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Opinião

Asfalto-mania

Por: Carlos Carvalho

Noutro dia, ouvi um governante de nosso país dizer que vamos usar asfalto porque não há pedras para calcetar um troço de estrada. E o povo jubilava-se:

– É kela propi k nu kre.

– É kela propi k nu kre.

– É calceta k nu kre.

E o Governante para “cativar” ainda mais a audiência foi explicando como convenceu uns incrédulos senhores financiadores estrangeiros que acabaram por aceitar que num país de pedras, não haver pedras para fazer estrada, a solução é meter asfalto lá para os confins de um Município do interior profundo. Nem foi necessário convencer os incrédulos senhores financiadores estrangeiros que com pedras, leia-se paralelos, iremos criar mais emprego na zona, nas redondezas, na localidade, no município, tamanha a sensatez de meter asfalto!! 

E todos contentes!! Vamos ter asfalto.

– É asfalto k nu kre. 

– Viva o asfalto! Viva o asfalto!

Poucos dias depois… uns condutores, sobretudo taxistas, “cobavam” porque as estradas da capital estão todas esburacadas. Estão “danando” os carros, os pneus, as molas, etc. etc. Essas estradas são/estão quase todas asfaltadas. Asfaltadas … ka dura li!!

É a doença do asfalto. É asfalto k sta na moda. 

Hoje, todo o mundo quer asfalto! Qualquer cutelinho quer asfalto!! Qualquer bairrozinho, ruazinha, travessazinha é pa po asfaltu.

A “Alpha Encyclopédie”, Grande Enciclopédia Universal, de 1968, na pg. 459, da a definição do que é o asfalto e os principais países fornecedores da matéria-prima através da qual se produz o asfalto. Dos principais locais de extracção da matéria-prima, não consta claro está Cabo Verde. 

Cândido de Figueiredo diz que: “asfalto é a mistura de diversos hidrocarbonetos, que forma uma substância glutinosa, que endurece com o frio” (bold nosso). Frio que não temos, daí talvez o problema do estado de nossas asfaltadas “cidades”.

A utilização do asfalto é, a nosso ver, ecologicamente não muito aconselhável sobretudo em cidades e vilas que se quer turísticas, num país cada vez mais turístico como o que pretendemos construir. 

De tão “inocentes”, para não usar outra palavra, que somos, estamos entupindo nossos centros históricos de asfalto. O asfalto nos Centros de nossas cidades e vilas (estas, parece, já não existem em Cabo Verde) seguramente torna-os mais quentes e menos salubres para os moradores e seus visitantes.  

Mas porquê, então, esta correria ao asfalto, num país onde pedra é o que, felizmente, mais abunda, é mais ecológico … e asfalto é desaconselhável e ainda é para se importar?   

Uma vez, disse a um conhecido autarca:

– Mas Sr. Prezidenti, pamodi k nhu sata tema k po asfaltu li na sentru!!?? Nhu odja nalgun Centro Histórico na mundu ta podu asfaltu??

Apesar de todos os argumentos, lá o Homem insistiu e pôs. Resultado, acabou perdendo eleição seguinte (claro, não por culpa do asfalto que insistiu em pôr)… a cidade perdeu qualidade…e qualidade de vida…perdeu historicidade…autenticidade, etc., etc… Centro Histórico da Cidade que consta até da Lista Indicativa que o país entregou à UNESCO, por proposta dos próprios experts dessa instituição que visitaram o país, num passado recente.  

Idem falei com autarca de uma outra importante cidade tentando convencê-la a não cair na mesma asneira de entupir a bonita cidade de asfalto. Não ouviu nosso conselho, a cidade hoje está cheia de asfalto e … toda esburacada. Há-que constantemente estar a reparar as ruas – estradas da cidade. Resultado, o Centro Histórico da cidade perdeu qualidade…perdeu historicidade…autenticidade…enfim, deixou de ser património… perdeu beleza.  

Mas também que importa!! Quem leva a sério nossos Centros Históricos – declarados Patrimónios Nacionais com pompa e circunstância!!?? Com algum exagero e tudo, nenhum, hoje, tem valor, nem histórico … nem patrimonial!!

