Por: Oliver Araújo
A administração pública cabo-verdiana, administração direta, central – doravante simplesmente AP – , como outras ainda em fase de transição para sua modernização, depara-se com desafios que não se têm revelado simples de ultrapassar e que fazem retardar o objetivo de ter uma AP plenamente funcional, que sirva de suporte ao aparelho decisório e constitua um elemento facilitador dos processos e atividades dos cidadãos e das empresas, sem representar pois obstáculo às suas atividades e iniciativas.
Ao referido no anterior parágrafo acresce que o Estado é chamado a intervir em cada vez mais domínios, incluindo novas áreas que se vão despoletando, ganhando maior relevância, complexificando mais a tarefa da AP e exigindo um esforço acrescido de responsabilidade no acompanhamento das dinâmicas sócio-económicas, bem como na direção da economia. Só uma administração bem preparada encontra-se à altura de enfrentar os desafios de uma sociedade moderna e servir os cidadãos, e dessa forma também justificar melhor os encargos suportados por estes.
É certo que, em alguns capítulos, regista-se uma melhoria de atuação da AP cabo-verdiana, principalmente se pensarmos na vertente do desenvolvimento das tecnologias no funcionamento do Estado. Contudo, este tipo de avanço, não deixando de ser importante, se não for acompanhado de outras medidas e reformas, não é suscetível de provocar o impato desejável no funcionamento geral da AP.
A questão central com a qual nos deparamos é a de saber como conciliar uma AP que não seja excessivamente pesada no que toca à burocracia e quantidade de agentes, e que ao mesmo tempo represente um ganho relevante em termos de qualidade, eficiência e celeridade.
A primeira constatação a ter em conta é que não é a simples quantidade dos agentes que propicia a almejada qualidade e que permite alcançar os objetivos propostos. Por outro lado, a mecanização e simplificação dos processos levou à contracção das áreas de execução, em prol das vertentes de estudo e direção, requerendo para tal conhecimentos e formação especializados.
Nesta ordem de ideias, investir na qualidade da AP, passa por investir na qualidade dos seus agentes, visto que são estes que fazem a “máquina” funcionar, as pessoas. A formação tem um papel muito relevante. Mas é preciso também que a AP seja atrativa, sobretudo em duas vertentes: na satisfação do agente pela atividade desenvolvida, ver que realmente o seu trabalho deu frutos, contribuiu para o avanço de processos ou para alcançar objetivos, o que é fator primordial de motivação para o colaborador; e também no que concerne às suas retribuições, o que será adiante melhor explicitado.
Em segundo lugar – ligada ao ponto da satisfação do agente em ver os resultados do seu trabalho – coloca-se a questão de saber qual o modelo organizacional apropriado para prossecução dos objetivos públicos. A burocracia que tradicionalmente envolve a AP é um considerável desincentivo e um desafio ao mesmo tempo, razão pela qual é de considerar que outras entidades, nomeadamente pertencentes à administração indireta, agências, institutos públicos, empresas públicas, permitem evitar um conjunto de “teias” que a administração central acaba por criar e propiciar uma muito maior celeridade na atividade a desenvolver na prossecução de interesses públicos, o que também motiva mais os agentes, pois à priori constatam melhor os resultados das respetivas contribuições nos processos.
Um modelo descentralizado de atuação, onde o Governo não prescinde da sua ação orientadora e coordenadora, comporta vários e significativos ganhos: melhor e mais célere desempenho do Estado no seu todo; melhoria da eficiência; maior atratividade de quadros, visto a atividade estar desembaraçada da burucracia tradicional atrás referida; e ainda ganhos no que tange ao descongestionamento da AP e à distribuição de responsabilidades.
Além da problemática da desconcentração e dos seu ganhos, importa considerar ainda que a tendência geral de crecimento da AP que se verificou em vários países, originou o aumento das direções e departamentos, bem como sobrecarga de competências, com o risco muito maior de criação de zonas cinzentas de atribuições, sobreposição e dispersão de esforços, sobreposição de atividades, divergência de critérios, e de descordenação. A isso acresce a rotina administrativa, o medo das responsabilidades que determina o máximo das precauções, a preocupação com o prestígio funcional que não raras vezes tende a considerar como desonrosa a dispensa de intervenção de determinado serviço ou funcionário na marcha de processos, tudo questões que contribuem para os consabidos déficits da máquina central. Importa pois, não só remodelar no sentido da desconcentração, mas também simplificar estruturas, clarificar as suas funções para evitar sobreposições, e em seguida estabelecer rotinas de efetiva cooperação.
Em terceiro lugar, a AP encontra-se enquadrada por um conjunto de regras e regulamentos, bem como disciplina financeira, que colocam grandes limitações quanto à sua flexibilidade e agilidade, dificultando a relação com o particular e a própria aptidão interna para dar respostas adequadas e céleres. Este aspeto aplica-se também à retribuição dos seus agentes. É certo que o país tem as suas limitações conhecidas que deverão ser tidas em conta. Em todo o caso, há de se perguntar se é viável uma administração moderna, conhecedora, com efetiva capacidade para análises, estudos, pareceres, conhecimento especializado, potencial para dar suporte a decisões assertivas, no quadro de uma disciplina financeira com grandes restrições. Muitos são aqueles que têm vindo a colocar em causa a aptidão do modelo baseado em parcas retribuições, para almejar uma AP eficiente e produzir resultados.
A fase da decisão é crucial para adoção de políticas, designadamente de promoção do crescimento económico, combate ao desemprego, melhorias na justiça, etc., quer no que tange à assertividade das decisões, quer no que respeita aos seus timings, mas para que elas aconteçam e aconteçam nos momentos desejados é condição necessária ter uma base de análises e avaliações técnicas e financeiras, bem como de alternativas existentes que a possibilitem, e para tal é necessário quadros que possam dar resposta a esse desafio, o que é pouco compatível com uma visão que não seja a de valorização dos agentes, da atividade por eles desenvolvida e correspondente retribuição.
Por fim, mas não o menos importante, a temática da relação entra a administração e os administrados. Todo o agente administrativo deve ter presente que a razão de ser das suas funções passa por servir os administrados. A estes deverá ser atribuído um tratamento urbano, mas também de efetivo esclarecimento e realização dos seus interesses legítimos. Contudo, de uma forma geral e salvo situações especiais, não podemos afirmar que esse patamar encontra-se alcançado, o que cria constrangimantos na relação entre o setor público e o privado, e revela que a função pública, em muitas situações, não é encarada ainda da melhor forma.
Como dissemos uma AP moderna deverá acompanhar a evolução sócio-económica e com isso conhecer as reais necessidades e interesses dos administrados, como também estar em posição de comunicar eficazmente com eles. Para esses efeitos as quatro matérias abordadas, qualidade dos agentes, modelo organizacional, atratividade, qualidade da relação agente e administrado, constituem fatores essenciais que implementados contribuirão significativamente para a tão esperada modernização da AP.
Publicado no A NAÇÃO, nº 655, de 19 de Março de 2020