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Opinião

Dos TACV à CV Airlines: um exemplo de uma governação desastrosa

Por: Avelino Bonifácio Lopes

Após 15 anos de uma governação não isenta de falhas, mas sobretudo de uma profunda divisão interna no seio do partido que suportava o Governo, não foi difícil o Movimento para a Democracia ganhar as eleições legislativas de Março de 2016, com base no Programa de Governação o “Compromisso com as Ilhas. Solução para Cabo Verde”.

Recorda-se, a par de alguns outros dossiers “apetecíveis”, como “Chã das Caldeiras”, “segurança”, “desemprego jovem”, “dívida pública” e “regionalização”, o MpD explorou, até à exaustão, o “arresto do Boing na Holanda” e o tão propalado subsídio do Estado de 300 milhões de escudos mensais aos TACV.

E, para mostrar que não estava para tolerar a sangria dos recursos dos contribuintes para uma companhia de “gestão-camarada” e a “vergonha nacional” e o desbaratar da imagem do país junto dos seus parceiros externos e da nossa diáspora, ainda antes de se ver legitimado pela aprovação do seu programa no parlamento, o Governo substituiu o Conselho de Administração e emitiu orientações ao nóvel órgão da sua confiança, mandando retirar a companhia dos voos domésticos, tendo deixado a concorrência que entrara havia pouco tempo na situação de monopólio de fato.

Seguiu-se um contrato de gestão(?) com a Icelandair, por um ano, que deverá ter custado ao erário público cerca de um milhão de euros. Dezenas de pilotos ficaram em terra (situação que ainda se mantém), com seus salários pagos em casa e elevados encargos financeiros com deslocações ao exterior e realização de simulações para manutenão de suas licenças aeronáuticas. Seguiu-se a retirada dos TACV Internacional dos destinos Praia, Mindelo e Boa Vista e o início do desmantelamento da coluna vertebrar da companhia – sua Manutenção.

O contrato de gestão (?) com a Icelandair terminou com esta última a chamar o seu avião alugado à CV Airlines, ao que parece, ao preço de 3 mil euros por hora de voo, à base, configurando uma autêntica chantagem para conseguir as condições que pretendia (fala-se, na não obrigatoriedade de rotomar os voos internacionais para Praia, S. Vicente e Boa Vista e na concessão de exploração do aeroporto do Sal) para poderem comprar os 51% de ações da CV Airlines que o Governo da “respública” lhes implorava.

Não se espanta, pois, que a entrega da proposta para aquisição dos tais 51% de ações fosse recebida em ambiente festivo, com honras da presença do Senhor Primeiro Ministro, acompanhado de metade do seu elenco tendo, aliás, os mais eufóricos, vislumbrado no ato, repita-se, de entrega de uma proposta de compra e venda, de  “um antes e um depois” para Cabo Verde.

O país assistiu, na semana passada, o Senhor Ministro de Estado e Porta Voz do Governo a anunciar a decisão do Conselho de Ministros de autorizar a venda (como, aliás, e bem, já estava prevista) de 10% das ações da CV Airlines, distribuídos entre 5% aos trabalhadores da companhia e 5% aos emigrantes. Uma “descriminação positiva”, que deve ser entendida por serem público-alvo com maior interesse direto no bom funcionamento e nos bons resultados daquela que já foi “realmente nossa”.

O Senhor Ministro anunciou também que cada uma das 100 mil ações que compõem os 10% de ações a serem alienadas aos trabalhadores e aos emigrantes será vendida ao preço de 1.457 CVE.

Por defeito de profissão, senti-me atraído a recuar no tempo para comparar esse valor com o que a Unidade de Acompanhamento do Sector Empresarial do Estado (Ministério das Finanças) havia comunicado como o encaixe do Estado pela privatização de 51% de ações à Loftleidir Cabo Verde (subsidiária da Icelandair), enquanto parceira estratégica da CV Airlines.

