Por: Fidel Cardoso de Pina
Dos vários problemas que afectam a nossa juventude, o acesso à habitação continua a ser uma das mais dificeis de resolver, sobretudo para determinados segmentos de rendimento e nas ilhas que registam um grande ritmo de crescimento. Com o custo de vida cada vez mais elevado, o custo da habitação, nomeadamente as mensalidades em caso de arrendamento de uma moradia, ou, o pagamento das prestações mensais aos bancos, em caso de compra de habitação, assume um peso demasiado elevado no orçamento familiar dos jovens. Especialistas na matéria têm defendido que quando os encargos com a habitação ultrapassam 30 a 35% do rendimento familiar disponível mensalmente, o seu custo é elevado e tende a transformar-se num problema social.
O Governo, através do VicePrimeiro-Ministro e Ministro das Finanças, Dr. Olavo Correia, anunciou com pompa circunstância a publicação do Decreto Lei nº24/2019, que procede à segunda alteração ao Decreto Lei 37/2010 (alterado anteriormente pelo Decreto Lei nº 46 /2014), que regula as condições de acesso ao crédito para aquisição de habitação, no regime geral bonificado e jovem bonificado. Esta última alteração consiste no aumento da idade de 30 para 35 anos. Complementarmente, a Portaria nº 9/2019 altera a Portaria nº 62/2010, que regula os regimes de crédito bonificado habitação, passando o valor máximo da habitação a adquirir de 5.000.000 para 7.000.000 contos.
Em termos da abrangência e acesso, de facto, à partida deve-se saudar o aumento da idade máxima de acesso ao crédito jovem bonificado para 35 anos, bem como o aumento do montante máximo do valor da habitação a adquirir para 7.000.000 contos. Entretanto, num momento em que os jovens cabo-verdianos continuam a enfrentar graves problemas de acesso ao emprego (segundo os últimos dados publicados pelo INE, 42,8% dos jovens entre os 15 e os 34 anos estão desempregados) e se à alta taxa de desemprego associarmos os contratos de trabalho cada vez mais precários, aliada à tendência para não sairem da universidade ou da formação profissional para o emprego, mas para os estágios profissionais (na maioria recebendo subsídios precários), considerando ainda a nova realidade que obriga os jovens a permanecem mais tempo em formação superior, pois apenas uma licenciatura já não garante emprego e empregabilidade, tendo ainda a maioria que enfrentar por algum tempo os encargos dos empréstimos feitos por eles ou pelos pais para pagarem os estudos universitários, justifica-se, a nosso ver, uma maior ponderação quanto ao limite de idade para acesso às facilidades de obteção de uma habitação para 37 ou 40 anos, ainda que com outro enquadramento. A favor da nossa proposta joga ainda o aumento da esperança de vida, a tendência recente em todo o mundo para o aumento da idade para a aposentação e a percentagem dos caboverdianos inscritos na segurança social, logo com garantias de uma pensão de aposentação que permite-lhe continuar a pagar o seu crédito habitação, enquanto viver.
De uma forma global, o que parece é que os jovens não estão, fora dos discursos de campanha, no centro das atenções e das políticas publicas para o desenvolvimento social, económico, familiar e cultural do país. Por isso mesmo, não aborda convenientemente a necessidade de uma alteração profunda e consistente dos problemas que directa e indirectamente afectam a vida dos jovens, adoptando políticas integradas e eficazes. O facto desta alteração ao diploma acima mencionado, ter ignorado as mudanças que vêm ocorrendo nas taxas de juros para habitação de há alguns anos a esta parte, passando de 14 para 7%, em muitos casos, é bem prova dessa abordagem avulsa e sem contas feitas. Outrossim, ao fixar um montante máximo que pode não estar em consonância com os níveis de rendimentos o que pode criar falsas expetativas e não considerar outros incentivos importantes que as jovens famílias reclamam, nomeadamente:
1– Incentivos fiscais – Isenção do IUP na aquisição da primeira habitação dos jovens ou jovens casais ou a diferenciação do IUP a ser suportado pelas familias de acordo com o segmento etário, escalão de rendimento e tipologia de habitação;
2– Criação de fundo de fomento da habitação jovem para confortar a capacidade financeira de endividamento de mutuários de baixa renda (isto é, jovens que tenham baixos rendimentos);
3– A dinamização da função de fomento à Habitação da IFH, SA, de capital público, em face dos graves problemas de défice habitacional que o país enfrenta e que afecta grandemente os Jovens, sobretudo nos centros urbanos com maior ritmo de crescimento;
4– Que seja implementado um conjunto de Politicas Públicas de Habitação Jovem no sentido de haver um processo especial na atribuição de terrenos a jovens ou jovens casais, visando a construção da sua primeira habitação, com preços mais acessíveis, facilidades de pagamento, ou incentivos ficais nomeadamente isenção de taxas, impostos e outros tributos devidos, pelo menos por algum período de tempo;
5– A retoma dos incentivos previstos no Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, que incentivava iniciativas de promoção colectiva de habitação própria, através da autoconstrução assistida, das cooperativas de construção e de outros programas de inovação na construção de habitação sustentável;
6– Medidas de reforma e modernização do mercado de arrendamento e de arrendamento social, consentâneas com a realidade de um país que cresce de forma desigual, sendo algumas ilhas muito atrativas e outras ainda pouco geradoras de oportunidades de emprego;
7– Programas de regeneração dos centros urbanos e dos bairros tradicionais, com muitas casas abandonadas ou degradadas que poderiam ser colocadas á disposição das familias jovens dando vida aos centros urbanos e aos bairros com tradição; e
8– A colocação do parque habitaconal do Estado e de muitos edificios publicos ao dispor de iniciativas de habitação colectiva e sustentável para famílias jovens, etc.
Sabendo que no passado, a gestão da atribuição das bonificações nem sempre foi a mais rigorosa, o que terá beneficiado quem não devia ou a alguns mais do que a outros, retirando a possibilidade de acesso ao público-alvo, recomenda-se que haja um adequado seguimento e avaliação não só da implementação dessas medidas, mas também do seu efetivo impacto na vida dos jovens.
Por fim, fica a reafirmação da responsabilidade primeira do Estado (governo central e local) adoptar Políticas públicas, integradas, abrangentes e eficazes de fomento à Habitação, de programas de habitação a custos controlados, de bonificação de juros na aquisição da casa de morada de familia e de promoção do mercado de arrendamento (comercial e social), para que o “direito constitucional de acesso a habitaçãocondigna” seja paulatina e efectivamente concretizada no ano em que comemoramos o 44º Anversário da nossa Independência.
Bem-haja a Juventude Cabo-Verdiana, bem-haja CABO VERDE!