A aventura que lhe propomos nesta reportagem é única. “Once in a life time experience”, como dizem os turistas, ou, simplesmente, “uma experiência única na vida”. Na praia de São Pedro, em São Vicente, é possível aventurar-se num mergulho com tartarugas e sentir a serenidade que o fundo do mar transmite. O projecto é de dois jovens pescadores locais e deixa sem palavras quem experimenta.
É meio dia. O pico do sol está alto e o mar calmo. As condições ideais para o “Wakhoo” se lançar ao mar com turistas e locais a bordo, para mais um mergulho com as tartarugas.
“Por volta do meio dia é a altura ideal. O sol reflecte na água de forma mais intensa e a água fica mais transparente. Fica-se com mais visibilidade para nadar com as tartarugas e ver os peixinhos”, explica Waldir Almeida, conhecido por “Didi” das tartarugas.
Aos 33 anos, Didi é um homem do mar. Não conhece outra vida, nem outro horizonte. “Nasci e cresci em São Pedro”, diz de olhos postos no mar.
O mesmo mar que ao longo da vida tem servido de sustento, através da pesca, do snorkeling (mergulho livre) com turistas e mais recentemente os mergulhos com tartarugas.
Mais que mergulhos, o projecto permite nadar livremente ao lado das tartarugas quase que interagindo com um simples olhar, mas sem tocar.
“Uma coisa que aprendemos com os biólogos e que informamos às pessoas, antes de mergulharem, é que é proibido tocar nas tartarugas. Podem nadar junto a elas, apreciar, mas não tocar. Pois, muitas vezes, os turistas têm protector solar e essas substâncias fazem mal à carapaça”.
O projecto tem pouco mais de um ano, quando Didi e o colega Jairson Rocha decidiram apostar numa iniciativa turística, mas de forma sustentável. Porém, para perceber a ligação com estas tartarugas “domesticadas” é preciso recuar um pouco no tempo.
Tudo começou com um projecto de protecção e preservação de tartarugas marinhas em São Pedro. Recorda Didi que alguns pescadores locais viam tartarugas presas nas redes de pesca e com plásticos e resgatavam-nas, para depois as devolverem ao mar.
“Antes não havia tartarugas na nossa zona, mas elas começaram a sentir-se protegidas aqui e à vontade, familiarizadas com o ser humano”. Uma coisa rara, tendo em conta que, geralmente, estão habituadas a ver o homem como “seu predador”.
A empatia foi crescendo entre as tartarugas e os pescadores. O que incialmente era um grupo de seis tartarugas que se fixaram na praia de São Pedro a escassos metros da costa, rapidamente se transformou num grupo de 20. “Aqui elas sentem-se em casa. Ficam na zona todo o ano”.
Aos poucos Didi e o colega foram arranjando máscaras e barbatanas e começaram a organizar passeios de bote para ver e nadar com as tartarugas mesmo ali na baía. O passeio incluiu todo um ritual. É que as tartarugas já estão tão familiarizadas com os motores do barco, que mal ouvem o barulho vão-se aproximando.
Para ajudar o espectáculo, os dois amigos lançam algum peixe fresco ao mar “como isca”, sob o olhar atento de turistas e nacionais curiosos e expectantes, tal como o A NAÇÃO.
E eis que, em poucos minutos, começam a aparecer as primeiras tartarugas, com as cabecinhas de fora. O espanto e alegria é geral. É tempo de colocar as máscaras e as barbatanas e se lançar ao mar. Não sem antes ouvir os conselhos.
“Desfrutem, aproveitem, mas não toquem nelas. Sempre que se aproximarem de vocês cruzem os braços em frente do peito, para elas não pensarem que estão a dar comida…”.
Regularizar actividade
Quem experimentou diz que é uma sensação “incrível”, nadar lado a lado com tartarugas e peixinhos de “todas as cores”. Um cenário edílico e inesquecível.
