Por: Olímpio Tavares*
A minha resposta é sim. Para justificar esta posição vou recorrer a três exemplos que mostram isso mesmo.
Primeiro, pela forma como se ensina. Há um discurso consensual de que os professores dão aulas para os alunos receberem de forma passiva. Ora, como se sabe, ninguém aprende de forma passiva. Só aprendemos efetivamente se estamos integrados no processo ensino-aprendizagem-avaliação. Isso só acontece se levarmos os nossos alunos a estarem constantemente ativos na sala de aula.
Passa, em primeiro lugar, por fazer a aula com os alunos, ficando o professor a maior parte do tempo em pé, o que exige alguma esforço e preparação física básica. Ora, ficar sentado dá ideia que a nossa aula é uma palestra. De facto, uma aula não é uma palestra. É sim, um momento em que interagimos com os alunos a tempo inteiro. Desafiando-os, questionando as suas crenças, levando-os a desaprender determinadas ideias erradas que foram adquiridas de forma acrítica desde a tenra idade. Infelizmente, a maior parte das nossas aulas não é assim.
Em vez disso, obrigamos os nossos alunos a ficarem calados para ouvir um longo sermão, riscando ou não o quadro. É o que na linguagem vulgar designamos por vender peixe. Só que a forma como vendemos o peixe não interessa a maior parte das vezes aos alunos. Por isso, quando há atos de indisciplina (não aprendizagem) ficamos altamente irritados, e colocamos o aluno fora da sala, por raiva, só para podermos vender o nosso peixe mais tranquilamente; em vez do professor mudar a sua estratégia para perceber porquê que esse aluno está desinteressado, opta-se por aquilo que é mais fácil a curto prazo e mais difícil a longo prazo.
O segundo exemplo tem a ver com forma como as nossas escolas são geridas. A gestão escolar em Cabo Verde é altamente ineficaz e ineficiente, com raríssimas exceções. Senão vejamos: qualquer pessoa que é posta para gerir uma escola tem que ter, a priori, uma afinidade política com o partido no poder. Se não for assim, está automaticamente excluído, independentemente da sua competência. O problema que se põe não é tanto a afinidade política (que não é um bom critério) mas a capacidade de liderança e saber fazer.
Com isso quero dizer que um gestor da escola deve ter um projeto educativo apoiado pelos elementos da comunidade educativa: pais; professores; alunos e funcionários da escola. Para além disso, deverá elaborar um regulamento interno de acordo com a realidade da escola, e não uma cópia daquilo que é feito noutros sítios. Por fim, o gestor da escola, a meu ver, deverá dar um impulso forte à escola, no sentido de verificar as suas potencialidades com base naquilo que os membros da comunidade educativa podem e sabem fazer. Pode ser a nível do desporto, da arte, da relação com a comunidade envolvente, da ciência, entre outros. Essa valência seria uma atividade extracurricular na qual a escola se compromete perante os elementos da comunidade educativa.
Para que tudo isso aconteça, uma das condições necessárias seria haver eleições internas na qual cada lista poderá concorrer com requisitos mínimos que será um projeto educativo válido por um período de três anos, um regulamento interno adequado à realidade da escola, e uma área extracurricular na qual a escola põe ênfase nesse período de três anos. Nesta proposta, o gestor da escola tem um mandato de três anos, sem renovação automática. Esta proposta ou outra ainda melhor poderá acabar com muita inércia que existe atualmente nas nossas escolas. O que é certo, deve haver uma mudança radical a nível da gestão escolar porque a configuração atual é deficiente e deixa muito a desejar. Faz as escolas dependerem excessivamente dos decisores políticos, que em muitos casos não têm uma relação direta com a escola, os deputados, por exemplo.
Como os exemplos que mostram que a nossa escola está caduca abundam, ficarei pelo terceiro exemplo, a avaliação dos alunos, para corroborar a minha posição inicial.
Nas nossas escolas a avaliação é basicamente sumativa, embora a legislação prevê, desde há muito, a avaliação formativa. A avaliação sumativa praticada nas nossas escolas resume-se, muitas vezes, aos testes complementados com os trabalhos de vária índole, quer seja de grupo, de pares ou individual, entre outros.
Em relação à avaliação formativa, é uma confusão de todo tamanho nas nossas escolas. Eu próprio participei numa formação na cidade da Praia a propósito da avaliação formativa. Vieram dois formadores de Portugal para ministrar a formação e fizeram-na ao mais alto nível. Foi uma formação essencialmente prática, direcionado para a sala de aula. A intenção do Ministério da Educação com essa formação era fazer com que haja uma prática da avaliação formativa nas nossas escolas. “Obrigaram” os participantes na referida formação a assinarem um contrato de compromisso em como irão replicar essa formação e ser, ao mesmo tempo, representantes pedagógicos a nível concelhio.
A ideia começou bem, com a replicação, pelo menos no nosso concelho, São Miguel. Mas depois, o Ministério da Educação que ficou de entrar em contacto connosco a fim de atualizar as informações e dar as diretrizes necessárias para a implementação efetiva da avaliação formativa na sala de aula, deixou as coisas passarem em claro até os dias de hoje. Já lá vão quase três anos.
É óbvio que o Ministério da Educação não é o único culpado nessa história. As escolas e a delegação também têm o seu quinhão de culpa. O que é certo, neste momento, a tão falada avaliação formativa caiu no esquecimento, pelo menos para a maioria das escolas.
É uma pena que uma avaliação tão importante e decisiva para a aprendizagem dos alunos caia, sem mais, no esquecimento. Infelizmente, o maior prejudicado nesta história são os alunos com mais dificuldades de aprendizagem. Conforme os resultados da investigação científica recente, sobretudo os trabalhos realizados Paul Black e Dylan Wiliam a partir de 1998, mostram que a avaliação formativa é aquela que contribui de forma clara para que os alunos aprendam mais e melhor.
Enfim, a nossa escola é caduca por vários outros motivos que o espaço aqui não é suficiente para entrar em detalhes. A nossa escola precisa de transformação. Tem matéria prima para isso. Falta coragem, investigação e prática para romper com o status quo vigente, que é péssimo para o futuro dos alunos e o futuro do país.
*Licenciado em Filosofia, pela Universidade Católica Portuguesa (Lisboa). Atualmente, leciona Filosofia na Escola Secundária “Olegário Tavares”, na vila de Achada do Monte, no Concelho de São Miguel (interior de Santiago).
Publicado no A NAÇÃO impresso, nº 655, de 19 de Março de 2020