Por: Ricardino Neves
1.Introdução
O actual estado do debate sobre a Regionalização provoca uma série de interrogações sobre o desenlace do processo que se afigura de difícil concretização .
Se o resultado da governação centralista do País se traduz como sintoma principal em evidentes desequilíbrios regionais cuja redução é afirmada e reafirmada como objectivo no discurso político corrente ,muito raramente se faz a abordagem das causas subjacentes.
Isso se deve ,como é sabido , que os grandes problemas só começam a ser considerados no sentido de para eles ser encontrada solução ,quando as classes mais abastadas e as elites em torno das quais se concentra o Poder são afectados.
A Regionalização, enquanto abordagem de possível solução da problemática do desenvolvimento regional que o Poder Central não conseguiu alcançar de forma satisfatória, confronta-se assim com o(s) Poder(es) instalados e não terá vida facilitada por ele(s).
O adiamento pelo Governo do agendamento do debate na especialidade na Assembleia Nacional para Março 2018 e as recentes declarações do Cardeal Arlindo Furtado sobre a Regionalização surgem como algo parecido com a administração da extrema unção a quem está prestes a morrer .
E se no final a Regionalização não for uma história feliz, importa que se tenha em conta para a memória futura um conjunto de aspectos que me parece importante reter para aprofundamento e necessária reflexão colectiva .
2.A negação do centralismo
A conclusão mais evidente da discussão é a quase unanimidade na negação ou, pelo menos , no reconhecimento das insuficiências do modelo centralista de governação do País, com excepção evidente dos convictos centralistas.
As diferenças só se revelam quando se discutem as vias ou o modelo alternativo a adoptar para a futura Governação do País.
Até os mais afirmativos defensores do modelo centralista e para os quais o centralismo existente ainda é insuficiente parece terem visto na Regionalização uma oportunidade para verem as suas reivindicações realizadas, dentro da ideia absurda de que a Capital Praia tem que ter tudo o que de melhor nesta terra Cabo Verde –melhor porto, melhor aeroporto, melhor terminal de descarga de combustíveis, todas as sedes nacionais de empresas públicas, etc, etc.
Os centralistas não assumiram a defesa da manutenção da situação vigente por opção táctica , cientes de que o centralismo de tão enraizado ,tinha armas naturais de defesa como sejam hábitos, tradições que acabam por se impor ou, ao menos ,resistir aos ventos da mudança.
Parece ser esta a conclusão mais relevante do debate,a constatação de que mudar é preciso, para bem da Nação e de se ter chegado a hora de dar vez e voz às ILHAS.
3. A assumpção das “Assimetrias(disparidades, desequilibrios) regionais”
Outro aspecto que sobressai como elemento de quase unanimidade é a constatação de que as desigualdades económicas e sociais entre as Ilhas e na própria Ilha de Santiago são realidade que importa alterar ,se se quer uma Nação mais coesa, inclusiva, justa e solidária.
A tese inicial de que a Regionalização seria coisa de “gente de Soncente”, esgrimida inicialmente pelos centralistas , foi-se esbatendo de forma progressiva porque evidente e não suportável.
E ainda que o debate se fizesse do CENTRO para a periferia cedo se começaram a ouvir as vozes das outras ILHAS e do interior de SANTIAGO , que deixaram de assumir a sua condição de “menoridade” que alguns querem reduzi-los ,para passarem a serem portadores afirmativos duma natural ambição dum outro modo de se governar o País.
Assumida a existência das assimetrias regionais, que são também assimetrias sociais, o centralismo derivou para a tese de que afinal ,havia sim as ditas assimetrias ,e que a principal estava tão perto dela ,em SANTIAGO NORTE.
Essa abordagem revela o cinismo centralista que , quando posto perante as consequências nefastas por ele geradas , procura um salto em frente reequacionando a situação, na perspectiva de arregimentar aliados para a defesa do seu sistema.
Vendendo a tese de “estar acossado” por “gente de Soncente” procura “juntar Santiago Norte à sua causa”, sem sequer reconhecer o primeiro e principal erro do sistema centralista em Cabo Verde e que foi de pensar primeiro e principalmente a Praia e só muito depois pensar o País , a começar pelo resto da Ilha de Santiago ,espaço territorial contíguo.
A quase unanimidade no reconhecimento das assimetrias regionais aparece assim como uma grande conquista da sociedade cabo-verdiana no rescaldo do debate da Regionalização.
4. A necessidade doutro modelo de governação e a regionalização como possiível solução
Negados o centralismo e a sua consequência principal, as assimetrias regionais, ficou claro a necessidade de adopção dum outro modelo de governação que possa pôr fim a esse mal.
Mas para além desse objectivo viu-se que o modelo de governação centralista é desprovido de lógica económica acabando por ser ineficiente, com o factor distância dos problemas e ,por inerência , das soluções , a pesar na vida quotidiana das ILHAS, reduzidas à condição de periferia .
Um exemplo claro é a actual situação de Chã das Caldeiras no Fogo que, desde a erupção de 2014 e mesmo com 550 mil contos arrecadados com sobretaxa do IVA, continua à espera de solução, pelo Governo central ,dos problemas dele derivados.
Assim a Regionalização apresenta-se (apresentou-se) como uma oportunidade de aprofundar a democracia ao assegurar a participação efectiva dos cidadãos na abordagem do seu destino.
A Regionalização , enquanto sistema com adopção dum poder mais próximo dos cidadãos e que se responsabiliza perante eles ,é capaz de mobilizar o potencial endógeno de desenvolvimento das Ilhas e assim assegurar o seu desenvolvimento efectivo,o que o sistema centralista ainda não conseguiu cabalmente.
E todas as teses alternativas avançadas, independentemente da sua maior ou melhor qualidade , visavam todas um outro modelo de Governação do País que , ficando como está , arrisca-se a aprofundar os desequilíbrios existentes e o não aproveitamento das potencialidades de desenvolvimento das Ilhas ,provocando a desertificação do território ,a perpetuação e (ou ) aumento da pobreza ,o desperdício dos recursos humanos e materiais das Ilhas, a concentração na Cidade da Praia e a incapacidade de ver resolvidos os problemas que ela gera, a desigualdade de oportunidades.
A não adopção dum outro modelo de Governação como seja Regionalização, acaba por traduzir a política do Centralismo. A sua única política é a ausência de política, manter a situação actual .Ela não deixa de dar como fruto principal o agravamento dos problemas existentes . Esta ausência de política acaba por servir de modo mais seguro certos objectivos e interesses que se traduzem em agravamento dos desequilíbrios, das assimetrias, das desigualdades.
(Continua…)