PUB

São Vicente

São Vicente, ilha da cidadania

Segunda ilha mais populosa de Cabo Verde, com cerca de 90 mil habitantes, São Vicente tem um longo historial no campo da luta pela cidadania. Ao longo dos tempos, vários grupos cívicos surgiram e desapareceram, deixando como legado a insubordinação face aos poderes instituídos. Hoje, os movimentos desse cariz exigem do poder central mais investimentos para a ilha. E do poder local mais atenção para a forma como a cidade do Mindelo está organizada.
Em 2017 nasceu aquele que é actualmente o mais dinâmico movimento civil de São Vicente e de Cabo Verde, o SOKOLS 2017, que vem promovendo manifestações para denunciar a situação social e económica em que São Vicente se encontra, com realce para os transportes aéreos e marítimos e a centralização política e administrativa. 
O movimento tem ganhado expressão junto dos mindelenses e o seu exemplo se espalhado um pouco pelo arquipélago, através de manifestações pacíficas realizadas nos últimos dois anos e que em São Vicente já levaram às ruas mais de 10 mil pessoas. A última das quais, a 5 de Julho passado, para, neste caso, exigir a autonomia da ilha em relação ao poder central. 
Para o porta-voz do movimento, o veterinário Salvador Mascarenhas, a crise social e económica por que passa São Vicente, particularmente no domínio dos transportes, configura-se como algo atrofiante para o desenvolvimento da ilha. 
“Não acredito que isso seja de propósito, mas por incúria, por incapacidade negocial e de governação, mas também devido à concentração de todos os órgãos de poder na capital do país”, afirma.  
Para além de um “desfasamento” na distribuição dos investimentos públicos, Salvador Mascarenhas aponta, como algo não menos grave, a perda da massa crítica em São Vicente, principalmente de jovens recém-formados, que vêem na capital um único meio de conseguir um emprego. 
“São Vicente já foi um viveiro cultural, mas neste momento o êxodo é de tal forma agressivo que muitos procuram a capital que é onde existem mais oportunidades de vida e sucesso. Isso cria um desenvolvimento completamente desarmonioso da própria Cidade da Praia, com grandes franjas de miséria. É claro que a capital também precisa de investimentos, mas que isso não seja feito à custa das outras ilhas e outros centros urbanos; aliás, a continuar no ritmo em que se encontra, não haverá dinheiro que chegue para resolver os seus problemas, enquanto o resto do país se afundará cada vez mais.”
O Sokols 2017, que defende uma regionalização política, de forma que todas as ilhas estejam igualmente representadas e servidas nas suas necessidades, reconhece a existência em São Vicente de uma sociedade civil mais activa, atenta e reivindicativa. Neste sentido aguarda uma “reviravolta” nas próximas eleições autárquicas e espera uma surpresa quanto a candidaturas independentes. 
MDSV e o património histórico 
O Movimento para o Desenvolvimento de São Vicente (MDSV), por sua vez, tem tido uma postura crítica das medidas adoptadas tanto pelo poder central como pela autarquia, chamando a sua atenção para factores que considera empecilhos ao desenvolvimento da ilha. 
Para o seu porta-voz, Maurino Delgado, quanto maior for o esforço e o empenho do poder central, o poder local é determinante para o desenvolvimento das comunidades que formam o todo nacional. Mas, para isso, observa, “os órgãos de gestão municipal – o presidente, a Câmara e a Assembleia Municipal – precisam funcionar, exercendo cada um as respectivas competências”. 
“E para que estas competências se efectivem”, alerta, “é necessário haver um plano de desenvolvimento. Nós não pressentimos que este plano de facto exista, quando assistimos à destruição do património histórico dessa cidade” .
Delgado aponta como exemplos de mau funcionamento o destino dado ao edifício do ex-Consulado Inglês e da extinta Praça de Doutora, espaços públicos estes cedidos a privados, sem que a Assembleia Municipal pudesse travar esse “desmando” da Câmara Municipal. 
O MDSV tem criticado várias medidas tomadas tanto pelo Governo como pela Câmara Municipal de São Vicente, como é o caso da anunciada obra de drenagem de águas pluviais na Laginha, em que o grupo defendeu um estudo de fundo e obras que abrangem toda a bacia da zona de Chã de Alecrim. 
Poluição sonora  
Depois da aprovação da lei de prevenção e controlo da poluição sonora, em 2013, o Movimento Cívico a favor do Sossego vem travando uma luta árdua para que a sua aplicação e fiscalização seja efetivada, embora sem resultados memoráveis. 
Segundo Antónia Mosso, porta voz do movimento, a única evolução até agora tem sido do lado da sociedade civil vítima deste problema, tendo em conta que estão mais conscientes dos seus direitos e poder de revindicação. 
Quanto às autoridades, Mosso aponta-as ainda como parte do problema, quando, pela natureza das mesmas, deviam ser “parte da solução”. 
“Quem legitima e licencia um espaço que produz poluição sonora, se não tiver em conta as leis, está a promover um problema em vez de ser a solução”, afirma. 
Boa parte dos problemas de poluição sonora em São Vicente resultam de festas em espaços abertos e sem sonorização, bares que funcionam com música ao vivo, bares clandestinos, motos de escape livre que fazem barulho durante à noite nas ruas da cidade, cães de rua e mesmo domésticos quando abandonados nas varandas e terraços, carros de publicidade móvel, e vizinhos que colocam colunas à porta de casa com música alta durante o fim de semana inteiro sem que haja intervenção das autoridades. Uma situação contra a qual o movimento liderado por Antónia Mosso promete continuar a lutar. 
Pois, como diz, “Mindelo já foi uma cidade ordenada, onde os direitos de uns e outros eram respeitados. É isso que queremos que volte a acontecer, basta para isso que as autoridades cumpram o que se espera delas. Não é nenhum favor que nos estão a fazer. O que é uma omissão grave da autoridade, um deixa-estar que não pode continuar, sob pena de se comprometer a civilidade, a vida em comum”.   
NA

PUB

PUB

PUB

To Top