O bastonário da Ordem dos Médicos de Cabo Verde defende o “isolamento” dos passageiros vindos da China como forma de travar a entrada do coronavírus no país. Danielson Veiga reconhece, contudo, o “bom trabalho” que está a ser feito pelas autoridades nacionais sob orientação da OMS (Organização Mundial da Saúde), mas mostra-se mais a favor da “quarentena obrigatória”, em vez da “domiciliária e voluntária” que está a ser praticada em Cabo Verde.
Sem pôr em causa o “bom trabalho” que as autoridades cabo-verdianas estão a fazer para prevenir a entrada do coronavírus no país, Danielson Veiga não descarta, porém, as preocupações que devem ser tidas em conta. Mormente quando Cabo Verde tem mais de 300 estudantes na China e muitos cidadãos desse país a residir entre nós.
“Naturalmente isso preocupa-nos, porque pode vir para cá alguém portador do vírus e transmitir para as outras pessoas”, afirma.
O bastonário reconhece ainda que, historicamente, em casos de epidemias, Cabo Verde tem tido um suporte “muito bom” da Organização Mundial de Saúde (OMS). E, no caso presente do coronavírus, “a OMS fez um anúncio de que se trata de uma epidemia de propagação mundial, mas que não obriga, nem impede as viagens das pessoas, nem a que sejam colocadas em quarentena”.
Esse tipo de medida, como se sabe, foi adoptado por Cabo Verde. Na prática, as autoridades estão a fazer visitas domiciliárias e telefonemas constantes para seguir essas pessoas. Danielson Veiga reconhece, todavia, que tem havido vozes, sobretudo de parte dos médicos, que defendem que devia haver um isolamento, ou seja, a “quarentena obrigatória”.
Questionado se essa decisão é a que melhor defende e acautela os interesses da população cabo-verdiana, tendo em conta que segundo novos estudos revelados esta semana, o vírus pode ter uma incubação de até 24 dias, e não apenas 14 dias como revelado inicialmente, o nosso entrevistado admite que não.
“Até agora foi feita uma montagem do plano de contingência contra a propagação da doença em todas as estruturas de saúde. Inclusive, estive na Assomada (onde há alunos regressados da China), com a Delegada de Saúde, que me disse que tem feito visitas, pessoalmente, para se certificar que as pessoas estão em casa. Os familiares foram avisados que não podem ter contatos e que deve haver um certo isolamento. Mas, para mim, de facto, o ideal seria a quarentena (isolamento), à semelhança daquilo que todos os países, mais ou menos, têm feito”.
Porém, vê com naturalidade o facto de Cabo Verde estar a seguir as indicações da OMS, que já tem assessorado o país em epidemias anteriores, como por exemplo, nos casos da Dengue e ZICA.
“Apesar de ter havido algumas fatalidades, comparando com outros países que tiveram a mesma epidemia, Cabo Verde teve resultados fantásticos”, recorda. Mas, reitera, “volto a dizer, para nós, o melhor seria a quarentena (isolamento)”.
Constituição proíbe, ou não?
A definição de quarentena e a sua aplicabilidade por causa da Constituição, reconhece Danielson Veiga, tem gerado alguma controvérsia.
“Há quem diga que, realmente, na Lei de Bases, há artigos que falam que, de facto, quando há situações em que um indivíduo pode pôr em causa a saúde e sobrevivência da colectividade, essa pessoa é obrigatoriamente posta em quarentena (isolamento) e é isso que acho justo”. Também recentemente em entrevista à Rádio de Cabo Verde (RCV), o médio Dario Dantas dos Reis tinha defendido praticamente a mesma posição.
Questionado se o facto de estarmos a deixar nas mãos dos estudantes e de outros passageiros (chineses) regressados da China, a responsabilidade de se prevenirem de um eventual contágio, sem o isolamento obrigatório, pode constituir um risco para a saúde pública, o bastonário é categórico: “Sim, é verdade”. “Ainda ontem (quarta-feira) num encontro (no hospital) levantei essa questão”.
Porém, acredita que as autoridades estão a fazer o seu trabalho, conforme as diretrizes da OMS.
“Há uma brigada que está no aeroporto e que, antes das pessoas entrarem na sala de recolha de bagagem, é feito um exame de despiste com medição de temperatura e uma série de perguntas, designadamente se a pessoa adoeceu, se tem a certeza de que esteve ou não em contato com alguma pessoa doente, entre outras perguntas.
Depois faz-se uma ficha que é analisada pelo Sistema Nacional de Saúde e depois é encaminhada para a região sanitária onde a pessoa vai ficar. Por exemplo, se a pessoa vai para a Assomada, a Delegada de Saúde fica com o contato e informação dessa pessoa (vinda da China) e mantem-se em contato com ela”, esclarece.
Esse Bastonário admite que o médico não pode ficar 24horas em casa das pessoas para verificar “se as coisas estão bem”, mas reforça que há contatos telefónicos. “Penso que as famílias têm colaborado”.
GC
(Publicado no A NAÇÃO impresso, nº 650, de 13 de Fevereiro de 2020)
Ordem dos Médicos defende “quarentena” de passageiros vindos da China
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