Por: José Manuel Araújo
Porquê insisto nisso? Porque estou convicto que podemos melhorar e mais do que isso. Podemos criar condições para abandonarmos a filosofia da gestão corrente e do aproveitamento das oportunidades, o que em si é meritório, para criarmos as bases para um desenvolvimento continuado, sustentável e perceptível do nosso futebol. É claro que temos feito muito. Formações para treinadores, árbitros, jornalistas desportivos e dirigentes, infra-estruturas, criação de escalões de formação em muitas ilhas, participação da nossa selecção em grandes competições internacionais e mais recentemente, a primeira participação da nossa selecção feminina num jogo internacional.
Uma viatura pode ter tudo no lugar: Caixa de velocidade, volante, retrovisores e tudo mais mas, se não existir uma boa estrada, ela não consegue realizar a viagem sonhada.
A meu ver, no futebol, essa estrada é o “modelo de futebol” onde tudo vai desaguar e de onde tudo se constrói e floresce. O campeonato Nacional é a mais importante competição de futebol em todos os países a tal ponto que se pode pensar que as outras competições (taças e torneios) são complementos do campeonato Nacional, para dar mais recheio e brilho ao futebol de um país e mais jogo nas pernas aos jogadores.
Não se sabe como nem porque conquistou esse estatuto mas, uma coisa é certa. É a competição com a qual a população mais convive. Quase que se poderia dizer que é a faceta cultural mais visível do futebol. Convivemos diariamente com o nosso campeonato enquanto por exemplo, com a nossa selecção isto só acontece esporadicamente nos momentos marcados para os torneios internacionais. Daí a necessidade dessa atenção muito especial ao nosso campeonato nacional.
Um modelo adequado proporciona-nos mais satisfação com o nosso futebol. Porque proporciona mais dinamismo, mais espectáculo, mais coerência, mais identificação, mais identidade, mais união, mais interesse, mais receitas, mais evolução dos jogadores individualmente.
Proporciona condições inclusivamente para fazermos evoluir a nossa selecção Nacional porque, ao invés de continuarmos a ter jogadores internacionais profissionais que ocasionalmente saíram daqui da terra para irem ter sucesso em clubes como a Académica de Coimbra, o Portimonense e outros clubes da mediania internacional, um modelo adequado no nosso futebol interno, pode ser o caminho, a estrada, o adubo para internamente produzirmos uma matéria-prima que depois, ao ser exportada lá para fora, mais facilmente poderá ser transformada em Drogbás, Etôs, Weáhs, Salomons Calús, que viriam dar outra performance às nossas selecções. Ou seja, devemos fazer com que, após uma longa trajectória pelos escalões de formação, chegado a sénior, um jogador de 20 ou 21 anos encontre um modelo de campeonato que para ele não signifique sinónimo de estagnação, à espera por acaso dum possível salto para o exterior. Uma estagnação em que mesmo a jogar nas melhores equipas do campeonato cabo-verdiano, à partida, não reduzirá o grande fosso existente entre o seu potencial construído internamente e o de outro com a mesma idade, construído no grande mundo do futebol.
Salvo casos excepcionais, os nossos jogadores que saem daqui do país já seniores, vão para serem fabricados de origem lá fora, levando muito pouco daqui de dentro do país e carregando com eles já uma série de hábitos e culturas por vezes difíceis de corrigir significando isto que, permitem-me a expressão, o produto vale pouco mas sai caro, pelo que não é suficientemente atractivo.
Com um modelo adequado, esse produto produzido internamente (a tal matéria-prima) poderia tornar-se mais atractivo, o nosso mercado de oferta, mais reconhecido internacionalmente, mais e melhores transferências, mais e maiores rendimentos das transferências para as equipas cabo-verdianas, mais capacidade para essas mesmas equipas suportarem a produção de melhores jogadores para serem vendidos, mais retorno de financiamento para o futebol cabo-verdiano, melhor retorno de jogadores para a nossa selecção.
Vejamos os casos de jogadores como Vozinha, Eldon, Ryan ou Djanini, todos nomes proeminentes da nossa selecção mas que até agora, só conseguiram jogar em equipas medianas no contexto mundial. De outro ângulo, vejamos o caso de Renato Sanches, em equipa de topo mundial. Não é só por causa do seu evidente talento. Não é só porque Renato jogou num campeonato como o português porque, quase todos os outros também o fizeram. Na verdade, é porque Renato, foi uma matéria-prima melhor produzida e que já à partida, tinha um maior horizonte pela frente.
É reconhecida a dedicação séria, equilibrada e responsável, o trabalho e a capacidade de trabalho do presidente da nossa FCF, entretanto, para que possamos dar o salto desejado, temos de aceitar e reconhecer que o nosso futebol mantém-se entravado com um “nó górdio” (sempre o esteve) que precisamos desatar para que ele possa verdadeiramente conseguir desbravar aquele caminho que diariamente, e não, só num jogo da selecção, nos dê toda a satisfação que dele possamos retirar.
Desportivamente.