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Opinião

Por todas as liberdades

Por: Natacha Magalhães

 

“Seja impetuoso, um livre-pensador, supere suas limitações” – Friedrich Nietzsche

1. Democracia: a res populi e a regeneração necessária. Já são quase trinta anos, o início da maturidade. Um olhar alargado e reflexivo sobre a nossa democracia é um exercício que de vez em quando devia tocar a todos. Afinal, somos a melhor democracia da Lusofonia, de acordo com o Índice da Democracia da The Economist Intelligent Unit. Mantivemos a anterior pontuação, porém descemos três posições. Seria de todo interessante conhecer as razões para a perda de três lugares. E é aqui que temos a liberdade de fazer leituras. Alguém duvida que somos democráticos? Todavia, um olhar alargado aos fundamentos globais da democracia, que ultrapasse aspetos meramente formais, é preciso.  Sim, em Cabo verde, as instituições funcionam, ainda que tenhamos por vezes a sensação de que poderiam funcionar muito melhor, com maior transparência. O processo eleitoral decorre normalmente, ninguém é impedido de exercer o seu direito de votar. Entretanto, é imperativo se lançar um olhar sobre outros aspetos, para que, fria e responsavelmente, possamos contribuir para corrigir as falhas desta jovem democracia. Dois aspetos merecem a nossa reflexão: por um lado, o exercício da política, e, por outro, o exercício da cidadania. Relativamente ao primeiro, ouvimos e acompanhamos os debates políticos mormente os protagonizados pelos sujeitos parlamentares e de vez em quando, as intervenções dos outros sujeitos políticos, Governo e oposição. Infelizmente, o debate político assemelha-se a um combate em que um vê o outro como inimigo a abater. Persiste uma elevada agressividade e tensão nos debates, com o diálogo muitas vezes a raiar níveis inaceitáveis de violência verbal e intolerância, as vezes até de ódio. O exercício politico não passa de uma espécie de competição sobre quem fez ou faz melhor do que a procura consensos, muitas vezes necessários, sob pena de se retroceder no próprio desenvolvimento do país. Continua-se a perder demasiado tempo, enfraquece-se o debate político, perde-se a confiança e a credibilidade nos partidos e nos sujeitos políticos. Como consequência, surge aquilo que Bobbio chamou de apatia política e, por cá, é inegável o desinteresse dos cidadãos em relação ao que acontece na política. É preciso se atentar aos sinais. Os que são evidenciados pela nossa juventude, cada vez mais desinteressada e afastada da política e descrente dos políticos. Ou os que são dados pelos movimentos sociais, agastados pelas promessas não cumpridas. Por outro lado, não se pode olvidar de que a democracia é a res populi. E assim sendo, um outro medidor do nível da nossa democracia seria o da participação do cidadão através nos espaços públicos e de representação social. E aqui, é notório que tais espaços estão ainda maioritariamente restritos à política. Tudo é politizado, tudo é partidarizado e, cada vez mais, o que se vê é a excessiva politização e partidarização dos espaços que deveriam ser dos cidadãos. Devolver tais espaços aos cidadãos e não condicionar tal participação contribuiria certamente para reforçar a democracia que, não estando consolidada, precisa de se regenerar.

2. Cabral, os heróis e as heroínas e as novas gerações. Este ano, chegaram sinais duma vontade de se mudar a comemoração do 20 de janeiro e de se dar outro tratamento à figura de Amílcar Cabral.  Depois do ocorrido em 2018, é assinalável a forma como a data foi celebrada, envolvendo varias altas figuras do Estado e as próprias palavras do chefe do Governo são sinais desse esforço.  Goste-se ou não do homem e da sua ideologia, é incontornável a figura do obreiro da independência. Proporcionar oportunidades de se estudar e conhecer Cabral é um imperativo que deve mobilizar todos e das melhores coisas que se pode legar às atuais e futuras gerações. A ideia de um museu, aventada pelo primeiro ministro, deve passar de discurso de circunstância para se tornar numa realidade.  Mais do que nunca, a juventude cabo-verdiana precisa de conhecer o politico e o homem que foi Cabral e o quão atual continua sendo o seu pensamento. Um museu é bem vindo. Todavia, mais do que um museu inteiramente dedicado a Amílcar Cabral, é preciso um espaço onde se mostre o percurso, a história e o papel de todos os heróis e heroínas nacionais. É urgente resgatar essa parte importante da nossa Historia e não deixar ninguém de fora, nem homens nem mulheres.

3. Arte, nudez e um debate necessário. E eis que dois quadros abrem o debate sobre os limites da arte e a liberdade de expressão e manifestação artísticas. Dois quadros de Tchalé Figueira, expostos no átrio do Palácio da Assembleia Nacional (Parlamento), juntamente com outros que compunham uma exposição coletiva foram a razão da polemica. As duas obras, com conteúdos eróticos explícitos, seriam, supostamente, visualizadas de crianças que visitariam aquele espaço. Instalou-se a discussão, uns tentando rotular os quadros do artista; outros advogarem a liberdade de expressão e de criação do autor. Certo é que as obras foram retiradas, sem que o artista e os organizadores da exposição fossem previamente avisados. Certo também foi que a indignação popular serviu para abrir um outro debate: sobre os limites arte e até que ponto estamos preparados e a preparar gerações para uma reflexão e fruição em torno das obras artísticas.

Verdade é que uma sociedade de bom senso é aquela que se junta para defender as suas crianças. Mas essa defesa teria que ser contra tudo que de mal possa lhes causar. Não nos podemos indignar só com quadros de nudez ou sexo explícito, mas acharmos engraçado ver crianças rebolando em festas (nem sempre infantis), normalizando concursos de de miss ou deixando-as assistir conteúdos violentos e de sexo em telenovelas ou ainda permitir que cantem canções que fazem apologia ao uso de drogas droga, ao sexo irresponsável, ou a objetizaçao da mulher. Mas é igualmente certo que não podemos limitar os espaços onde a arte é dada a conhecer ao público, ainda que das criações possamos não concordar ou desconsiderar, muitas vezes imbuídos por critérios pessoais, culturalmente enraízados. Assim, para proteger as crianças e porque não há espaços públicos de exposição, na capital, aos quais as crianças sejam impedidas de aceder, o que poderia ter sido feito, e futuramente a considerar,     seria uma advertência da organização e dos responsáveis pelo espaço. Ficaria a questão resolvida? Ou foi o sexo em si a incomodar? Ou é o facto de sermos um povo pouco ou nada habituado ao exercício de desconstrução da obra artística uma das causas para o alvoroço? Tudo isso reclama de quem tem a responsabilidade de educar – famílias, principalmente – a formar cidadãos capazes de exercitar a fruição, fazer a desconstrução e a reflexão em torno das manifestações artísticas. Pensar e ver a obra para além do que é mostrado. Olhar, sentir, pensar, reconstruir. A arte é livre, caso contrário seria uma outra coisa qualquer.  E nem o nu nem o sexo podem nos indignar. Se assim fosse, obras como David de Michelangelo, o sonho da mulher do pescador de Hokusai ou A Leda e o Cisne, de Rubens não jamais mostradas, nem o considerado tradicional e sisudo British Museum permitiria albergar uma exposição onde foram exibidos desenhos eróticos e sensuais, exposição aliás, visitada por menores de 16 anos, devidamente acompanhadas pelos seus pais, previamente informados.

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