A empresa Arqueonautas, que manteve um contrato com o Governo cabo-verdiano para a recuperação de navios naufragados no mar de Cabo Verde, entre 1995 e 2002, garante que nesse período descobriu e reportou às autoridades perto de 90 naufrágios.
Num esclarecimento enviado à agência Lusa, o presidente do conselho de administração da Arqueonautas, Nikolaus Graf Sandizell, reagiu desta forma às afirmações do investigador da Universidade Nova de Lisboa (UNL) e consultor técnico e científico do Instituto do Património Cultural de Cabo Verde, Alexandre Monteiro, para quem a exploração comercial do mar cabo-verdiano foi uma experiência “catastrófica”.
Para este investigador, citado numa notícia da Lusa divulgada terça-feira, depois de pilhados esporadicamente por cidadãos, mergulhadores e pescadores, os navios foram alvo de “caça ao tesouro”, primeiro por parte da empresa sul-africana Afrimar e depois pela empresa luso-alemã Arqueonautas Worldwide.
Esa “pilhagem”, refere o investigador, estava legitimada pelo Governo cabo-verdiano, porque pressupunha benefícios para o Estado, nomeadamente a recuperação de peças, para a qual não existiam meios disponíveis, assim como formação, museus, entre outros.
Mas o que resultou desta parceria, apontou o especialista, foi que parte do património cultural subaquático cabo-verdiano foi vendido em leilões do Sotheby’s e da Christie’s a colecionadores ricos, sem que houvesse praticamente compensação financeira ao país por essas vendas, como também quase nada ficou em museus de Cabo Verde.
Nikolaus Graf Sandizell considera que a palavra “pilhagem” é “totalmente inadequada”.
“Estamos a falar de uma intervenção arqueológica subaquática licenciada pelo Governo, com metodologias adequadas e instalações de conservação no local”, sustenta.
“Todos os artefactos resgatados foram conservados e restaurados no Centro de Conservação e Museologia e a maioria do material cultural recuperado permaneceu na Cidade de Praia”, prossegue o esclarecimento.
Segundo o administrador da Arqueonautas, “os poucos artefactos que puderam ser exportados foram vendidos publicamente, em leilão, sendo as receitas usadas para a continuação das expedições de resgate e para a conversão do Centro de Conservação em um museu”.
“Alguns artefactos permanecem na empresa Arqueonautas, como coleção de estudo”, prossegue a nota.
De acordo com Nikolaus Graf Sandizell, durante o período em que vigorou o acordo com o Governo de Cabo Verde (de 1995 a 2002), “a Arqueonautas descobriu e reportou às autoridades perto de 90 naufrágios, contemporâneos e históricos, em águas territoriais do país”.
“Destes, foram resgatados e recuperados oito naufrágios, que haviam sido anteriormente pilhados, como é do conhecimento dos pescadores locais” e “outros oito foram sujeitos a uma investigação limitada, para permitir o seu reconhecimento e respetiva identificação”.
O administrador garante que as expedições foram lideradas por arqueólogos e acompanhadas por supervisores do Governo de Cabo Verde, que “efetuaram registos individualizados das atividades operacionais”.
A empresa construiu, em 1996, “um Centro de Conservação na Cidade da Praia, com vista à formação dos estudantes locais em técnicas de conservação, restauro e documentação”.
Em 2000/01, este Centro de Conservação foi convertido, pela empresa Arqueonautas, no atual Museu Arqueológico da Praia, lê-se no esclarecimento enviado à Lusa.
A empresa assegura que “todo o processo que envolveu a recuperação dos artefactos ficou documentado, tendo a maioria dos artefactos ficado no Museu Arqueológico da Praia”.
Em 2002, “os relatórios arqueológicos que resultaram desse processo, bem como os registos de mergulho, as despesas de conservação, os certificados dos artefactos e as respetivas pesquisas, foram oficialmente entregues às autoridades”.
Na quinta-feira, o ministro da Cultura e Indústrias Criativas cabo-verdiano revelou que recebeu uma dúzia de pedidos de empresas que querem explorar navios naufragados em Cabo Verde, mas que isso só acontecerá com a nova lei de proteção destes tesouros.
“Queremos configurar todo o quadro jurídico antes de fazer qualquer conceção, garantindo que toda a composição de barcos que façam essa exploração, contenha a presença da Polícia Nacional, da Polícia Judiciária e Polícia Marítima, no sentido de garantir que todos os bens recuperados em águas territoriais cabo-verdianas regressem a território cabo-verdiano, o que não está a acontecer”, disse.
O ministro disse que, desde o início do mandato, em 2016, recebeu 12 pedidos de empresas que se propõem fazer a exploração dos navios afundados em Cabo Verde.
“Mas não temos a segurança jurídica que permite fazer com que não aconteça o que aconteceu com o astrolábio de ouro que foi leiloado em Londres sem o nosso conhecimento e sem que disso tivéssemos benefício nenhum”, disse.
A esse propósito, concordou com o que o investigador português Alexandre Monteiro que, em declarações à Lusa, disse que a exploração comercial do mar cabo-verdiano por empresas de caça ao tesouro, que pilharam legalmente dezenas de navios naufragados, foi uma experiência “catastrófica”.
LUSA