viver é um tema recorrente nas tuas músicas e nesse trabalho não é diferente. As pessoas não têm o hábito de ficarem sozinhas, as novas gerações fogem disso. Também foges ou és influenciado pela solidão no processo criativo?
Hoje sinto que estou mais acompanhado quando estou sozinho em casa, do que quando estou cercado de pessoas á minha volta. Eu já fui daquelas pessoas que tinha medo de ficar sozinho, pois não queria escutar a minha voz interna que tinha dúvidas existências, receios do futuro incerto. Hoje sinto-me muito mais eu em tudo o que faço e sinto, então neste período que nos é pedido o recolhimento, já não me custa olhar para dentro, sinto-me orgulhoso do que aprendi a ser.
Como os teus amores e desamores influenciaram a criação das canções do álbum?
Eu sou uma pessoa que sou 100% influenciado pelo entusiasmo. Mas graças a “seres maravilhosas” que fazem parte da minha vida, aprendi que devemos distribuir a intensidade que damos ao Amor. E repararemos que de 100%, nós depositamos cerca de 60% da nossa felicidade e bem estar, no sucesso, ou não de uma relação, os outros 40%, distribuímos entre a família, amigos e emprego. Então o reajustar dessa balança tão desequilibrada, foi a minha salvação. Hoje sinto-me abençoado pelas relações que tive, pois todas elas fizeram-me crescer e ser sempre uma melhor versão de mim, a cada nova etapa.
Esse trabalho é uma “medicina” ou um “escape” para o que estamos vivendo?
O meu desejo é que ele seja não a medicina, mas o médico, e não o escape, mas o ponto de encontro.
Com ‘KRIOLA’ voltam também os cúmplices musicais que o acompanham desde o ‘Mundu Nôbu’.
Seiji, Branko, Pedro, Kalaf Epalanga, Toty Sa’Med, Djodje Almeida, Toni Economides,
aos quais somou novos encontros com Julinho KSD e Vado MKA. O label é da Sony Music.
Fotos: Chris Costa
Entrevista: Gisela Coelho