Os Portugueses nos traçaram poucas cidades e vilas com sapiência, com urbanidade, com civilidade. Até alguns bairros…vide, por exemplo, o Bairro Craveiro Lopes. Cidades e vilas traçadas à régua e esquadro… e com disciplina e critério urbanísticos sadios e salubres!! Deixaram-nos um património por preservar. Nu pega …nu straga!!

Eu… governante-responsável…desclassificava-os (Centros Históricos-Património Nacional) todos!!

As autoridades da época colonial não meteram asfalto nas ilhas. Sabedoria!!?? Não!! Questão de saber gerir cidades e vilas, bairros, ruas, becos e belecos, resultado de séculos de experiência. Se há pedra, em abundância, pa calceta e não havendo, à época, produto para fabricar asfalto, a solução mais razoável só pode ser “paralelar” os becos, belecos, ruas e estradas de nossas cidades e vilas. E assim foi feito. Essas calcetas tiveram looooonga vida!!! Na altura, foram feitas com qualidade. 

Todos os Centros Históricos das grandes cidades do mundo que eu conheço são calcetados… bem calcetados e bem cuidados. Não têm asfalto…não levam asfalto! E inteligentemente… não passou pela cabeça de nenhum Presidente de Câmara, Alcalde, Burgomestre ou qualquer nome que se lhes queira dar ou tiverem, nenhum Governo incentivou introduzir asfalto nos Centros Históricos das Cidades.

Só em Cabo Verde, o Presidente com o seu rol de vereadores, que, regra geral, não percebem nada de gestão de cidades, se gabam de “termos” asfaltado ruas de emblemáticas seculares cidades, aliás, na maioria vilas que, num passo de mágica, um governante decidiu converter em Cidades. 

Em tempos, num encontro temático qualquer, profetizava que, um dia, haveria de haver algum corajoso governante que despromoveria todas as recém-criadas cidades, relegando-as à suas dignas condições de vilas. Vilas, sim!! com dignidade!! Vilas pequenas, limpas, bem organizadas e estruturadas. Exemplo?? A Vila de Nova Sintra!!

Igualmente, apareceria um sabido Presidente de Câmara que assumiria retirar o asfalto do Centro de sua cidade ou vila.

Mas voltando a asfaltomania.

As cidades que foram entupidas de asfalto, hoje, estão quase todas esburacadas ou para lá caminham. Vejam, como exemplo emblemático, as cidades da Praia e do Mindelo. E as Empresas “asfaltadoras” esfregam as mãos de contente!! Mais dinheiro a entrar, claro!. O negocio é simples. Tudo “sabido” e bem organizado. A Empresa põe camadas leves de asfalto, o fiscal finge não ver … ou não vê porque não entende … ou não vê porque não pode ver, e o Dono recebe a obra bnitin…com pompa e circunstância!!  

A Empresa sabe que o país não fabrica asfalto. Portanto, sabe que daqui há uns anos (poucos) tem onde ganhar dinheiro garantido. É reparação aqui… reparação  ali … e vamos faturando todos!!  

Desconheço se essas empresas passam pela instituição nacional responsável pelo controlo de qualidade dos produtos que oferecem. Imagino que não! Pode até ser que uma ou outra o faça. Aliás, deve ser sempre a(s) mesma(s) empresa(s)!! O que normalmente devia levantar alguma suspeita de quem de direito. Mas…quem tem tempo para essas coisas de verificar…fiscalizar!! 

Entende-se asfaltar Praia-Tarrafal pelo interior e pelo litoral … rodando mó fora …  deliciando com a bonita natureza que o Senhor nos deu.

Mas asfaltar como deve ser. Não o que temos quase já tudo “ratxadu na meio”. 

É triste! É triste … triste mesmo ver os Centros Históricos de nossas cidades inundados de asfalto!!…asfalto de má qualidade!! 

E … as ruas e becos de nossas Cidades no seu todo!!

Mas “mais pior” ainda é termos perdido ou estarmos a perder duas profissões seculares: o “paralelista” e o calceteiro. Tudo por estranhos interesses e ou por um “futurismo enganador”.

Porque esta correria ao asfalto, num país onde pedra é o que abunda e asfalto é para se importar.  

Fica esta reflexão … para nossa reflexão! 

Pensem nisso…pensemos nisso!!

Tenho dito. 

 

Publicado no A NAÇÃO, nº 655, de 19 de Março de 2020

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