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Opinião

Transportes aéreos em Cabo Verde: a falta de concorrência e os direitos do consumidor

Por: Sandy Cardoso

Escrevo este artigo de opinião na sequência de uma experiência pessoal, que me obrigou a refletir sobre uma questão relativamente à qual tanto se tem dito e escrito ao longo de vários anos. Não é, portanto, uma questão nova. Nem é sequer, novidade, o que vou descrever. Mas impus a mim própria não ficar calada, reclamar e tentar fazer que este episódio chegue a todos os que poderão seguir o exemplo e reclamar quando se sentirem lesados e discriminados. 

Os transportes aéreos em Cabo Verde, seja nas ligações internas, seja nas ligações internacionais, vivem, há anos, as consequências da nossa dificuldade (para não dizer incapacidade), em conseguir ter um mercado com concorrência, serviços ao cliente satisfatórios e uma atividade comercial que obedeça às regras que, normalmente, privilegiam o cliente, a sua satisfação, sem descurar, claro, da obtenção dos dividendos que motivam a atividade. 

O problema é quando, de fato, as empresas de transportes aéreos se sentem numa situação de monopólio, ainda que sem suporte ou quadro legal, e passam a comportar-se como “donas do pedaço”, chantageando o regulador nacional, como se passou com a fixação dos preços máximos das ligações internas, ou, fixando, descricionariamente, ou melhor, arbitrariamente, penalizações aos seus clientes quando entendam dever fazê-lo, como tem sido o caso da TAP, face à ainda incapacidade da Cabo Verde Airlines de competir com ela em todas as rotas de, e para Cabo Verde. O episódio que descrevo a seguir foi vivido, seguramente, por vários nacionais, com a diferença é que muito poucos são os que se dão ao trabalho de reclamar. 

Fiz uma viagem Praia-Lisboa-Munique-Lisboa-Praia, nos voos TP 1544, TP554, TP6720 e TP 1543, nos dias 7 de abril, 8 de abril, 13 de abril e 14 de abril, respetivamente. 

Durante todo o percurso, levando uma bagagem de mão (carry-on) ajustado às dimensões da bagageira, que diga-se, nunca teve qualquer problema em caber adequadamente no espaço (cabine) das aeronaves em que foi transportada e que utilizei em todo percurso (Praia-Lisboa-Munique-Lisboa), sem que me tivesse sido colocado algum impedimento. Aliás, vários outros passageiros foram aceites no mesmo vôo com carry-on similares, sem nenhum problema. 

Sucede que, no dia 14 de abril, no voo TP 1543, previsto para as 20:50, tendo feito o check-in nos balcões da TAP, sempre acompanhada do referido carry-on e sem que nenhum funcionário me tivesse colocado qualquer obstáculo relativamente ao mesmo, venho a ser a impedida de embarcar no voo com destino à Praia, a não ser que fizesse o pagamento de 120 € (cento e vinte euros), uma vez que, estando o voo cheio (pude posteriormente constatar que não estava, de todo, cheio), a bagagem de mão que ultrapasse as dimensões previstas teria de ser enviada no porão, mediante o pagamento do referido valor!

O funcionário da TAP que me atendeu, assim como a mais algumas pessoas, além de se mostrar totalmente intransigente em aplicar uma taxa que não conseguiu demonstrar estar previamente anunciada no site da companhia ou em qualquer outro meio de comunicação entre a companhia e os seus clientes, ameaçou-me a mim e aos demais passageiros na mesma situação, que o voo partiria sem mim, caso não fizesse o pagamento. 

Mas o mais grave foi a assunção pública da discriminação da aplicação de tal taxa, a que não fui sujeita em qualquer uma das outras viagens do percurso, apenas para voos com destino a Cabo Verde e a Guiné Bissau (nas palavras do funcionário da TAP), depois corrigida para todos os destinos no continente africano, dizendo-o perante outras pessoas. 

Sintomático também da atitude francamente preconceituosa de que se tratou, foi a referência, nos walkie-talkie com que falava com colegas, de que se tratava de um “local” (em momento algum usou a palavra passageiro), que estava a “atrasar” o fim do embarque, em tom e num momento , em que já só estavam passageiros cabo-verdianos. 

Bom, considerando a minha dupla nacionalidade e o fato de naquele momento estar em Lisboa, a referência a “local” não pode ter qualquer outro significado senão discriminar. 

Decidi, já que tinha de pagar se quisesse embarcar, solicitar o livro de reclamações. Não havia, segundo o funcionário que me atendia.  

Mas o mais caricato ainda estava por vir… é que, depois de ter pago o valor em causa, como se não bastasse, no momento em que vou deixar a bagagem para que ela seja colocada no porão, junto às escadas da aeronave, sou informada pelo pessoal de cabine de serviço, que poderia subir com o carry on, que que coube perfeitamente na bagageira em cima do meu assento. 

Decidi apresentar a devida reclamação aos serviços da TAP, à nossa reguladora AAC e à reguladora portuguesa, ANAC. 

Encurtando de razões, a TAP deu-me razão, reconhecendo que a situação era inadmissível, procedendo à devolução da taxa (deveria chamar-lhe de coima/multa?) que me haviam cobrado. 

Entendi naquela altura, como continuo a entender, que a situação ocorrida comigo, e com tantos outros passageiros, além de violar claramente os deveres de informação que um contrato de transporte aéreo pressupõe, ainda para mais,  é feito de forma propositada, de modo a poder colocar os clientes em situação de não terem qualquer outra opção além de pagar ou deixar a bagagem para trás. Não fosse assim, o controlo das dimensões da bagagem de mão, o mais rigoroso possível, seria feito no momento do check-in (e só poderiam entrar no avião as bagagens de mão devidamente identificadas) e não à porta do embarque… 

A questão não está, nem pode estar, no estabelecimento de regras relativas às limitações de bagagem de cabine, seja no número, na dimensão ou peso. 

Mas quando a penalização é superior ao valor cobrado por uma bagagem de porão extra até 23 quilos, que no momento do check-in custa 90 euros e até 36 horas antes custa 70 euros, temos de questionar da razão da desproporcionalidade. 

Mais grave ainda é de quando somos informados de que tal penalização é cobrada apenas nos voos para África, obrigando-nos a questionar a razão da patente discriminação. 

E é apenas um “pormenor” constatar que a bagagem efetivamente cabe na cabine… 

Da violação do dever de informação e de ser informada, da arbitrariedade e discriminação relativamente aos passageiros com destino para países africanos, da violação de disponibilização do livro de reclamação que por lei é obrigatório,  a verdade é que, esta e tantas outras reclamações da deterioração do serviço que a TAP vem prestando aos seus passageiros nas rotas para Cabo Verde (as refeições têm sido cada vez mais objeto de desagrado consensual, os assentos deixaram de reclinar depois da fila 12…), têm uma causa óbvia: a falta de concorrência e a falta de uma política de regulação, a nível nacional, que olhe um pouco mais para o passageiro/cliente, impedindo determinadas decisões que apenas “surgem” em momentos em que o passageiro praticamente não tem outras opções e tem de se resignar com o que for determinado pela transportadora. 

Conto que mais clientes reclamem quando entendam estar a ser lesados e torço, como tantos outros cabo-verdianos, que rapidamente, possamos ter alternativas fiáveis e efectivas para as nossas ligações aéreas com o mundo. 

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