O ritual repete-se sempre que há demanda e que não é pouca. “Temos muitos turistas, mas também locais”, garante Didi.
Os dois amigos estão a trabalhar com biólogos para regularizar a actividade e assim poder gerar “trabalho” para outros jovens que estão desempregados na zona. “A ideia é gerar uma micro-empresa”.
A ajudar o projecto está a fama alcançada dentro e fora do país, com o documentário “Turtle friend” – Amigo da Tartaruga – realizado por Abel Monteiro e que conta a história da ligação entre Didi e as tartarugas.
A película foi seleccionada para vários festivais e já ganhou prémios. “São Pedro ficou mais conhecido e agora há até emigrantes que vêm para nadar com as tartarugas”.
Didi e os amigos também fazem voluntariado na época de desova das tartarugas em São Pedro, mas gostavam de ter oportunidade de receberem “mais formações” na área para estarem “mais bem capacitados”.
O preço mínimo para o “Wakhoo” partir à procura das tartarugas é cinco mil escudos, pois é preciso custear a gasolina do motor, pagar aos homens que vão no bote apoiar a actividade, geralmente dois, e comprar o peixe fresco para alimentar as tartarugas.
Mas, para grupos maiores, é possível passar pela experiência de nadar com esta espécie em extinção por apenas 1500 escudos.
Por detrás da actividade económica está também a protecção ambiental. “Fazemos campanhas de limpeza da praia e do mar com regularidade e vamos passar a fazê-lo de três em três meses”.
Didi e os amigos aproveitam ainda os passeios para sensibilizar as pessoas para a necessidade de se proteger e preservar as tartarugas.
“É uma forma de fazê-los repensar e perceber que mais vale uma tartaruga viva do que morta. Do mesmo modo, sensibilizamos as pessoas, principalmente as crianças, a não deitar lixo no mar e na areia. Desta actividade conseguimos tirar o nosso sustento e a comunidade vai evoluindo no ramo do turismo”.
Mas, para que o turismo evolua em São Pedro, de forma sustentável, Didi apela à intervenção das autoridades, sobretudo em matéria de saneamento básico e também para a construção de uma casa de banho pública para turistas. “Eles perguntam muitas vezes por isso e não há”, garante.
Até que as condições melhorem, Didi garante que vai continuar a trabalhar para proteger as tartarugas e desenvolver o projecto com as autoridades do sector, visando aumentar o potencial turístico da localidade.
Turistas rendidos
Isabel e Tomas Kister, casal de franceses que visita Cabo Verde pela primeira vez, assumem-se como dois “viajantes”. “Adoramos conhecer novos países, pessoas e culturas”, garante Isabel.
O A NAÇÃO encontrou-os a saborear um atum grelhado, depois de terem desembarcado do mergulho com as tartarugas.
“I’m speechless”, como quem diz, “estou sem palavras”, na entrevista conduzida em inglês.
“O mar é lindo e a água tão limpa. Nadar com as tartarugas é uma experiência que não se encontra em qualquer parte do mundo. Foi uma boa escolha, ainda bem que a fizemos”, diz sorridente Isabel.
Este foi inclusive o primeiro dia do casal em São Vicente, depois de uma paragem “de uma noite” em Santiago, que não deu para ver “muita coisa”.
Depois de São Vicente, iam rumar a Santo Antão, ilha da qual ouviram falar muito bem. “Vimos que tem paisagens maravilhosas”.
Este casal, conta Tomas, preferiu viajar fora do circuitos de grandes grupos, mesmo que a viagem fique mais cara.
“Com grandes grupos há experiências que não se consegue ter. Esta é uma delas. Preferimos sempre fazer o nosso programa específico. Se tivéssemos viajado em grupo certamente não teríamos passado por esta experiência única de nadar com as tartarugas”.
Texto: Gisela Coelho/Fotos: Pedro Moita
São Pedro, São Vicente: Nadar com tartarugas, uma experiência única
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