Não completamente surpreso, reparei que o Estado irá arrecadar agora, por apenas 10% das ações da CV Airlines, mais 2.355.500 CVE do que encaixara pelos 51% de ações vendidas em Março último ao parceiro estratégico – Loftleidir Cabo Verde. Razões várias podem ser apresentadas como justificativas (ou podem até justificar) uma tão significativa diferença de preço em tão pouco tempo.

Continuando o Governo a impôr o secretismo nos dossiers da nossa companhia aéra e, não podendo esperar muito dos nossos eleitos sobre o assunto (a prática assim nos aconselha), seria bom que a sociedade civil e os técnicos ajudassem a trazer alguma luz nessa matéria, para que não se fique, apenas, nas especulações de café e nos joguinhos para desviar o verdadeiro foco da questão.

O Governo pode ter decidido que o encaixe financeiro pela venda dos 51% de ações da CV Airlines, pelo parceiro estratégico, não era relevância, mas sim os investimentos a serem feitos e o know how a ser incorporado á gestão para a alavancagem do negócio dos transportes aéreos a partir de Cabo Verde e tendo a CV Airlines como elemento-pivo. É o caso? Então o Contrato de Gestão deve ilucidar.

A entrada da Loftleidir Cabo Verde (subsidiária da Icelandair) no capital social da CV Airlines pode ter sido tão determinante que, em pouco mais de um mês, a companhia terá valorizado em cerca de 525%. Razão para se questionar o que, de facto, aconteceu para uma tão significativa valorização, a ponto da parceira estratégica ver os seus 51% de ações lhe valerem, hoje, mais 608.905.500 CVE do que acordaram pagar ao Governo em Março.

A saída da CV Airlines dos voos domésticos foi um erro estratégico, que resulta de uma visão míope de desenvolvimento do país, que trará custos, a prazo, quiçá, irreparáveis: a dimensão de micro-Estado, arquipelágico e fragmentado, com elevada e dispersa diáspora, com um turismo centrado em apenas duas ilhas de população reduzida, como motor da sua economia, não pode entregar o monopólio do transporte aéreo doméstico a uma empresa subsidiada por um Governo de um território com o qual pretende competir.

A retirada da CV Airlines dos voos de, e para Praia, S. Vicente e Boa Vista, é mais um erro estratégico, com custos, a prazo, de difícil recuparação: a avaliação de uma companhia aérea de um país com as características acima apontadas não pode ser apenas, e nem sobretudo, com base nas ganhos/prejuizos financeiros restritos da própria companhia. A companhia pode dar prejuízos financeiros, sim, mas o país ter ganhos económicos (e nem falo dos ganhos sociais!) que superam largamente os prejuizos financeiros da companhia. Não tenho dúvidas que estivemos e estaríamos perante o caso.

A par desses erros estratégicos, o desmantelamento da coluna vertebrar dos TACV (a sua Manutenção) que foi a principal responsável pela imagem grangeada a nível regional e internacional, com certificações de top nos Estados Unidos da América e licenças para operar os maiores aeroportos da Europa, deita por terra a intenção do MPD, expressa no seu Programa de Governação, nomedamente:

(i) “Fomentar o transporte de carga aérea aeroportuária, através da criação de condições para a instalação de terminais de carga nos principais aeroportos ainda não servidos”;

(ii) “Instalar um Centro de Manutenção Aeronáutica (Centro MRO) vocacionado para servir, numa primeira fase, os operadores nacionais e, posteriormente, mediante certificação internacional (EASA, FAA), servir operadores de outras partes do globo, designadamente da África Ocidental”;

(iii) “Criar um Parque Tecnológico para o Transporte Aéreo, visando o desenvolvimento do transporte aéreo e da manutenção aeronáutica como geradores de novas oportunidades de emprego qualificado para responder à procura de profissionais especializados”,

(iv) “Aproveitar o grande potencial de mercado para a formação profissional e académica, voltada para satisfazer necessidades internas, mas também externas…”

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