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Opinião

Da confiança no Governo nos Negócios Públicos

Por: Mário Matos

Confiança. Eis uma das mais importantes exigências nos negócios públicos. Confiança entre as partes da negociação. Confiança dos cidadãos que os interesses do Estado são colocados acima de quaisquer outros.

Mas a confiança não é de geração espontânea e muito menos uma crença, embora se possa transformar nesta. De que é feita a confiança? Há aspectos subjectivos e objectivos para a construção da confiança, enquanto processo.

O Governo não negoceia com qualquer entidade e nem deve, em nome do benefício financeiro (ou outro) final, negligenciar o perfil com quem negoceia. Se o lucro final fosse o objectivo com total preponderância, tanto fazia o Estado negociar com um parceiro credível e regendo-se pelo primado da Lei, como com um parceiro que fosse uma entidade ilegal ou criminosa.

O Governo deve ser movido pela mais elevada Ética do serviço público, inerente a um Estado de Direito Democrático, conforme as suas tarefas fundamentais definidas na Constituição da República. Mormente em se tratando de alienação ou concessão de activos estratégicos ou de grande impacto económico e social. O Executivo deve se socorrer de todos os instrumentos legais de que dispõe para se inteirar da honestidade, credibilidade e competências da outra parte. Claro que pode falhar, mas não por ter descurado diminuir os riscos.

Entre nós, não faltam (maus) exemplos. Há concessões de terrenos de Zonas de Desenvolvimento Turístico Integrado (ZDTI), em que se negociou a convenção de estabelecimento com prazos longos mas que, passados anos, nenhum investimento foi feito pelo operador turístico, aparentemente sem consequências, embora as regras contratuais firmadas disponham de cláusulas que impõem um timing para as obras serem iniciadas, estipulam limites de dilatação desse prazo mediante justificação atendível e penalizam o investidor quando essas regras não são cumpridas, podendo até cessar o contrato de concessão.

Nessas transacções, a confiança do cidadão e da sociedade em geral no Governo, depende de aspectos subjectivos que vão desde a “confiança cega”, com raízes na filiação ou simpatia partidária radicada na perspectiva de que o “Executivo do meu partido negoceia acautelando sempre a defesa do interesse público e do bem-comum”, em princípio não sufragada por todos os membros do partido em causa, até a falta de confiança ou desconfiança dos filiados nos partidos da Oposição ou seus simpatizantes, também, não representativa da posição do seu partido, assente sempre no ponto de vista que “o Governo do partido da Situação nunca defende o interesse público e o bem-comum”. Entre esses dois extremos, há os que, pertencendo ou simpatizando com qualquer partido ou não tendo filiação partidária, adoptam o principio de criticar quando acham não haver total transparência nos negócios públicos ou que o Executivo deve informar melhor sobre esses negócios, nomeadamente no respeitante aos contratos firmados e se foi assegurada a transparência e a igualdade de oportunidades na selecção da parte contratante com o Estado, numa análise caso a caso e não generalizada.

Em se tratando da Oposição, designadamente a que tem assento parlamentar, o controlo e a fiscalização da governação fazem parte do papel que a Constituição da República lhe atribui, como direito e dever, portanto legal e legitimamente exercido. Fá-lo quer directamente nas sessões parlamentares quer em pronunciamentos extraparlamentares, como Partido ou como Grupo Parlamentar. Por vezes, as reacções do Executivo são como se considerasse ilegítimo o exercício da crítica pela Oposição.

Entender, o Governo ou o partido que o sustenta, que todas as críticas dirigidas à Maioria, são de “anti patriotas”, de sujeitos “sempre do contra” ou imbuídos da vontade de gerar intencionalmente “falta de confiança no país e no Governo”, não é aceitável por configurar intolerância à crítica, coisa que não se conjuga com a Democracia que temos como exemplar. Acrescenta-se a atitude também não democrática, de se considerar que quem antes governou, não tem legitimidade da crítica, repousada no eterno pingue-pongue em espiral, de “tu-fizeste-igual-ou-pior”, que em nada melhora a performance do Estado, da governação, em curso ou futura.

Nesses processos é o Governo a acarretar com a responsabilidade de agir transmitindo confiança, ou seja, agir com transparência e prestar informações e esclarecimentos devidos, bem como, em sede própria, apresentar contratos firmados e outros instrumentos eventualmente acordados e que obrigam o Estado. Da Oposição se espera responsabilidade, fundamentação credível e apresentação de alternativas quando exerce o seu direito e dever de controlo e fiscalização do Executivo.

Mas, não se pode escamotear que a apresentação de alternativas pela Oposição só é exigível e exequível quando ela dispõe de informações pertinentes e bastantes sobre o negócio. Não as tendo e exigindo que o Executivo as apresente em sede própria, sem resposta ou com resposta não convincente, a apresentação de alternativa circunscrever-se-á, tão-somente, no modo diferente de levar avante negócios públicos.

Quem governa deve ter presente que Cabo Verde tem, felizmente, uma consciência cidadã em desenvolvimento, cada vez melhor politizada e fundamentada em competências que não são exclusivas de partidos políticos e nem sujeitas ao “aval” de qualquer formação partidária.

Desde sempre que governar Cabo Verde é uma empresa cada vez mais complexa, logo, de exigência crescente para os titulares de cargos políticos. É verificável que os avanços conquistados de governação em governação, têm contribuído para densificar essa complexidade. Respostas adequadas a dados desafios e problemas da governação em certos sectores ou transversalmente, criam novas necessidades e expectativas na sociedade, aumentando a exigência de uma governação cada vez com melhor performance, numa transformação em espiral. A Administração do Estado em 2016 era de longe mais complexa e performante que a Administração de 2000. A evolução do e-governo é dos exemplos mais elucidativos das transformações ocorridas e do grau de exigências que o Estado de Cabo Verde enfrentava e enfrenta hoje, bem como da complexidade crescente da gestão pública orientada estrategicamente para o Desenvolvimento Sustentável.

O desafio de cada governação é não romper com esse caminho ascendente, ainda que introduzindo, também legitimamente, novas opções de Desenvolvimento, novos métodos que podem e devem produzir rupturas, mas não com o intuito de destruir ou zerar o que de bom se herda dos sucessivos governos anteriores. A governação, sobretudo num país de múltiplas fragilidades que deixa pouca margem de manobra aos governantes, tem muito de passagem de testemunho.

marzim54@gmail.com

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